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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ecologizar o desejo


Por meio de um aprendizado individual ou coletivo, podemos selecionar desejos e hábitos que sejam ecologicamente amigáveis e descartar os antiecológicos.

O fundo sem nome é o que não tem desejo. É pelo sem desejo e a quietude que o universo regula a ele mesmo. (Lao Tsé)

A profundidade e gravidade da atual crise ecológica e climática exigem que se eleve o nível da consciência ecológica individual ou coletiva.

O desejo tem a função de nos impulsionar, embora não possa ser plenamente satisfeito. A ilusão de acreditar nessa fantasia gera o consumo irresponsável e a devastação ambiental.

Desejos são construídos social, cultural e coletivamente. A sociedade e a cultura, com seus valores, os regulam. Eles são variáveis sobre as quais se pode trabalhar. Podem ser lapidados e refinados por meio da consciência.

É possível trabalhar na origem e na seleção cultural dos desejos, separando o joio do trigo; selecionando aqueles que têm em si o embrião de conseqüências maléficas, daqueles que tem efeitos benéficos.

Desejos são sementes das quais brotam ações. Os de consumo trazem impactos diretos sobre a ecologia ambiental, ao pressionarem a exploração da natureza. A tentativa de satisfação acrítica de desejos e demandas de consumo devasta a Terra e exaure bens e recursos naturais.

A ação sobre eles, portanto, pode reduzir ou expandir seus impactos.

Como ecologizar o desejo?

Ecologizar é aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e a consciência ecológica às situações práticas do dia a dia, tanto individuais como coletivas.

Ecologizar o desejo é:

* um processo psicológico e subjetivo, pois implica em reduzir ou eliminar desejos ecologicamente destrutivos;

* substituir um desejo que cause impacto negativo ao ambiente natural, social ou pessoal, por algo que seja ecologicamente menos destrutivo;

* cultivar aqueles que não causem impactos negativos ao ambiente e dissolver aqueles que tenham o efeito inverso.

* A ecologização de desejos pode ocorrer por meio de estímulos de fora para dentro, da sociedade para as pessoas, por meio de interdições legais, tabus, castigos e penalizações. A legislação tende a se tornar cada vez mais restritiva para com aquelas ações que coloquem em risco a segurança ambiental e humana e que são decorrentes de desejos que impactam negativamente o ambiente. A lei de crimes ambientais penaliza atos ecologicamente destrutivos decorrentes de desejos individuais ou sociais.

As instituições sociais e religiosas têm forte papel na regulação dos desejos. Também, na delimitação daqueles que são social ou eticamente admitidos em oposição àqueles que são criminalizados ou “pecadificados”. A pecadificação dos desejos é uma forma de lembrar que eles não devem ser realizados. Exemplos nos mandamentos religiosos: não desejar a mulher do próximo; não cobiçar as coisas alheias; evitar a inveja — o desejo de ter o que o outro tem.

A ecologia social e as relações sociais são impactadas por ações decorrentes de desejos de glória, de poder ou de dominação econômica, política ou militar.

No campo da ecologia pessoal ou do ser, o manejo sustentável dos desejos também pode ser feito de dentro para fora, do indivíduo para a sociedade, por meio de práticas de análise, autoconhecimento e expansão da consciência, Yoga, reflexão ou meditação. Expandir a tolerância a viver no vazio dos desejos e trabalhar para naturalmente dissolvê-los e deixá-los passar pode abrir um campo vasto para sentimentos e pensamentos criativos e originais bem como para a ação ecologizada.

Para que a ação seja ecologizada, o custo da satisfação de um desejo antiecológico deve ser maior do que o beneficio; o sofrimento a ele associado, maior do que o prazer em obtê-lo.

Muitas pessoas ignoram ou não percebem que têm hábitos ou desejos antiecológicos, e que estão adaptadas à normose alienada. Por meio de um aprendizado individual ou coletivo, podem-se selecionar aqueles desejos e hábitos que sejam ecologicamente amigáveis e descartar aqueles que sejam antiecológicos. Do mesmo modo como se faz para os empreendimentos humanos no licenciamento ambiental, pode-se fazer uma avaliação de impactos ambientais dos desejos. Os desejos de natureza econômica e material têm impactos diretos sobre a demanda por recursos naturais ou sobre a emissão de poluições. Deles decorrem múltiplos problemas ambientais e climáticos.

Diz Gandhi que “existem recursos suficientes neste planeta para atender às necessidades de todos, mas não o bastante para satisfazer o desejo de posse de cada um”.

São passíveis de serem alterados por meio de estímulos externos, de preços ou normas regulatórias. São manipuláveis — para o bem ou para o mal — por instrumentos de gestão ambiental. Instrumentos de vários tipos podem ser usados para ecologizar os desejos e comportamentos dos cidadãos e de uma sociedade:

Incentivos ou desincentivos econômicos podem ser impostos para estimular ou inibir comportamentos. Um exemplo: na Europa cogita-se aumentar o preço de automóveis que emitam muitos gases de efeito estufa, para desestimular seu uso.

Propaganda ecológica poderia neutralizar a propaganda antiecológica. Da mesma forma como o marketing, a publicidade e a propaganda atuam sobre o inconsciente e excitam o desejo de consumo, também poderiam, caso houvesse consciência, vontade e impulso coletivos, promover o desejo por saúde ambiental, bem como a redução da demanda por bens cujo processo de produção é destrutivo, degradador, poluidor, emissor de gases de efeito estufa. Assim, por exemplo, pode-se contrapor à publicidade comercial que exacerba desejos de consumo outras forças, que neutralizem e minimizem os impulsos em direção ao desejo do consumo, cuja satisfação pressiona a natureza.

* A educação e o autoconhecimento são fundamentais para dissipar a ignorância e ajudar selecionar os desejos que devem ser cultivados. A autocomplacência do consumidor ou cidadão e a ignorância sobre as conseqüências dos desejos originam ações ecologicamente destrutivas.

* A cultura e a educação podem elevar as aspirações dos cidadãos acima dos desejos e sonhos de consumo.

Por meio dessas ações é possível cultivar os desejos cuja realização coloque em menor risco a segurança individual e coletiva e que tenham menores impactos sobre o ambiente natural e sobre o planeta.
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FONTE : Maurício Andrés Ribeiro é arquiteto e autor de “Ecologizar — Pensando o ambiente humano” e “Tesouros da Índia para a civilização sustentável
(Envolverde/Instituto Akatu)

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