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A chegada da população mundial a sete bilhões de pessoas, em outubro deste ano, soou como um alerta de superlotação e de ameaça de um colapso global. Mas a estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) também suscita outras leituras, que vão além da iminência de um desastre, e chamam atenção para as desigualdades que se colocam num mundo onde nascem cerca de 80 milhões de crianças por ano e que deve alcançar 9,3 bilhões de habitantes em 2050. Trata-se de um mundo de paradoxos, no qual é preciso elevar o padrão de vida de uns e baixar o ritmo de consumo de outros; acolher uma nova geração de jovens e amparar um contingente crescente de idosos; e produzir mais, utilizando menos recursos. Um mundo que, em seis décadas, aumentou em 20 anos a expectativa de vida e reduziu a mortalidade infantil de 133 para 46 óbitos por mil nascimentos, mas que ainda tem que superar inúmeros desafios para acomodar de uma maneira satisfatória sua população cada vez maior.
Um abismo de desigualdades
O crescimento populacional não ocorre de forma homogênea nas diversas regiões do mundo, sobretudo em função das diferenças nos índices de desenvolvimento locais. Segundo o “Relatório sobre a situação da população mundial 2011″, preparado pela ONU, nos países ricos, a taxa de fecundidade média é de 1,7 filhos por mulher, abaixo da taxa de reposição considerada ideal, de 2,1. Em alguns lugares, como na Europa, a queda da população é tão alarmante que há políticas públicas específicas para incentivar a natalidade. Enquanto isso, nos países menos desenvolvidos, as taxas de nascimento permanecem altas, embora tenham caído significativamente nas últimas décadas, chegando a cerca de 4,2. A situação é mais grave na África Subsaariana, onde a média é de 4,8 filhos por mulher, e a miséria revela-se tanto causa como consequência do aumento populacional.
O professor do Departamento de Demografia e pesquisador do Núcleo de Estudos Populacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Marcos Cunha, destaca que tais dados devem ser interpretados com cuidado, para não se correr o risco de culpar a superpopulação de pobres pelos impasses decorrentes do crescimento populacional. “O problema não é que os pobres são muitos. O problema é que eles têm pouco. No caso da África, região esquecida pelo resto do mundo, a pobreza é estrutural e apenas se agrava diante do aumento da população. Lá, as pessoas carecem dos recursos mais básicos, como alimento e água, e não têm acesso a serviços de saúde e de educação qualificados, bem como a informações sobre planejamento familiar e à cidadania”, ressalta.
Cunha faz referência às profundas desigualdades sociais entre países ricos e pobres, que determinam diferenças não somente no ritmo do crescimento populacional e na capacidade de acomodar dignamente mais pessoas, mas igualmente no impacto causado sobre o meio ambiente. De acordo com a organização não governamental (ONG) norte-americana Rede da Pegada Ecológica Global, o planeta precisa de um ano e meio para repor os recursos que a população mundial consome atualmente em um ano. A responsabilidade por essa “pegada”, contudo, não recai sobre a grande quantidade de pobres e sim sobre uma pequena quantidade de ricos, por seu consumo excessivo: em 2007, metade de tudo que foi consumido no mundo coube a dez países, entre eles os Estados Unidos, que abocanharam 21% da biocapacidade da Terra.
O relatório da ONU informa que “sustentar a vida do americano médio toma 9,5 hectares do espaço da Terra, comparado com os 2,7 hectares para a média das pessoas em todo o mundo, e somente cerca de 1 hectare para a média das pessoas na Índia e na maior parte da África”.
A questão que se coloca, assim, é a combinação entre o crescimento populacional, as desigualdades sociais e o modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade. Consoante ao que disse o professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alisson Barbieri, é inegável que mais gente no mundo significa um maior impacto socioambiental. Ocorre que é preciso qualificar esse impacto caso a caso. Na África, por exemplo, região cuja população mais cresce no mundo, as condições de vida são tão precárias que a pressão ambiental em termos de produção de lixo, consumo de energia e dispêndio de recursos é mínima se comparada à pressão provocada por países desenvolvidos.
“Na discussão sobre o crescimento populacional, eu diria que o tamanho da população é secundário, pois, mais importante que a quantidade de pessoas no planeta, é a maneira como as pessoas vivem, e a forma como a sociedade se organiza para produzir e consumir. Assim, a questão primordial é se a população que está sendo agregada vai manter os padrões de consumo típicos das sociedades urbano-industriais”, aponta Barbieri.
A relação entre desigualdade social e sustentabilidade mostra-se particularmente importante quando se tem em vista o cenário das mudanças climáticas. Dados do relatório da ONU indicam que o meio bilhão de pessoas mais ricas do mundo, que corresponde a cerca de 7% da população global, é responsável por aproximadamente 50% das emissões mundiais de carbono.
No entanto, apesar de os maiores emissores estarem entre países ricos ou em grandes economias emergentes, como os Estados Unidos e a China, respectivamente, são os países pobres que mais sofrem os efeitos do aquecimento global, justamente por não contarem com a infraestrutura necessária para criar mecanismos de adaptação e de recuperação diante das crises. A forte seca que acometeu o Chifre da África neste ano deu uma mostra do que se pode esperar nas próximas décadas. No relatório de 2010 do Fórum Econômico Mundial, a previsão é que, em 2030, haja um deficit de 40% entre a demanda e o suprimento disponível de água.
Envelhecimento
Enquanto alguns países afundados em desigualdades sociais enfrentam um quadro de população crescente, numa conjuntura de recursos cada vez mais escassos, outros voltam-se para outro problema: o envelhecimento populacional. Trata-se de uma realidade vivida há algum tempo pelas nações ricas – onde a longevidade é alta, as taxas de fecundidades são baixas e a população jovem está encolhendo -, mas que se apresenta como uma tendência mundial. Hoje, os idosos somam 893 milhões, e estimativas da ONU de 2009 sinalizam que chegarão a 2,4 bilhões até 2050.
Os desafios impostos pelo envelhecimento populacional vão da sustentação econômica, devido ao declínio do número de jovens ingressando no mercado de trabalho, à viabilização dos sistemas previdenciários, passando por ajustes nos programas de saúde e pela oferta de serviços sociais específicos para atender às demandas da Terceira Idade. Contudo, tais desafios não devem ser encarados como um fardo – como adverte a pesquisadora do Laboratório de Estudos Populacionais (Lepop) da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Ana Maria Araújo -, mas como algo a ser comemorado, na medida em que constituem um indício de desenvolvimento social, expresso sobretudo no aumento da expectativa de vida.
Isso vale particularmente para os países em desenvolvimento, onde a população começa a envelhecer e a estrutura de atendimento às necessidades dos idosos – sejam materiais, psicológicas ou sociais – está longe de se concretizar. No Brasil, por exemplo, a proporção de pessoas com 65 anos ou mais subiu de 4,8% para 7,4% entre 1991 e 2010, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todavia, constata Araújo, muito pouco vem sendo feito pelo poder público no sentido de acolher esses idosos e integrá-los à sociedade, seja como consumidores, turistas ou mesmo trabalhadores. “É preciso nos prepararmos melhor em termos de assistência à saúde e de inclusão e seguridade social, além de outros aspectos pouco abordados relativos às condições de moradia, transporte público e circulação nas cidades”, alerta.
A janela demográfica brasileira
Embora caminhe rumo ao envelhecimento, a população brasileira ainda é predominantemente composta por jovens e adultos. Isso porque, no momento, o Brasil atravessa o fenômeno da “janela de oportunidade demográfica” ou “bônus demográfico”, que ocorre quando a estrutura etária populacional está em transição e apresenta um percentual de pessoas na faixa dos 15 a 64 anos maior que o de idosos e de crianças de 0 a 14 anos. Enquanto os países ricos se ocupam com o aumento da demanda por serviços previdenciários e com a redução da oferta de mão de obra, o Brasil dispõe de uma população economicamente ativa (PEA) grande, com potencial para impulsionar o desenvolvimento nacional.
Tirar proveito desse cenário demográfico positivo, no entanto, requer planejamento e esforço, adverte o pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatística do IBGE José Eustáquio Alves : é necessária a elaboração de políticas públicas específicas para os jovens, que se voltem para a criação de empregos e para a qualificação profissional, assegurando, assim, o ingresso da PEA no mercado de trabalho. “De nada adianta ter uma baixa razão de dependência demográfica se as pessoas em idade ativa não tiverem empregos e se estes empregos não forem formalizados, produtivos e ambientalmente sustentáveis. Portanto, são necessárias políticas públicas adequadas para aproveitar esse fenômeno que não traz ganhos automáticos, mas apenas abre possibilidades de avanços se houver os investimentos necessários”, contrapõe Alves.
O pesquisador ressalta, ainda, que o bônus demográfico é um momento passageiro, que apenas acontece uma vez na história de cada país. Por isso, deve ser aproveitado rapidamente e ter por objetivo a redução das desigualdades sociais e a melhoria das condições de vida da população. Caso contrário, afirma, o bônus pode se converter num ônus, cujos sintomas mais visíveis seriam o desemprego e a emergência do que chama de “geração nem-nem”, formada por jovens que nem estudam e nem trabalham e, por isso, ficam mais expostos à marginalização social.
“A janela de oportunidade demográfica possibilitou que o Brasil reduzisse a pobreza em anos recentes. Mesmo assim, o país ainda apresenta altos índices de desigualdade e níveis educacionais sofríveis. Os dirigentes do país precisam ter senso de urgência, pois a janela está se fechando e as condições demográficas vão se tornar menos favoráveis em um futuro próximo”, conclui Alves.
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FONTE : matéria de Flávia Dourado, pré-Univesp – Número 17 – Mundo contemporâneo, publicada pelo EcoDebate, 20/08/2012
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