Um episódio bem no final da 19ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 19 – UNFCCC) ilustra perfeitamente por que essas negociações internacionais são tão difíceis e frustrantes.
Já era tarde de sábado (23) – a COP 19 estava prevista para acabar no dia 22 – e os países ainda discutiam o texto sobre “Perdas e Danos”, em especial o estabelecimento do Mecanismo de Varsóvia, que visa disponibilizar recursos para as nações impactadas pelas mudanças climáticas.
O ponto de discussão era a palavra “under” (sob), que indicava que o novo mecanismo deveria ficar sob a Estrutura de Adaptação de Cancún. Ou seja, uma ferramenta que tem como objetivo ressarcir localidades que tiveram prejuízos com eventos climáticos extremos, por exemplo, estava sendo considerada uma ação de adaptação. Isso não faz o menor sentido, uma vez que adaptação é uma prevenção e deve ser feita antes de qualquer chance de prejuízo.
Assim, nações em desenvolvimento queriam que essa parte do texto fosse alterada. Mas boa parte dos países mais ricos não. E por que não queriam mudar? Porque muitos deles já têm recursos destinados para a Estrutura de Adaptação, e preferem apenas realocá-los para o novo mecanismo a se comprometerem com outros financiamentos.
Depois de quase uma hora de discussão, prevaleceu a vontade dos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão, e o “under” permaneceu. Tudo o que as nações em desenvolvimento conseguiram foi a promessa de que esse texto será revisto em 2016.
Esse exemplo de como funciona as negociações, brigando por cada palavra, cada vírgula, demonstra a falta de confiança entre as delegações e representa por que toda a COP acaba sendo um processo lento e penoso.
A COP 19 foi tão devagar e sem perspectivas que as organizações da sociedade civil que acompanhavam o evento decidiram abandoná-lo antes do fim, como uma forma de protesto.
“A COP 19 foi uma farsa. Era para ser sobre o aumento dos cortes das emissões, mas o que vimos foi o oposto – o Japão diminuiu sua meta, a Austrália desistiu de suas políticas climáticas e o Brasil apresentou aumento de 28% no desmatamento. Além disso, os países ricos falharam, não cumpriram suas promessas de disponibilizar financiamento climático de longo prazo”, afirmou Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace.
“Avanços”
No entanto, é preciso reconhecer que alguns fatos novos acabaram surgindo na COP 19, apesar de ainda existirem muitas dúvidas sobre seus reais benefícios.
O já mencionado Mecanismo de Varsóvia é um deles. Porém, a ferramenta decepciona não apenas por ser classificada como de adaptação, mas também porque o texto final não traz obrigações para contribuições. (Publicaremos uma reportagem à parte sobre esse assunto em breve).
A Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD) talvez tenha sido o assunto com mais progresso na COP 19. Foram criadas novas formas de financiamento, assim como regras de monitoramento e verificação.
Com relação às metas de redução de emissões, ficou acertado que todos os países deverão apresentar as suas até o primeiro semestre de 2015. Assim, a COP 21, em Paris, contará com essas informações para estabelecer o novo acordo climático global.
Outro ponto positivo foi o aumento da capitalização do Fundo de Adaptação. Países europeus doaram mais US$ 72,5 milhões, e agora a ferramenta conta com US$ 157 milhões que serão destinados para programas e projetos de adaptação climática.
“Tivemos progressos essenciais. Mas precisamos deixar claro que estamos vendo cada vez mais eventos climáticos extremos, e os pobres e vulneráveis estão pagando o preço”, disse Christiana Figueres, secretária-executiva da UNFCCC.
Os representantes dos Estados Unidos e da China concordam que foram feitos progressos, mas não o suficiente.
“O novo texto é, em nosso julgamento, melhor que o antigo. Ainda não resolve todas as questões e poderia ter uma linguagem mais forte, mas é um passo à frente”, disse Todd Stern.
“Existem muitos pontos com os quais não estamos satisfeitos, mas que podemos aceitar. Olhando superficialmente, parece que assuntos como ‘Perdas e Danos’, financiamento e o caminho para o acordo de 2015 estão resolvidos, mas na verdade não estão. No fim, todos os países em desenvolvimento saíram desapontados”, declarou Xie Zhenhua.
A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) lembrou que a COP 19 começou sob a pressão do super tufão Haiyan, que assolou as Filipinas, e que nem assim conseguiu avançar de forma significativa.
“A ciência, as tempestades e o sofrimento estão gritando por ações urgentes. Apesar de ser tarde para as comunidades devastadas nas Filipinas, podemos evitar que essas tragédias aconteçam no futuro se agirmos agora”, afirmou Marlene Moses, embaixadora da AOSIS.
No fim, a COP 19 se destaca na história das conferências do clima como sendo aquela em que a vontade política mais ficou distante das evidências científicas e dos apelos das nações mais vulneráveis.
“Poucos países podem deixar Varsóvia de cabeça erguida. Testemunhamos uma corrida para o fundo do poço nessa negociação e são os pobres do planeta que perderam mais”, concluiu Winnie Byanyima, diretor da Oxfam.
Veja aqui os documentos finais da COP 19
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)
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