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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Metas demográficas e o Cairo + 20, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


população mundial

[EcoDebate] Existe um tabu em relação à idéia de metas demográficas. Este tabu é justificável, pois regimes autoritários já colocaram em prática metas de crescimento ou controle da população, com efeitos desastrosos. Ao longo da história, o genocídio sempre foi utilizado como uma arma de guerra. O caso mais dramático do uso da manipulação demográfica e de prática eugênicas ocorreu no Nazismo, quando Hitler incentivava o crescimento demográfico das raças arianas e promovia o controle ou a eliminação de raças indesejadas (vide o Holocausto e a solução final contra os judeus). Em termos de controle da população, um dos casos mais draconianos é o que ocorre atualmente, pois a China tem uma política de filho único que tem gerado grandes violações aos direitos reprodutivos e provocado o fetocídio feminino e o femicídio de crianças. Como resultado prático, a China possui grande desequilíbrio na razão de sexo da população e um grande déficit de mulheres.
Mas ao longo da história, os casos mais frequentes são aqueles de manipulação pró-natalista em favor da grandeza populacional e econômica das nações. O mais consolidado lema dos dirigentes da América Latina sempre foi “governar é povoar”. Capitalistas, militares e religiosos sempre foram a favor de uma população grande com oferta ilimitada de mão-de-obra e jovens para servir de bucha de canhão nas guerras “patrióticas”. Praticamente todos os hinos nacionais falam em “morrer pela pátria” e defendem os territórios conquistados. O controle de um grande mercado interno é o sonho de todos capitalistas, militares e nacionalistas.
Durante a maior parte da história, a humanidade deu prioridade ao crescimento populacional. Isto acontecia porque as taxas de mortalidade eram altas e as sociedades se organizavam para que as mulheres casassem cedo e tivessem muitos filhos, durante o período reprodutivo que era abreviado pelas altas taxas de mortalidade materna e pela baixa esperança de vida.
Porém, tudo mudou com a transição demográfica, que começou com a queda nas taxas brutas de mortalidade e pelo grande aumento da esperança de vida. Como existe um hiato entre a queda da mortalidade e da natalidade, sempre ocorre um período de aceleração da população.
Mas as taxas de fecundidade do mundo começaram a cair e passaram de 5 filhos por mulher em 1950 para 2,5 filhos por mulher em 2010. Metade da população mundial já está com taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. E o mais importante foi que isto aconteceu, em geral, em um quadro de liberdade e de auto-determinação reprodutiva, respeitando-se os direitos reprodutivos. De regra, quanto maior é o grau de cidadania de um país, menor são as taxas de fecundidade.
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em setembro de 1994, na cidade do Cairo, no Egito, aprovou o Plano de Ação (PoA) – valido por 20 anos – que se tornou uma referência fundamental para as políticas de população e para os direitos sexuais e reprodutivos em todo o mundo. Os parágrafos 3.14 e 3.15 colocam claramente que a queda da fecundidade é fundamental para garantir a erradicação da pobreza, para o aumento da qualidade de vida e para a proteção do meio ambiente; colocando também a necessidade de estabilização da população:
3.14 Estão se fortalecendo mutuamente os esforços para diminuir o crescimento demográfico, para reduzir a pobreza, para alcançar o progresso econômico, melhorar a proteção ambiental e reduzir sistemas insustentáveis de consumo e de produção. Em muitos países, o crescimento mais lento da população exigiu mais tempo para se ajustar a futuros aumentos demográficos. Isso aumentou a capacidade desses países de atacar a pobreza, proteger e recuperar o meio ambiente e lançar a base de um futuro desenvolvimento sustentável. A simples diferença de uma única década na transição para níveis de estabilização da fecundidade pode ter considerável impacto positivo na qualidade de vida. 3.15 O crescimento econômico sustentado é essencial, no conceito de desenvolvimento sustentável, para a erradicação da pobreza. A erradicação da pobreza contribuirá para reduzir a velocidade do crescimento demográfico e para se chegar de imediato, a uma estabilização da população”.
Mas a despeito desta meta demográfica, a população mundial que era de 5,6 bilhões de habitantes, em 1994, deve chegar a 7,2 bilhões em 2014. Portanto, segundo a divisão de população da ONU, em 20 anos, a população mundial terá crescido 1,6 bilhões de habitantes. Isto é mais do que todo o crescimento da história da humanidade até o ano de 1900. Evidentemente, é impossível manter este crescimento exponencial em um Planeta finito. Esta é uma questão que o processo de revisão da CIPD do Cairo + 20 não pode ignorar.
As taxas de fecundidade no mundo cairam pela metade entre 1950 e 2010. Se a parcela minoritária de países que estão com fecundidade muito elevada promoverem a redução da fecundidade para o nível de reposição (2,1 filhos por mulher), então a estabilização da população mundial poderá ocorrer antes de 2050. O crescimento populacional até 8 bilhões de habitantes já está encomendado, devido à inércia demográfica. Mas a estabilização pode vir antes dos 9 bilhões de habitantes, se o tamanho médio das famílias ficar em torno de 2 filhos. Em 1990-95 a taxa de fecundidade do mundo era de 3,1 filhos por mulher e deve ficar em 2,45 no quinquênio 2010-15. Portanto, falta pouco para se chegar ao nível de reposição.
A auto-limitação da população humana representa uma mudança da prioridade do crescimento quantitativo para a prioridade no crescimento da qualidade de vida. Trata-se de fazer a opção da prosperidade sem crescimento, ou seja, ao invés de ter muitos filhos, os casais trocam a quantidade de filhos pela qualidade dos filhos. Do ponto de vista microeconômico, famílias menores possibilitam filhos com maiores níves de educação, mulheres com maior inserção produtiva na vida pública e maior mobilizadade social ascendente. Do ponto de vista macroeconômico, a queda da fecundidade cria um bônus demográfico que possibilita maiores investimentos na qualidade de vida e na proteção social.
A estabilização da população é considerada fundamental para a estabilização da economia mundial. Se a população mundial se estabilizasse, por exemplo, em torno de 9 bilhões de habitantes durante o terceiro milênio, então o foco passaria ser no modelo de produção e consumo para tornar possível a sustentabilidade desta população, em harmonia com a natureza e as outras espécies do Planeta.
O crescimento das atividades antrópicas tem provocado uma grande degradação do meio ambiente. Além da poluição dos rios, lagos, oceanos e do solo, milhares de espécies são extintas todos os anos. Estabilizar a população e o consumo humano é fundamental para salvar o meio ambiente e possibilitar a recurperação dos ambientes degradados. A legislação internacional tornou o genocídio um crime contra a humanidade. Agora falta tornar o ecocídio um crime contra a natureza e o Planeta. Portanto, a estabilização da população mundial e a defesa do meio ambiente são metas que a humanidade precisa abraçar, de forma democrática, livre e com respeito aos direitos humanos, em nome da qualidade de vida não só da humanidade, mas de todos os seres vivos da biodiversidade da Terra.

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FONTE : José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 29/08/2012

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