Port Blair, Índia, 21/8/2012 – Ajay Kallu, de 22 anos, procedente da aldeia de Bakultala, nas Ilhas Andaman do Norte, na Índia, foi devorado por um crocodilo de estuário quando entrou até a cintura em um riacho para poder pescar. O ataque aconteceu na manhã do dia 11, e foi o quinto de consequências fatais protagonizado por um crocodilo em 28 meses neste arquipélago onde confluem a Baía de Bengala e o Mar de Andaman.
“Ao receber a informação deste incidente, os funcionários florestais se dirigiram ao local por estrada. As regulamentações do tráfego de veículos na Reserva Jarawa atrasaram nossa chegada em nove horas. Já estava escuro e era muito tarde para os trabalhos de busca e resgate. Colocamos armadilhas para capturar o crocodilo e levá-lo para outro lugar”, relatou Shashikumar, funcionário de biodiversidade, à IPS.
No primeiro incidente registrado nesta última série de ataques, um turista norte-americano foi morto por um crocodilo de água salgada em abril de 2010. “É impossível dizer o motivo: alguns especialistas acreditam que pode ter sido um crocodilo migratório que atacou um mergulhador. Foi uma coincidência muito infeliz, porque foi a primeira vez na história, e o único incidente até agora registrado fora o do riacho, em mar aberto”, detalhou à IPS Samit Sawhney, que no momento da matança estava encarregado dos Barefoot Resorts na Ilha Havelock, uma das Andaman.
O espaço cada vez mais reduzido nas ilhas Andaman e Nicobar, causado em boa parte pela expansão dos assentamentos humanos, levou a um aumento dos conflitos entre seres humanos e animais. Os conservacionistas temem que um aumento das mortes possa levar a sacrificar animais que circulam livremente. A população deste arquipélago aumentou de 356 mil habitantes, em 2001, para 379.944, no ano passado.
“Cerca de 70 anos de expansão dos assentamentos humanos causaram uma invasão generalizada do habitat dos crocodilos”, explicou à IPS o pesquisador Manish Chandi, da Equipe de Meio Ambiente de Andaman e Nicobar em Port Blair. “Habitat de nidificação, correntes de água doce e riachos que desembocam no mar agora são paisagens dominadas pelos arrozais”, afirmou. Segundo o pesquisador, “um movimento maior de embarcações, a invasão da pesca intensiva no habitat dos crocodilos, e a destruição de litorais, mangues e pântanos” também atingem superfícies onde vivem os crocodilos de água salgada ou de estuário das ilhas.
A eliminação irresponsável de resíduos hoteleiros, fertilizantes, alimento para frangos, restos de carne, esgoto doméstico e efluentes derivados do turismo, desmatamento, processamento de mariscos e indústrias de celulose nos riachos, converteram os crocodilos em carniceiros e predadores de outros carniceiros menores, como cães e chacais. Gradualmente, os crocodilos perderam o medo dos seres humanos. Mohan Halder, chefe do conselho de desenvolvimento da aldeia de Tushnabad, a 25 quilômetros de Port Blair, disse à IPS que agora estes animais “se atrevem a entrar em terra seca, e sabemos que todos os que desapareceram enquanto pescavam foram mortos por crocodilos”.
Os jarawas, indígenas que habitam as ilhas e são vítimas de crocodilos agressivos enquanto praticam a descida de águas rápidas ou quando andam pelo riacho mas sobreviveram para contar, só confirmam as suspeitas de Halder. Sanjeev Mondal, da aldeia de Ograbraj, em Ferrarganj, a 30 quilômetros de Port Blair, concorda que “a cruel eliminação de dejetos e os matadouros ilegais são um problema” ali.
“Mas em Manpur, onde não há matadouros, uma mulher que levava sua manada através do riacho, rumo à sua casa, também foi morta por um crocodilo”, contou Mondal à IPS. Ele culpa por estes incidentes o Departamento Florestal, que, afirma, não tomou precauções para colocar redes “em riachos infestados de crocodilos para impedir que estes entrassem em assentamentos humanos”. Mas, isto é mais fácil de falar do que de fazer. Segundo Chandi, “manter cercas para afastar os crocodilos da área da aldeia pode não ser totalmente viável, devido à necessidade de as embarcações navegarem pelos rios”.
Sapan, um agricultor da aldeia de Collinpur, em Ferrarganj, expôs as consequências deste novo fenômeno, que perturba os tradicionais padrões de vida de humanos e animais. “O aumento da quantidade de crocodilos se deve ao fato de o Departamento Florestal recolocar quantidades excessivas desses animais nesses cursos de água para manejo da natureza”. “Se for necessário, o Departamento deve matar estes crocodilos”, afirmou, indignado. “Recolocar crocodilos problemáticos no santuário de Loha Barack, nas Andaman do Sul, é uma possibilidade”, mas ocorre que no santuário também existe um problema de capacidade, pontuou Shashikumar à IPS.
O último ataque em Bakultala incentivou o parlamentar Bishnupada Ray a “identificar e matar o crocodilo assassino, além de mudar todo o habitat dos crocodilos do estuário”. Por não se tratar de um evento sísmico de dimensões semelhantes ao maremoto de 2004 em Sumatra, que poderia mudar por completo a paisagem, esta é uma tarefa impossível. As comunidades das ilhas Andaman e Nicobar desenvolveram uma alta tolerância para os crocodilos, com os quais convivem há um século, observou Chandi. As manchetes dos jornais motivadas pelas declarações do parlamentar “poderiam mudar o modo como as pessoas veem estes animais”, acrescentou.
Os ataques foram registrados em várias localidades. Os crocodilos de estuário também são protegidos pela Lei de Proteção da Natureza como “animais em risco crítico”, o que significa que matá-los implica correr o risco de ir para a prisão e receber uma multa.
A invasão humana não só asfixiou os habitat dos animais como também prejudicou severamente o delicado equilíbrio que até então havia determinado a coexistência pacífica entre as pessoas e a natureza. Esta relação está cada vez mais determinada pela violência. Contudo, os especialistas alertam que os seres humanos devem se abster de incorrer em represálias, já que os animais são guiados pelo instinto e não pela razão. “Se um crocodilo não pode viver em paz em um riacho, para onde deve ir?”, perguntou Zubair Ahmed, editor do jornal local Light of Andamans, em Port Blair.
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FONTE : Envolverde/IPS
* Malini Shankar é um repórter fotográfico especializado em biodiversidade, além de comunicador de rádio e cineasta, radicado em Bangalore, Índia.
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