pescador Pescadores artesanais não querem barcos da UE
O pescador artesanal Lallmamode Mohamedally aponta para um barco pesqueiro que descarrega sua captura. Foto: Nasseem Ackbarally/IPS

Port Louis, Mauricio, 14/8/2012 – “Olhe ali, o azul, este é um pesqueiro da União Europeia que ameaça nosso sustento”, disse Lallmamode Mohamedally, pescador de Mauricio, apontando um barco que descarregava sua captura no porto Les Salines, perto desta capital. Mohamedally é um dos pescadores que regressaram, após um árduo dia de trabalho, com o barco quase vazio. A contaminação e a atividade turística nos últimos anos reduziram a captura para eles.
Mas os pescadores locais afirmam que o acordo assinado em fevereiro entre União Europeia (UE) e este país insular do Oceano Índico piorou a situação. O tratado permite que, por três anos, pesqueiros europeus levem 5,5 mil toneladas de peixes anuais ao custo de US$ 740 mil. Os 3,5 mil pescadores locais, que agora competem com pesqueiros industriais modernos, denunciam que sua captura caiu entre 50% e 60%, mas não há dados oficiais que o confirmem. Os pescadores de Les Salines acreditam que os 86 barcos de empresas da UE que estão na área roubam seu sustento.
“Essas grandes embarcações percorrem o mar ao redor de Mauricio e levem os peixes”, lamentou Mohamedally. A maioria dos pescadores quer que os barcos da UE se retirem. Contudo, Mohamedally afirma que não se importaria se operassem em águas de Mauricio, “mas pescando como os demais, como os taiwaneses e japoneses. Apenas barcos com espinhéis, por favor, não os de redes de arrastão. Esses barcos capturam todo tipo de peixe, pequenos e grandes igualmente”, denunciou.
A pesca com espinhel é uma técnica comercial que usa centenas ou mesmo milhares de anzóis. É considerada a pesca mais seletiva, pois a espécie capturada depende do tipo de gancho e da isca escolhida. Este aparelho é usado para peixe-espada, atum e bacalhau negro. As autoridades de Mauricio consideram que esta é a única forma de explorar sua vasta zona econômica exclusiva (ZEE) de 2,3 milhões de quilômetros quadrados.
As companhias pesqueiras locais são pequenas e não têm capacidade para pescar em grande escala. A 5,5 mil toneladas, que Mauricio permitiu que barcos europeus capturassem, estão em acentuado contraste com as poucas que os 34 pescadores de Les Salines conseguem por ano. A pesca representa apenas 1% do produto interno bruto de Mauricio, e a produção local é de 5,1 mil toneladas anuais.
Mohamedally recordou que antes eram abundantes os peixes a três ou quatro milhas náuticas da costa. Agora, os pescadores vão mar adentro e voltam com o barco vazio. “O que acontecerá dentro de cinco anos com nosso trabalho?”, perguntou furioso. “É uma miséria. Se os pescadores locais tivessem a capacidade de entrar tanto no mar, poderiam ganhar cerca de US$ 18 milhões pelas 5,5 mil toneladas que a UE extrai”, disse à IPS.
No entanto, o ministro da Pesca, Nicolas Von-Mally, afirma que Mauricio precisa de ajuda para explorar a ZEE. “Não temos barcos pesqueiros. Se dependêssemos da pesca local, os peixes morreriam de velhos”, afirmou. As fábricas de conservas da ilha processam o atum capturado pelos barcos da UE, que é vendido principalmente no mercado europeu, detalhou o ministro. O atum é um peixe migratório, se não o capturamos na ZEE de Mauricio, vai para as ilhas vizinhas de Seychelles e Maldivas. “Perderemos dinheiro”, acrescentou.
O dono da pequena empresa local Taher Seafoods, Bahim Khan Taher, disse à IPS que gostaria de explorar os recursos pesqueiros de Mauricio, mas para isso precisa de equipamentos e barcos modernos e incentivos para operar na ZEE. “Com ajuda do governo, em termos de incentivos fiscais, poderíamos pescar ali. Isto estimularia nossas exportações de recursos marinhos”, afirmou. No entanto, aos ambientalistas preocupa que a sobrepesca esgote as reservas de atum do Oceano Índico.
“Os barcos da UE estão aqui porque as reservas de outros oceanos se esgotaram”, advertiu à IPS o oceanógrafo e engenheiro ambiental Vassen Kauppaymoothoo. “Houve sobrepesca em Portugal, França e Espanha. O único oceano onde ainda restam peixes é o Índico”, acrescentou, ressaltando que extrair 5,5 mil toneladas é sobrepesca e esgotará os recursos. O fato de Mauricio não ter capacidade para explorar sua ZEE não significa que deve permitir que estrangeiros o façam, observou o oceanógrafo. Marrocos decidiu fechar a sua para preservar as reservas para a população local, afirmou.
Por sua vez, o chefe da delegação da UE em Port Louis, Alessandro Mariani, disse à IPS que os barcos europeus ajudam a gerar emprego, não a reduzi-lo. “Em Mauricio, 5,5 mil postos de trabalho se beneficiam do atum desembarcado pelos barcos da UE”, afirmou. Segundo ele, não há competição entre os barcos da UE e os pescadores locais porque operam bem longe uns dos outros. Os primeiros ficam a 15 milhas náuticas da costa, enquanto os segundos o fazem a três. “Além disso, pescamos espécies diferentes”, pontuou. Mariani destacou que a UE é muito sensível quanto às reservas de atum no Oceano Índico.
“Nossa pesca se guia por pesquisas científicas. O comitê científico da Comissão do Atum do Oceano Índico afirmou, em outubro de 2011, que não há sobrepesca na região”, indicou Mariani. “Queremos que sempre haja peixes no mar para as futuras gerações”, destacou Von-Mally. Ambos negaram que houve pressões da UE sobre o governo de Mauricio para a assinatura do acordo “Não é verdade. Mauricio e a UE são sócios e sempre discutimos coisas de interesse para as duas partes”, ressaltou o ministro.

**************************

FONTE : Envolverde/IPS