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quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Ecoeconomia: uma resposta à crise ambiental?
Ecoeconomia: uma resposta à crise ambiental?
Decrescimento ou barbárie!
Crise ecológicaO Brasil está perdendo o bonde da história
O pacote anti-ambiental. A ofensiva dos grupos econômicos
País repete erros em nome do desenvolvimento
Eis a análise.
Ecoeconomia: uma resposta à crise ambiental?
A conjuntura desta semana retoma, como ponto de partida, aquela feita há duas semanas e na qual tratamos a temática da economia e da sustentabilidade. Referenciados no artigo do economista e professor da USP José Eli da Veiga, apontávamos para os limites do atual modo de organização, produção e consumo e para a urgência de desenvolver uma economia que seja capaz de “reconhecer os sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas e rompa com a lógica social do consumismo”, como destacava Eli da Veiga.
A sequência desta análise toma como material para a reflexão aquele sugerido pela revista IHU On-line desta semana e cujo tema de capa é a urgência de uma ecoeconomia. A revista traz as contribuições de Paulo Durval Branco, Serge Latouche, Ladislau Dowbor, Henrique Cortez, entre outros.
As entrevistas da Revista tem o mérito de prosseguir com a discussão sobre os limites do atual modelo de desenvolvimento econômico e a urgência de desenvolver uma economia assentada em outras bases. Um consenso vai se firmando, resumido por Henrique Cortez nos seguintes termos: “Vivemos em um planeta finito e com recursos naturais igualmente finitos. No entanto, o nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo.”
Ao mesmo tempo, a principal limitação do cenário atual consiste nisso: no “fato de estarmos regidos pela lógica dominante da possibilidade de crescimento infinito. Toda a nossa economia, todo nosso modelo mental e, consequentemente, todas as nossas criações no plano social e econômico se baseiam em uma possibilidade que não existe, que é a de o crescimento reger todo o nosso caminhar”, como afirma Paulo Durval Branco.
O conjunto das entrevistas aponta para um elemento não destacado na conjuntura anteriormente citada. Para muitos, mais do que centrar a conversa sobre os modelos macroeconômicos – uma reflexão tida como etérea – trata-se de redirecionar os torpedos para a problemática da distribuição do consumo. Parte-se do pressuposto de que vivemos numa sociedade da abundância, em que não faltam os recursos necessários para a sobrevivência digna de todos os 7,6 bilhões de habitantes que habitam no Planeta.
De fato, não se pode escamotear o grave problema da concentração de renda, riqueza e consumo, agravado pela globalização neoliberal, assinalado também já em conjunturas anteriores do ano passado. Serge Latouche afirma categoricamente para a impossibilidade de “a torta, isto é, o produto interno bruto, continuar a crescer”. Em tal contexto, “a única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a retomada dos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa”. Ou seja, o simples crescimento econômico não é capaz de eliminar a fome e a pobreza em lugar nenhum. Por isso, faz-se necessário continuar a apostar em práticas e políticas capazes de realizar uma redistribuição mais equitativa e justa das riquezas socialmente produzidas. Com justiça, a problemática da distribuição posta-se como um problema ético dos mais graves.
Entretanto, é preciso estar atento a outro aspecto dessa discussão. A distribuição mais eqüitativa – um sonho e um desejo de todos os que estão empenhados em um mundo diferente –, por si só, não elimina o problema de fundo. Nos últimos anos, de maneira sempre mais clara, impôs-se a realidade da insuficiência planetária para dar conta do consumo atualmente existente. A chamada “pegada ecológica”, que mede o “peso” ambiental de nosso modo de vida, está acima da capacidade regenerativa da bioesfera.
Como aponta Ladislau Dowbor, isso se dá porque a natureza e os seres humanos trabalham com lógicas diferentes e irreconciliáveis. Enquanto a natureza funciona em sistema circular, o sistema econômico vigente é linear. “Pegamos recursos naturais, transformando-os em uma indústria, consumimos, e jogamos no lixo sob a forma de plástico. Com isso, estamos acabando com o petróleo no planeta. E não estamos recolocando de volta as bases energéticas utilizadas. O petróleo se acumulou durante centenas de milhões de anos, e nós teremos acabado com ele em 200 anos. A conta que fazemos deste processo é o PIB, o Produto Interno Bruto”, explica Dowbor.
Decrescimento ou barbárie!
Com outras palavras, mesmo distribuído, o consumo é demasiado alto para um único Planeta dar conta. Com isso estamos querendo chamar a atenção para o fato de que há um imperativo de mexer realmente na lógica econômica vigente. Sem isso não há saída. É nesse sentido que, novamente, apontam vários dos entrevistados pela Revista. Latouche prossegue propondo o que ele chama de “decrescimento”, o que não é “crescimento negativo”. O termo esconde uma realidade muito mais complexa do que o termo possa, à primeira vista, oferecer.
“O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos”, insiste Latouche. E prossegue: “O decrescimento só é viável numa ‘sociedade de decrescimento’, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie!”. A sociedade de decrescimento não se confunde com o capitalismo reformado ou esverdeado. “Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento sustentável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor”, cutuca Latouche.
Segundo Dowbor, “temos uma economia que é destrutiva em termos ambientais e é injusta em termos sociais”. Na mesma direção vai Henrique Cortez: “Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia. E não faremos esta revisão sem uma clara compreensão de nossa responsabilidade em termos de cidadania planetária”. E finaliza dizendo que está em questão “o que realmente deve ser entendido como desenvolvimento, como deve ser medido e incentivado”.
Segundo Paulo Durval Branco, a economia ecológica se apresenta como alternativa “porque ela parte de premissas corretas. Uma delas é a impossibilidade do crescimento como um retorno exclusivo do processo econômico. Então, a ecoeconomia supõe o sistema econômico como parte de um sistema maior, que é a biosfera”.
Assim, uma possível leitura desse rico material consiste em perceber que a questão de fundo é a busca de um modo alternativo de economia, capaz de integrar os limites da natureza e a lógica social do consumismo. E isso porque até o chamado “consumo ético” deve ser problematizado, com sugere Henrique Cortez.
De forma enfática e até inusitada, Cortez afirma que “o que hoje se convenciona chamar de consumo ético deve ser encarado como conservador em relação à manutenção do modelo consumista. Assim posso consumir irrestritamente, porque me justifico através do consumo ético. É uma forma de ‘indulgência’ ao ‘pecado’ do consumo. O consumo ético só será transformador se ele questionar o modelo consumista, assumindo sua dimensão coletiva e política em relação ao modelo econômico, às formas de produção e ao sistema político de sustentação. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia”.
Cortez chama a atenção para uma nova compreensão do ato de consumo, de modo geral sempre mais relacionado à liberdade pessoal e menos referenciado econômica e politicamente. “Comumente, associamos o consumo ético a um ato individual de consciência, uma opção pessoal, mas ele também deve ser considerado em suas dimensões econômicas e políticas”. Em outro momento da entrevista, Cortez reforça essa ideia: “O consumo é um ato político e econômico e, neste sentido, deve ser ético, responsável e sustentável. O consumo só é ético se for sustentável e isto só ocorrerá com uma gigantesca redução do consumo global”.
Paralelamente à emergência da problemática ambiental, foi se cristalizando também a ideia da reciclagem, como forma de remediar os impactos ambientais. Produz-se, consome-se, mas se recicla. Dessa maneira, não se questiona ou mesmo se interrompe a lógica subjacente, que é o que Cortez tenta fazer. Por isso, Latouche dirá que o “melhor lixo é aquele não produzido”.
Pelo acento posto no consumidor, joga-se toda a responsabilidade pelo consumo sobre este e não se questiona o resto. Atribui-se, ideologicamente ou não, a responsabilidade ao consumo e não à produção e à lógica produtiva subjacente.
Para iluminar este aspecto vale recuperar uma reflexão feita por Robert Tomás, professor de Economia Aplicada da Universidade Autônoma de Barcelona e reproduzida no Boletim CEPAT Informa n. 101, de setembro de 2003, p. 5-7. Em artigo intitulado ‘A cultura do desperdício’, o professor adianta que o problema do desperdício em se apresenta sob as vertentes econômica e ecológica. Mas o mais relevante da sua reflexão, no âmbito desta análise, consiste na falácia de que o problema ecológico seria solucionado pela eficiência técnica e pela ênfase na conduta responsável do consumidor.
Sobre a ênfase na conduta do consumidor, escreve: “Supõe-se que é preciso procurar que os consumidores estejam conscientes da irracionalidade de seu modo de vida e adotem uma conduta presidida pela austeridade, pela eficiência e pela consciência cívica e ecológica. Assim, é preciso convencer os cidadãos” para que reorientem seu consumo (…) “Da pressão do consumidor se há de derivar que as empresas compitam entre si para oferecer os melhores produtos do ponto de vista da eficiência energética e do impacto ambiental. Assim, de forma paulatina, se irá eliminando o esbanjamento e a sociedade se fará mais racional, austera e eficiente”.
Mas, o verdadeiro problema deste tipo de argumentação, alerta Robert Tomás, está na “assunção ilusória da capacidade do consumidor para determinar as decisões produtivas das empresas. Basta fixar-se nos poderosos condicionantes a que está submetido o consumo para dar-se conta do irreal desta proposta. É preciso dar um passo a mais e examinar o significado do consumo no contexto das pautas culturais de nossa modernidade”.
Crise ecológica. O Brasil está perdendo o bonde da história
“Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras”. Dessa forma, o ambientalista Lester Brown define o conceito de sustentabilidade tão em voga nos últimos tempos. Nesse contexto, e tomando como referência o debate exposto anteriormente, o caso brasileiro se manifesta como uma tragédia anunciada.
O Brasil não apenas está preso ao mantra do crescimento econômico, como vem optando por um crescimento predatório que inevitavelmente comprometerá a vida das gerações futuras. A cegueira, a cobiça e a avidez dos interesses econômicos estão comprometendo aquilo que é o diferencial para a qualidade da bios planetária: a biodiversidade.
O Brasil vem sistematicamente arrasando os seus biomas – amazônia, cerrado, caatinga, pantanal, mata atlântica, pampa – em nome do crescimento econômico. O país está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, ancorada, sobretudo na crise climática.
“Hoje, estamos num sistema em decadência e, novamente, não se tem uma visão estratégica de futuro, com sustentabilidade”, lamenta a ex-ministra Marina Silva, comentando as entrevistas do presidente Lula e do ex-presidente Fernando Henrique a uma revista semanal sobre as perspectivas do Brasil para 2020. Segundo a ex-ministra, os dois não falaram nada do meio ambiente. “Não reconhecem no Brasil, mais do que em qualquer outro país, o território propício ao surgimento de um modelo de desenvolvimento capaz de fazer a fusão concreta da justiça social sempre procurada, da dinâmica econômica e da dinâmica ambiental”, afirma a ex-ministra.
Definitivamente nunca a humanidade se deparou de forma tão real com o risco de extinção da espécie humana, porém, ao mesmo tempo, e apesar dos sinais evidentes e reiterados, não há interrupção na lógica predatória de exploração dos recursos naturais. Ao contrário, a sensação que se tem é que diante de recursos ameaçados aumenta a ambição desmedida.
O pacote anti-ambiental. A ofensiva dos grupos econômicos
O caso brasileiro é emblemático. Assiste-se a uma ofensiva sem precedentes de grandes grupos econômicos, capitaneados pelo agronegócio, sobre os recursos naturais. “Seja por intermédio de suas bancadas na Câmara e no Senado ou através de suas entidades de classe, os setores ligados ao agronegócio e às obras de infra-estrutura estão mobilizados de Norte a Sul para reverter pontos da legislação ambiental por eles considerados como um entrave ao desenvolvimento produtivo do país”, afirma Maurício Thuswohl.
Segundo ele, os ruralistas iniciaram a maior ofensiva contra leis ambientais jamais vista na história brasileira. “Ao que tudo indica, diz Maurício Thuswohl, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistados pelo Brasil em sua política ambiental”.
Algo semelhante, afirma a senadora Marina Silva: “A atual temporada de caça à proteção ambiental não arrefece”, constata a ex-ministra acerca do lobby permanente, incessante e vigoroso dos ruralistas para o desmanche da legislação ambiental que obstaculiza os seus interesses exploratórios.
Marcio Santilli do Instituto Sócio Ambiental (ISA), enxerga um verdadeiro complô contra a legislação ambiental. Segundo ele, “os ruralistas querem se livrar da reserva legal, que exige a manutenção de cobertura florestal em parte das propriedades rurais; empreiteiras querem fragilizar o licenciamento de obras e pagar o mínimo como compensação ambiental; grileiros querem legalizar a ocupação privada de terras públicas; e todos eles fizeram um pacto sinistro, para reunir os votos de parlamentares que lhes devem favores em torno de uma agenda negativa comum”.
Nunca tantos projetos que afetam o ambiente tramitaram no Congresso brasileiro como agora. No pacotão anti-ambiental, que Santilli classifica de pacto sinistro, encontram-se, entre outras, as seguintes iniciativas: Medida Provisória 452; Medida Provisório 458 – conhecida também como MP da Grilagem; alteração do Código Floresta; asfaltamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
Para Nilo D`Ávila, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, iniciativas como a MP 452, a MP 458 e as propostas de alteração no Código Florestal vão na contramão das metas de redução de desmatamentos assumidas internacionalmente pelo governo brasileiro no Plano Nacional de Mudanças Climáticas: “o governo tem um discurso mais verde para uso externo e outro, bem mais sombrio, para ser usado dentro do país”.
Todas as iniciativas têm em comum o ataque às poucas conquistas ambientais inscritas na constituição brasileira. A MP 452, acabava com a necessidade de licenciamento ambiental para intervenções de reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais, inclusive as que cortam a Amazônia. A MP chegou a ser aprovada na Câmara, mas foi obstruída no Senado por falta de quorum. A iniciativa, um projeto de lei de José Guimarães (PT-CE), passou na Câmara graças ao apoio da base governista.
Por outro lado, a MP 458, aprovada na Câmara, permite legalizar milhares de posses de terras públicas com até 1.500 hectares (15 km2) nos Estados amazônicos. Com os adendos, chancela o festival de grilagem na região e abre portas para mais concentração agrária. Segundo a ex-ministra Marina Silva, a MP coloca a Amazônia em risco: “É a consagração da política nefasta do fato consumado. Avança-se sobre áreas públicas na certeza de que mais dia menos dia tudo será legalizado. É um convite a surtos futuros de grilagem, na expectativa de mais uma regularização que, como essa, beneficiará os grandes em nome dos pequenos e da questão social”, diz ela.
Para o especialista em ocupação humana e conflitos agrários na Amazônia e professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a MP 458 só serve aos interesses de grileiros e funcionários do Incra. Os ambientalistas acusam o senador José Sarney de ter indicado a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), da tropa de choque ruralista, como relatora da Medida Provisória 458 no Senado. Segundo os ambientalistas a decisão equivale a raposa tomar conta do galinheiro.
Na esteira de ataque à legislação ambiental, encontra-se ainda a guerra contra o Código Florestal. A bancada ruralista protesta contra a exigência de cumprimento do Código Florestal e quer alterá-lo por considerá-lo rigoroso. Henrique Cortez, coordenador do EcoDebate, lembra que a aprovação do código é de 1965. Segundo ele, “em 1965 a expansão da fronteira agropecuária praticamente não atingia o Cerrado e a Amazônia. De 1965 para cá quem desmatou além do permitido sabia que estava desmatando ilegalmente e o fez deliberadamente. Não é uma vítima inocente de uma lei injusta aprovada ‘ontem’”, afirma. O ambientalista comenta que “a Constituição brasileira ou de qualquer lugar do mundo não garante direitos adquiridos pela ilegalidade. A ninguém é facultado o direito de cumprir ou não a lei. Ilegalidade não se relativiza”.
Os ataques, e desrespeito sistemático à legislação ambiental, estão por detrás da lenta, mas vigorosa destruição da biodiversidade brasileira. Quatro décadas é o tempo que resta de vida para a Mata Atlântica — a floresta que, em 1500, recobria todo o litoral brasileiro e da qual, hoje, restam 7,9% — se o atual ritmo de destruição for mantido. É o que revela o estudo realizado pelo Atlas dos Remanescentes Florestais divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Estudo mostra que, a despeito de campanhas e alertas, o desmatamento persiste inabalável, no ritmo de 34 mil hectares ao ano desde 2000. Nessa velocidade, a floresta tem data para acabar: 2050.
Ainda mais grave. O Greenpeace acusou o governo brasileiro de financiar e lucrar com o desmatamento da Amazônia. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), segundo a Ong ambientalista é sócio de empresas frigoríficas que têm como fornecedores fazendas que derrubaram floresta recentemente. Entre 2007 e 2009, as cinco maiores empresas do setor, responsáveis por mais da metade das exportações brasileiras de carne, receberam US$ 2,6 bilhões do BNDES em troca de ações, aponta o Greenpeace em relatório divulgado, no qual investiga a cadeia de custódia da carne amazônica.
Acerca da Amazônia, a ativista ambiental indiana Vandana Shiva em entrevista ao jornal La Repubblica, com tradução postada no sítio do IHU, afirma que “a Amazônia não é só uma floresta. Não é só do Brasil. É, antes de tudo, o maior depósito de biodiversidade do mundo, a contribuição mais importante para a estabilidade climática e hidrogeológica que restou na terra. Por isso, é uma questão mundial. E posso dizer, por ter visto com os meus próprios olhos, que a destruição que está ocorrendo ali e a luta ímpar dos índios contra as empresas que querem madeira e matérias-primas e a quem não importa nada deles é uma questão global, e como tal deve ser tratada. Pelos governos em primeiro lugar”.
Vandana Shiva defende que uma atitude radical em relação à Amazônia. Segundo ela, “deveriam, sobretudo, se esquecer da palavra lucro quando se fala sobre essa área do mundo. Os únicos investimentos na Amazônia deveriam ser dirigidos para se garantir a sua sobrevivência e proteção. Só isso deveria ser considerado um ganho, em termos de estabilidade. O que eu espero concretamente é a formação de uma aliança global entre os países em nome da conservação da Amazônia”.
País repete erros em nome do desenvolvimento
O ataque sistemático do grande negócio à legislação ambiental e o silêncio do governo, levou o ministro do meio-ambiente, Carlos Minc, a criticar o próprio governo. Cobrado por ambientalistas a reagir às pressões, Minc acusa ruralistas de terrorismo e busca aliança com pequenos agricultores para barrar mudanças nos limites de desmatamento. O ministro chegou a chamar de “vigaristas” os parlamentares ligados ao agronegócio e criticou duramente os seus colegas ministros, particularmente Reinhold Stephanes (Agricultura), Mangabeira Unger (Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos), e Alfredo Nascimento (Transportes).
Minc declarou: “Completei um ano, servi lealmente ao presidente, resolvemos vários imbróglios, grandes licenças e vamos resolver várias outras. Mas uma série de questões está tirando a sustentabilidade ambiental e política do ministério”, disse.
O desabafo do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, contra colegas de governo deixou irritado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao reafirmar a impressão de que o auxiliar prefere “jogar para a plateia” em questões internas da gestão federal. Mas Lula não pensa em demitir o ministro, nem espera um pedido de demissão de Minc.
A ex- ministra Marina Silva vê o ministério do meio-ambiente enfraquecido: “É um momento de muita preocupação. Ele (Minc) está correto em estar preocupado. O setor ambiental tem sido subtraído. Há um conjunto de ações que vão subtraindo o papel do ministério e o transformando em uma ONG dentro do governo”.
“Como posso cuidar da sustentabilidade ambiental do país quando minha própria sustentabilidade está solapada”, disse o ministro ao presidente Lula. Desde o início do ano, Minc vem se sentido cada vez mais isolado por pressões para acelerar a liberação de licenças ambientais para o asfaltamento da rodovia BR-319, que corta parte da floresta amazônica, e para atenuar punições a crimes ambientais. O isolamento do ministro acontece apesar de ele ter agilizado o processo de licenciamento de novas hidrelétricas na Amazônia, como a usina de Belo Monte, no Pará, uma das maiores obras do PAC. Com dificuldade de resistir a pressões que considera além do limite do aceitável e tendo de contabilizar uma derrota importante na redução da taxa de compensação ambiental cobrada dos empreendimentos, o ministro também viu ralear o apoio de ambientalistas.
O fato é que o enfraquecimento de Carlos Minc – o mesmo processo paulatino que sofreu a ex-ministra Marina Silva –, manifesta a pouca preocupação com agenda ambiental por parte do governo Lula. O presidente Lula nunca demonstrou encantamento algum pela causa verde, ao contrário, sempre a viu como um entrave para o desenvolvimento e o crescimento econômico. O presidente não tem consciência de que estamos frente a uma crise epocal que tem no seu âmago a questão ecológica.
Marcio Santilli do Instituto Sócio Ambiental (ISA), frente ao ataque sistemático do grande negócio à legislação ambiental pergunta: “Qual é a do Lula nisso tudo?”. E continua: “Acredita mesmo que o licenciamento atrapalha as obras? Que mais vale expandir a fronteira agrícola para gerar produtos para exportação? Que não há saída para a crise sem detonar o patrimônio natural nacional? Que o financiamento por empreiteiras será essencial para o sucesso da sua candidata presidencial? Ou terá clareza sobre o custo real desses danos, sobre a gravidade da situação climática, sobre os impactos negativos na sua retórica, na sua imagem e na do País”?
O pesquisador do ISA interpela: “Queremos uma posição clara do presidente sobre o complô em curso. É claro que esperamos dele uma postura compatível com a responsabilidade da sua função, focada na saúde do povo, no zelo pelo patrimônio público e nos interesses das futuras gerações. Mas seria menos ruim vê-lo assumindo esta conspirata, do que na postura omissa e ambígua em que se encontra, mais danosa à sua condição de líder”.
Assim como o país tolerou em décadas passadas agressões gratuitas ao meio ambiente – Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica –, tudo leva a crer que caminha para outros erros: aceitação dos transgênicos, transposição do Rio São Francisco, expansão da cana-de-açucar para produção do etanol, construção de hidrelétricas, retomada do programa nuclear, enfraquecimento da legislação ambiental, pavimentação de rodovias que rasgam áreas intocáveis da Amazônia. .
Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão as decisões de hoje. Infelizmente, o Brasil parece não perceber que frente à crise epocal, desencadeada pelo aquecimento global, joga um papel estratégico. No contexto da crise ambiental, o país abre mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e parte com tudo para opções preocupantes.
“Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras”, lembra-nos o ambientalista Lester Brown. Será que o Brasil está fazendo a lição de casa?
A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
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FONTE : (Ecodebate, 08/08/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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