Em 2009, a Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para debater e propor mudanças ao Código Florestal. O Código de 1965 havia sofrido mudanças em 1986, 1989 e 2001. Por motivos muito diferentes, um conjunto de produtores rurais encontrava-se na ilegalidade e pressionava por mudanças na lei que propiciasse segurança jurídica.
O Brasil é país muito diverso, com pelo menos seis biomas bastante caracterizados: floresta amazônica, cerrado, pantanal, mata atlântica, caatinga e pampas. O processo histórico de ocupação se deu de forma diversa com ocupações muito antigas no Nordeste, Sudeste e Sul e, mais recentemente, no Centro-Oeste e na Amazônia.
A falta de recursos tecnológicos e a pouca consciência ambiental fizeram que grande parte das ocupações se desse na beira dos rios, comprometendo, muitas vezes, as matas ciliares. Ali estavam as terras mais férteis. Além disso, a proximidade da água facilitava o acesso para o uso doméstico e para matar a sede dos animais, o que levou a ocupações que comprometeram boa parte das áreas de preservação permanente dos rios.
Por seu lado, alguns produtores, já conhecendo as restrições impostas pela lei, desmatavam as áreas de preservação permanente e reservas legais para uso econômico, apostando na pequena capacidade de fiscalização e controle dos órgãos do Estado. Foi nesse ambiente que se iniciou a discussão do Código Florestal.
Alguns defendiam a consolidação total das áreas já desmatadas, o que levou a opinião pública a taxar as propostas como anistia a quem desmatou. Outros defendiam a recuperação total das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e reservas legais. Outro grupo, no qual me incluo, defendeu posição intermediária, graduando a obrigatoriedade da recomposição em função do tamanho das propriedades. A discussão se dava pelo grau de obrigação da recomposição de áreas desmatadas irregularmente.
Nesse sentido, o Senado aprovou um texto equilibrado, que foi desfigurado na Câmara do Deputados, o que levou a presidente Dilma Rousseff a vetar vários artigos e editar uma medida provisória, preenchendo as lacunas com critérios de recomposição.
Com a passagem da Rio+20, houve desmobilização da opinião pública, o que levou setores ruralistas a propor medidas que, se aprovadas, vão ampliar muitíssimo o desmatamento no cerrado amazônico e nas APPs dos rios intermitentes, significando verdadeiro tiro no coração da sustentabilidade da agricultura.
Os rios intermitentes, temporários em função das condições climáticas, são importantíssimos para as regiões onde correm. Alimentam rios permanentes e, por suas fragilidades, precisam de cuidado redobrado. A retirada das matas ciliares desses rios será a condenação à morte, causando imensos prejuízos às pessoas, aos animais e à agricultura.
Já o cerrado pede socorro por causa da inclusão no texto do projeto de lei de conversão da medida provisória de um parágrafo que, na prática, diz que toda propriedade de cerrado na Amazônia Legal que tiver mais de 15% de APP poderá desmatar o que exceder esse percentual.
O cerrado é bioma ameaçado. Mais da metade da sua área foi desmatada. Possui uma das maiores biodiversidades do planeta, com 12 mil espécies de plantas já conhecidas, sendo 4,4 mil endêmicas ou seja, só existem nesse bioma e estão adaptadas há milhões de anos a grandes períodos de estiagem e variações de temperatura. De acordo com o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa, essas características fazem do cerrado o maior laboratório de genes do mundo. É nos genes dessas plantas que poderá estar a sustentabilidade da agricultura do Centro-Oeste, num cenário de aquecimento global.
O cerrado também pode ser considerado a caixa d’água do Brasil. O bioma é responsável por 70% das águas das bacias do Paraná, do Tocantins e do São Francisco. Destruí-lo é destruir nossas águas. Estamos numa encruzilhada. De um lado, alguns defendem um caminho do lucro imediato, do pensamento a curto prazo. De outro, a opção que oferece às próximas gerações a oportunidade de compartilhar e usufruir dos bens que a natureza oferece.
Ainda há tempo. A sociedade precisa acordar. O governo precisa agir. O Congresso Nacional precisa resgatar o bom-senso. O Código Florestal é, por natureza, uma lei intergeracional. Ao votá-lo, temos de ter os olhos voltados para o presente e para o futuro, para o homem e para a humanidade.
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FONTE : Rodrigo Rollemberg é Senador (PSB-DF), preside a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo ClippingMP.
EcoDebate, 17/08/2012
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