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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Energia para mover o mundo sem destruir o planeta


Desde a descoberta do fogo, no período paleolítico, as grandes inovações da humanidade estiveram associadas à identificação de novas fontes e processos de geração de energia que proporcionaram a transformação não só de materiais, mas também de comportamentos e estilos de vida. Agora, no entanto, a equação do progresso impõe uma nova variável: gerar energia em quantidades cada vez maiores com o menor impacto socioambiental possível. Diversificar é a questão-chave para equilibrar essa balança, tanto em relação a recursos energéticos, quanto à sua origem.

“Em toda a história, tivemos, praticamente, uma única fonte de energia. Até a Revolução Industrial inglesa era o carvão, depois passamos a explorar o petróleo. Mas daqui para frente, em virtude da questão ambiental e da segurança energética, as escolhas terão que se basear nas vantagens comparativas das diversas regiões do mundo”, destaca Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Esse quadro resultará na diluição não apenas dos riscos de abastecimento, mas também geopolíticos, associados ao domínio de um insumo essencial como a energia por determinadas regiões, como acontece hoje com os tradicionais países exportadores de petróleo. “As principais reservas de petróleo do mundo estão concentradas, principalmente, em nações que têm problemas de regime político ou religiosos. São países que vivem em permanente instabilidade política e social”, afirma Pires.

Complexo ao extremo, o quadro pode ainda se agravar. Segundo o relatório Brasil Sustentável, da Ernst&Young, estima-se um crescimento da demanda mundial de energia da ordem de 2,6% ao ano até 2030. E os países que mais demandarão o insumo são os que registrarão as maiores taxas de crescimento econômico, como a China, com um aumento de consumo de 4,9% ao ano, e a Índia, com 3,8%.

Para atender ao substancial crescimento da demanda energética diante da disponibilidade limitada de recursos, o levantamento prevê que serão necessários investimentos superiores a US$ 20 trilhões, até 2030, para acompanhar o consumo mundial.

Trata-se de um sinal concreto de que o setor de energia representará um campo para novas oportunidades de negócios, sobretudo no desenvolvimento de alternativas mais limpas. Nesse segmento, não por acaso, os investimentos cresceram em 5%. De acordo com o relatório Tendências Globais de Investimento em Energias Sustentáveis (do inglês, Global Trends in Sustainable Energy Investment), elaborado pelo Programa de Meio Ambiente da ONU, saltaram de US$ 148 bilhões, em 2007, para US$ 155 bilhões, em 2008. O estudo mostrou também que o investimento em fontes de energia renovável superou pela primeira vez o volume destinado às tecnologias para exploração de fontes fósseis.

Ainda que o recorde de US$ 155 bilhões e os bilionários pacotes de estímulos destinados à área, representem um avanço, a publicação da ONU reforça que será necessário pelo menos meio trilhão de dólares por ano até 2020 para estabilizar as emissões de gases de efeito estufa a um limite considerado seguro (até dois graus Celsius) pelos cientistas.

A energia eólica foi a campeã em novos investimentos atraindo globalmente um montante de US$ 51,8 bilhões. Mesmo correspondendo a um crescimento de apenas 1%, quando comparado a 2007, esse aporte confirma a posição da eólica como a mais madura e melhor estabilizada entre as alternativas sustentáveis no mundo. O maior salto de investimento, no entanto, se deu em relação à energia solar (49%), que recebeu US$ 33,5 bilhões. Já o setor de biocombustíveis sofreu uma queda de 9% em relação ao ano passado, registrando US$ 16,9 bilhões em recursos. Juntos, esses três setores lideram o conjunto de energias sustentáveis, somando 86% dos novos investimentos dedicados à área.

Mapa da energia renovável

O relatório da ONU faz ainda uma análise da distribuição geográfica dos investimentos voltados às energias limpas. Nesse cenário, a Europa continua na liderança com US$ 49,7 bilhões investidos em 2008, o que representa um aumento de 2% em relação a 2007. Esse investimento é avalizado por políticas governamentais de incentivo a projetos de energias sustentáveis, particularmente na Espanha, onde foram aplicados na área cerca de US$ 17,4 bilhões de ativos financeiros.

Com US$ 30,1 bilhões, a América do Norte registrou uma queda de 8% nos novos investimentos em energias limpas, graças –segundo o estudo – à recessão econômica iniciada em setembro de 2008.

Os países em desenvolvimento, por sua vez, contribuíram com US$ 24,2 bilhões em investimentos para a Ásia e Oceania em 2008, um salto de 12% em relação ao ano anterior. Na China, com a intervenção direta do governo, os recursos destinados às energias sustentáveis subiram 18%, atingindo US$15,6 bilhões. Na Índia, foram US$ 3,7 bilhões, com aumento de 12%. E na América do Sul, contaram-se US$ 12,3 bilhões, alavancados, em grande medida, pela indústria do etanol de cana-de-açúcar no Brasil.

Ainda segundo o estudo da ONU, o ano de 2008 se caracterizou por passos decisivos em países como Japão e Austrália, onde a energia sustentável até então não era uma prioridade.

Durante muito tempo, a potência asiática detinha a maior capacidade de energia solar instalada, em consequência de subsídios para adoção de sistemas de geração de energia fotovoltaica em residências no período de 1999 a 2005. Em 2006, os japoneses perderam o posto para os alemães. Próximo do término do primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto (1990-2012), o governo nipônico decidiu retomar o investimento em energia solar para cumprir sua meta de 6% de redução de emissões de gases de efeito estufa. O país – que, em exportações de petróleo, fica atrás apenas dos EUA - planeja aumentar em 10 vezes sua produção de energia fotovoltaica até 2020, e em 40 vezes, até 2030, índices, nos dois casos, comparados aos de 2005.

Já na Austrália as energias renováveis ganharam um grande reforço com o primeiro-ministro Kevin Rudd. Assim que tomou posse em 2007, ele ratificou o protocolo de Kyoto, anunciando medidas para estabelecer o esquema de comércio de emissões naquele país, com a intenção de reduzir em até 60% as emissões de CO2 até 2050 e também de permitir que pelo menos 20% da energia total consumida provenha de fontes renováveis. Dada a sua forte dependência de combustíveis fósseis, a Austrália resolveu assumir posição de liderança em relação a tecnologias de captura e estocagem de carbono.

Nos países industrializados, os investimentos totalizaram US$ 82,3 bilhões, 1,7% a menos em comparação a 2007. Já o total de novos aportes nos países em desenvolvimento atingiu US$ 36,6 bilhões, contando um aumento de 27%. Além disso, as economias emergentes receberam 31% dos investimentos totais dedicados a projetos de energias sustentáveis.

Brasil potência, na economia de baixo carbono

O relatório Tendências Globais de Investimento em Energias Sustentáveis destaca o Brasil como o maior mercado mundial de energias renováveis. Por suas condições favoráveis, que permitem o desenvolvimento de fontes de energia diversas, e matriz energética limpa, baseada em hidreletricidade, a posição de liderança do País na perspectiva de uma economia de baixo carbono é, de fato, algo razoável de se projetar. No entanto, as políticas energéticas não têm se mostrado eficientes para atrair investimentos para o setor, de modo a explorar todo o seu potencial.

“Perdemos grandes oportunidades nos anos em que a economia mundial cresceu muito. Tínhamos que ter atraído muito mais investimentos em energia, considerando o fato de que a natureza nos premiou muito em relação a esse quesito. O grande problema é que nem o governo atual nem o anterior conseguiram acoplar essa benesse a uma política capaz de gerar grandes investimentos”, afirma Pires.

A decisão que causou maior alarde – ressalta Pires-- foi o anúncio do plano decenal de energia, que prevê a criação de 82 usinas termelétricas até 2017. Além de causar mais impactos ao meio ambiente, as térmicas também podem resultar em aumentos no preço da energia, uma vez que estão sujeitas às oscilações do preço do petróleo. “Os resultados de leilões de energia elétrica, dos quais as térmicas saíram vencedoras, mostram um Brasil andando para trás. Enquanto o mundo inteiro está querendo mudar a matriz para fontes mais limpas e renováveis, privilegiamos fontes fósseis”, critica Pires.

Por todas essas razões, o planejar -- um ponto crítico em qualquer segmento – tornou-se tarefa urgente na gestão da energia. “O paradigma da discussão está muito pobre. No setor elétrico, o governo começou a pensar que está tudo bem, desde que não haja apagão. Aí o governo se apavora e compra um monte de porcaria. A ausência de planejamento, de políticas adequadas e a incapacidade de gestão no núcleo central do governo é que ocasionou essa situação, danificando o cenário energético e ambiental brasileiro”, afirma Ildo Sauer, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (USP).

Para Sauer, faltou competência do governo para, nos anos 2003 e 2004, organizar o portfólio de projetos, e realizar os estudos ambientais e de passivo social para obter as licenças em um ritmo mais veloz. “Abriu-se a porteira para uma das coisas mais horrendas da história do Brasil, uma Itaipu de poluição que é contratação de quase 14.000 megawatts de usinas a óleo e a carvão. Isto é produto da falta de política e de gestão adequadas na área de energia no Brasil. Não é problema da área ambiental”, afirma.

A falta de diretrizes claras e políticas de longo-prazo constitui-se como a principal barreira para novos investimentos em energia no Brasil. “A política brasileira de energia é muito ciclotímica e não dá sinais de longo prazo nem para o investidor, nem para o consumidor. Quando se aumenta o preço do petróleo se arruma instrumentos para incentivar o consumo, por exemplo, do etanol. Se o preço do petróleo cai, o etanol é esquecido para voltar a consumir gasolina. Na hora que tem gás sobrando, o governo elabora ferramentas para viabilizar um grande consumo desse insumo e assim por diante”, afirma Pires.

Marina Grossi, diretora do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), reforça ainda a importância de um projeto de país que direcione todos os esforços em uma mesma direção. “O mesmo governo que consegue fazer um plano de combate às mudanças climáticas, aprova um plano decenal de energia, que prioriza térmicas. Falta planejamento e políticas consistentes para impulsionar novos projetos”, destaca.

Papel indutor do governo

De acordo com Sauer, o único agente que tem o controle e os mecanismos para alterar qualitativamente as trajetórias do uso e produção de energia é o governo, em coordenação, evidentemente, com o mercado. “As energias renováveis precisam ter escala e, para que isso aconteça, são necessárias políticas públicas. Tomando o exemplo da energia eólica, se houvesse um aumento da escala, como ocorreu em relação ao álcool, o preço unitário cairia, com ganho de produtividade. Sendo assim, essa fonte poderia ter um espaço muito maior no Brasil”, afirma.

As parcerias público-privadas também se mostram efetivas no desenvolvimento de fontes renováveis. Mas Leonardo Dutra, gerente de sustentabilidade da Ernst&Young, acha que será necessário criar mecanismos de incentivo. “O Brasil precisa de energia, para gerar mais negócios e empregos. A iniciativa privada tem um papel importante, mas depende do suporte do governo no sentido de criar incentivos fiscais. Acredito que vai haver alguma diferenciação para o investimento em energias renováveis”, reforça.

O estudo Tendências Globais de Investimento em Energias Sustentáveis, da ONU comprova essa tese. Segundo o documento, os mecanismos de mercado e incentivos desempenharão um papel-chave tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento, incluindo a revisão de cerca de US$ 200 bilhões de subsídios destinados, anualmente, a combustíveis fósseis.

Ao sabor e a favor do vento

No Brasil, as iniciativas de fomento do governo brasileiro às energias renováveis continuam bastante tímidas. Tomando novamente o exemplo da energia eólica, apesar de todo o potencial de geração dessa fonte e da vantagem de complementaridade que oferece às usinas hidrelétricas, foram instalados apenas 359 MW, dos 1,4GW de capacidade dessa alternativa, contratados pelo Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) O programa foi estabelecido em 2002 para encorajar projetos de energia eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas. E um de seus objetivos era estimular a Impsa, empresa global de soluções de geração de energia elétrica, a iniciar naquele ano suas operações no setor de eólica no Brasil. “Com o Proinfa, o governo gerou confiança para as empresas viabilizarem seus investimentos no longo prazo”, diz Juan Carlos Fernández, vice-presidente da Impsa.

Para o executivo, o diferencial dos ventos brasileiros oferecem o dobro da qualidade da média mundial. Somando as suas operações de energia hidroelétrica e eólica no Brasil, a Impsa planeja faturar aproximadamente R$ 500 milhões em 2009. Na mesma trajetória de expansão, empresa estima um faturamento de R$ 700 milhões em 2010.

De origem argentina, a companhia está realizando um programa tecnológico no Brasil, por meio do qual investirá R$ 50 milhões no desenvolvimento de um aerogerador de 4 MW para usinas eólicas on-shore e off-shore. “O projeto é parte de uma série de testes e pesquisas que estamos conduzindo para adaptar nossos equipamentos às regiões tropicais”, destaca Fernández.

O entusiasmo com que o setor privado respondeu ao primeiro leilão de energia eólica, a ser realizado por meio do Proinfa em 25 de novembro, atesta o potencial para investimentos na área. Foram cadastrados 441 projetos, com 13.341 MW de potência, quase 32 vezes a capacidade eólica atual do país, estimada em 417,5 MW. O montante cobriria 12% da matriz elétrica brasileira, superando em quase três vezes a capacidade instalada prevista (4.682 MW) para a fonte em 2030.

Diante da grande procura, o setor espera que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) amplie a participação da energia eólica na revisão do Plano Nacional de Energia (PNE), com horizonte até 2035, previsto para ser divulgado no próximo ano.

A Impsa não tem poupado esforços para abocanhar esse novo mercado em ascensão, confirmando a tendência de predominância das empresas de capital estrangeiro na área. Segundo Fernández, a proximidade da realização do leilão, já trouxe um aumento da demanda da Impsa, que deseja ampliar a sua capacidade de geração dos atuais 600 MW para 1000 MW. Ele crê, no entanto, ser importante contar com respaldo do governo. “A discussão de políticas equitativas e favoráveis à competição deve ser mantida. O setor de energias renováveis é responsável pela geração de muitos empregos, além de apresentar grande potencial de crescimento. Por esses motivos precisa ser defendido”, argumenta.

O sol aponta a direção

No mercado para energia solar o cenário se repete. Seu desenvolvimento ainda está muito condicionado a estímulos e programas de governo. Essa não é uma exclusividade brasileira. Uma breve análise, por exemplo, da conjuntura global, aponta que o maior mercado para energia fotovoltaica está nos chamados sistemas conectados à rede elétrica. Por meio deles, indústrias, estabelecimentos e residências podem instalar painéis solares e vender o excedente de energia para as concessionárias.

No Brasil, o desenvolvimento desse segmento depende de uma política de subsídios, assim como ocorreu nos países que hoje lideram esse modelo, principalmente Alemanha, Japão e Espanha

Por aqui, a grande oportunidade se concentra nos chamados sistemas isolados, que abrangem as regiões não atendidas pela rede elétrica. Nessa perspectiva, o Programa Luz Para Todos se tornou um grande incentivo para o setor de energia fotovoltaica no País, uma vez que essa fonte passou a ser explorada nas áreas mais remotas, onde a conexão com a rede elétrica seria pouco viável.

“Quem precisa da energia solar? As comunidades que estão muito longe da energia e, normalmente, não têm poder aquisitivo para adquirir um sistema solar. Na área urbana, as pessoas têm condições de instalar painéis solares, mas ainda não contam com incentivos para fazê-lo. Por isso, o suporte do governo é fundamental para o desenvolvimento do mercado para a fotovoltaica”, afirma Sérgio Beninca, diretor comercial da Kyocera Solar, empresa-líder no segmento de energia fotovoltaica.

Por meio de programas federais e estaduais de universalização do acesso à energia, a companhia já instalou cerca de 21.000 sistemas solares. Outro mercado importante para essa alternativa é o de telecomunicações, que conforme determinação do governo, deve instalar pelo menos um telefone público em áreas com mais de 300 pessoas. Nas regiões mais remotas, o segmento também recorre à tecnologia de geração de energia fotovoltaica.

Segundo Beninca, a Kyocera aposta na expansão desses programas, sobretudo do Luz Para Todos, projetando um crescimento de até 50% para o próximo ano, caso essas ações tenham continuidade. Diante da confirmação dessa tendência de crescimento, a companhia de origem japonesa planeja instalar uma fábrica no Brasil e passar a montar localmente os sistemas.

Fóssil não está fora de questão

Na busca por aliar demanda e oferta de energia, as fontes fósseis também podem ser consideradas em uma perspectiva de baixo carbono. Ao menos essa é a aposta feita com o investimento em energias de Captura e Armazenamento de Carbono (do inglês, capture and storage).

Seguindo a trajetória das grandes petrolíferas globais, a Petrobras tem investido nessa tecnologia desde 2007. A companhia possui hoje três projetos na área, dois desenvolvidos sob forma piloto nos reservatórios da Bacia do Recôncavo Baiano, na Bahia. Em um deles, o CO2 é injetado em um aquífero salino profundo e, no outro, em um campo de petróleo, ambos em terra, nos campos de Rio Pojuca e Miranga. O terceiro projeto prevê o aprisionamento de gás natural extraído da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Além disso, a companhia começa a estudar a possibilidade de realizar um projeto de sequestro geológico no recém-descoberto campo de Tupi, na Bacia de Santos.

Os projetos contam com o suporte do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), que realiza estudos para avaliar e quantificar o potencial de injeção de gás carbônico em reservatórios geológicos das bacias do Recôncavo, Campos, Potiguar, no Rio Grande do Norte e Paraná.

Para assegurar a sustentabilidade de seus negócios, a Petrobras também tem investido fortemente em energias renováveis, particularmente em biocombustíveis. Tanto que, em 2008, criou uma subsidiária para atuar especificamente nesse mercado. O objetivo é chegar a 2013 produzindo 25% do biodiesel e 10% do etanol brasileiros.

O plano de negócios da companhia prevê investimentos de US$ 2,4 bilhões no segmento de produção de biodiesel e etanol para o período de 2009 a 2013. Esse valor faz parte do total de US$ 2,8 bilhões destinados ao negócio de biocombustíveis. Desses recursos, US$ 400 milhões serão investidos em infraestrutura, para construção de alcooldutos, por exemplo. Na área de pesquisa e desenvolvimento, US$ 530 milhões serão destinados à área.

Os investimentos totais em biocombustíveis representam um aumento de 87% em relação ao plano anterior.

O verde da cana e o seu valor em ouro

Uma área em relação à qual todos são unânimes em reconhecer grande potencial é a de biocombustíveis. Segundo o relatório Brasil Sustentável, da Ernst&Young, o mercado para essa alternativa será sensível aos preços do petróleo e deverá se expandir com a permanência desse último acima de US$ 40 por barril. “A inclusão de etanol e demais biocombustíveis na matriz energética é um fator de extrema importância não só do ponto de vista ambiental, mas também de segurança do fornecimento”, destaca o estudo.

A experiência brasileira de desenvolvimento do etanol de cana-de-açúcar e introdução maciça desse combustível em sua matriz energética tem motivado a ONU a eleger o Brasil como um dos maiores mercados para energias renováveis do mundo.

Em seu estudo, Tendências Globais para Investimentos em Energias Sustentáveis, a organização ressalta que, em 2008, 90% dos novos carros brasileiros utilizavam etanol, representando 52% de todo o combustível consumido por veículos leves no País.

Segundo a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), o setor movimenta cerca de US$ 25 bilhões por ano, gerando 850 mil empregos diretos na agricultura e indústria. Em exportações de etanol e cana-de-açúcar são US$ 8 bilhões em receitas.

Cerca de 80% da produção de etanol se destina ao mercado doméstico. De acordo com Eduardo Leão de Sousa, diretor executivo da Unica, ainda há possibilidade de expansão. “Hoje, apenas 30% da frota é constituída de carros flex, por isso ainda há um potencial grande”, destaca Sousa.

Segundo o relatório Brasil Sustentável, as projeções consideram uma

taxa de crescimento de 3,3% ao ano para o mercado de combustíveis veiculares no Brasil no período. Desse total, o volume a ser atendido pelo

etanol seria de 45%, em razão do aumento da frota e dos ganhos de eficiência energética no uso de combustíveis – espera-se que a frota brasileira tenha um rendimento de 10,4 quilômetros por litro, considerado o mix de combustíveis. Com isso, o crescimento do mercado doméstico de etanol será superior ao da gasolina: 4,3% contra 2,6%, respectivamente. Estima-se que as exportações de etanol cheguem a 17,4 bilhões de litros em 2030, um crescimento de 8,9% ao ano em relação às exportações de 2005.

Na perspectiva internacional, os dois grandes mercados são o americano e europeu. Nos EUA, o volume de biocombustíveis, em sua maior parte etanol a partir do milho, a ser misturado à gasolina deve chegar a 28 bilhões de litros, em 2012, e a 136 bilhões de litros, em 2022. É isso o que concluiu o Energy Policy Act, de 2005, que regulamenta o setor.

No entanto, o etanol brasileiro ainda se depara com medidas tomadas pelos EUA para proteger sua indústria, como a tarifa de 64 centavos de dólar por galão. “A grande questão é o espaço que eles vão nos dar porque hoje, logicamente, têm interesse em produzir lá o etanol. Mas o etanol de milho apresenta restrições tanto em relação ao uso, porque boa parte dele destina-se à produção de ração e alimentação humana, quanto à própria qualidade do ponto de vista ambiental e de eficiência”, explica Sousa.

Com a Diretiva 2003/30, a União Européia também avançou no uso do etanol no período de 2003 a 2005. A regulação determina que os biocombustíveis deverão substituir, em conteúdo energético, 5,7% dos combustíveis fósseis até o fim de 2010.

Segundo o estudo Brasil Sustentável, nessas duas regiões, os subsídios e os impostos de importação serão gradualmente retirados para garantir a redução de custo dos biocombustíveis.

Na análise de Sousa, outro desafio é que mais países passem a produzir o etanol, contribuindo com a comoditização do produto. “Isso confere maior liquidez para o mercado, que passa a apostar no longo prazo em investimentos de infraestrutura”, ressalta.

O levantamento da Ernst&Young aponta ainda o ritmo de entrada da produção do etanol de celulose em escala comercial como um dos elementos cruciais na formação da oferta de biocombustíveis. “Avanços tecnológicos que permitam a produção competitiva de etanol de celulose deverão alterar substancialmente a situação desse combustível. O controle da tecnologia será o aspecto central do processo de produção, pois ampliará a disponibilidade de matéria-prima e o volume de etanol produzido”, ressalta o estudo.

O setor sucroalcooleiro brasileiro também já vê como oportunidade o avanço da tecnologia de etanol celulósico. “O mundo tem poucas opções para produzir etanol de modo sustentável sem ser o Brasil. Outros países fatalmente vão ter que recorrer à produção de etanol por celulose. Mas isso não significa necessariamente que vamos perder competitividade. Quando essa tecnologia for comercialmente viável, teremos a matéria-prima na porta da nossa fábrica, que é o bagaço e a palha obtidos a partir da mecanização”, afirma Sousa.

Outro grande potencial a ser ainda explorado é a área de co-geração para produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana. O processo permitiu não só que as usinas se tornassem autossuficientes em energia, como também vendessem seus excedentes para as concessionárias.

“Essa tecnologia apresenta uma série de vantagens para o usineiro, que passa a ter um produto a mais no seu portfólio. Isso dilui custos fixos ao mesmo tempo em que agrega receita”, afirma Sousa, da UNICA. Segundo ele, a co-geração também oferece a possibilidade de gerar créditos de carbono (hoje há 30 projetos dessa modalidade registrados como mecanismos de desenvolvimento limpo pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, e outros 30 em fase de avaliação).

Para Sousa, o investimento em co-geração contribui para diversificar a matriz energética e evitar riscos de abastecimento. “Pode-se gerar a energia elétrica a partir da biomassa da cana durante o período seco, exatamente quando os reservatórios de água para geração de energia elétrica atingem os seus níveis mais baixos. Com isso, além da sinergia e complementariedade de oferta distribuída ao longo do ano, aumenta-se substancialmente a segurança do sistema”, afirma.

Segundo o executivo, a co-geração apresenta um potencial de suprir até 15% da demanda nacional por energia. No entanto, atende hoje apenas 3% do consumo no País. “O governo tem um papel importante ao desenvolver um ambiente regulatório que permita a comercialização com outros fornecedores de energia. Outra questão é o planejamento para minimizar custos e maximizar a eficiência da distribuição. Além disso, os próprios leilões de energia precisam continuar a fim de garantir a aquisição para os próximos anos. E por último, vem o incentivo via BNDES para desenvolvimento dessa tecnologia, que requer investimentos elevados”, ressalta.

Quadro: Panorama das energias renováveis

Encomendado pelo Greenpeace e pelo Conselho Europeu de Energia Renovável (EREC, na sigla em inglês) ao Departamento de Análises de Sistemas e Avaliação de Tecnologia (Instituto de Termodinâmica Técnica) do Centro Aeroespacial Alemão (DLR), o relatório [R]evolução energética – Perspectivas para uma energia global sustentável propõe um caminho a ser seguido para a adoção global de uma matriz energética sustentável até 2050.

O potencial das fontes de energias renováveis foi avaliado com base em informações fornecidas por todos os setores da indústria de energia ao redor do mundo e forma a base do Cenário da Revolução Energética. Confira a seguir:

1. Fotovoltaicos (PV)

Embora o mercado mundial de PV possa crescer mais de 30% ao ano, a contribuição dessa tecnologia para a geração de eletricidade ainda é muito pequena. Os pesquisadores da tecnologia estão focados no aperfeiçoamento dos módulos existentes e componentes do sistema, assim como no desenvolvimento de novos tipos de células no setor de filmes finos e materiais para as células cristalinas. A previsão é que a eficiência comercial das células cristalinas melhore de 15% a 20% nos próximos anos e que as células de filmes finos, que utilizam menos matéria-prima, estejam disponíveis no mercado.

O fator de aprendizagem para módulos PV tem se mantido constante em 0,8 por um período de mais de 30 anos, indicando um índice alto e contínuo de aprendizagem técnica e redução de custo. Considerando uma capacidade global instalada de 2.000 GW em 2050 e uma diminuição na taxa de aprendizagem após 2030, calcula-se que os custos de geração de eletricidade estarão por volta de 5 a 9 centavos/KWH em 2050.

Comparada com outras tecnologias de renováveis, a energia fotovoltaica deve, portanto, ser classificada como uma opção no longo prazo. Sua importância deriva de sua grande flexibilidade e enorme potencial técnico.

2. Usinas de energia solar térmica concentrada

Usinas solares térmicas de “concentração” só podem utilizar luz do sol direta e são, portanto, dependentes de locações com alta incidência solar. A África do Norte, por exemplo, tem um potencial técnico que excede em muito sua demanda local. As variadas tecnologias solares térmicas (refletores parabólicos de calha, torres de energia e concentradores de discos parabólicos) oferecem boas perspectivas para futuros progressos e redução de custos. Um avanço importante é a criação de grandes reservatórios de energia térmica que possam estender o tempo de operação desses sistemas para além do período de

iluminação solar.

Devido ao pequeno número de concentradores de energia solar (CSP) construídos até agora, é difícil obter fatores de aprendizagem confiáveis para este setor. Neste relatório, assume-se que o fator de aprendizagem de 0,88 - obtido a partir de dados dos refletores parabólicos de calha construídos na Califórnia - pode passar para 0,95 no processo de assimilação da nova tecnologia pelo mercado depois de 2030.

A Avaliação Energética Mundial das Nações Unidas prevê que o mercado de geração de eletricidade solar térmica vai desfrutar de um crescimento dinâmico similar ao da indústria eólica, mas com um atraso de 20 anos. Dependendo do nível de irradiação e modo de operação, são previstos custos de geração de eletricidade de 5 a 8 centavos/KWH, pressupondo-se sua rápida introdução no mercado nos próximos anos.

3. Coletores solares térmicos para aquecimento e resfriamento

Pequenos sistemas de coletores solares térmicos para água e aquecimento auxiliar já estão bem desenvolvidos para vários tipos de aplicação. Por outro lado, grandes reservatórios de aquecimento sazonal para armazenar o calor do verão até o inverno, quando o aquecimento se faz necessário, estão disponíveis somente em escala piloto. Apenas com sistemas locais de aquecimento com armazenamento temporário seria possível suprir uma larga fatia do mercado de aquecimento de baixa temperatura com energia solar.

Fatores cruciais para seu lançamento no mercado são o baixo custo de armazenamento, produção adequada e aproveitável de calor.

Dados do mercado europeu de coletores indicam um fator de aprendizagem de aproximadamente 0,90 para coletores solares, apontando um sistema relativamente bem desenvolvido a partir de uma perspectiva tecnológica. Por outro lado, prevê-se que a construção de reservatórios temporários de calor terá uma redução de custos de mais de 70% no longo prazo. No futuro, dependendo da configuração do sistema, será possível alcançar custos solares térmicos entre 4 e 7 centavos/kWh térmico.

4. Energia eólica

Em um curto período de tempo, o desenvolvimento da energia eólica resultou no estabelecimento de um próspero mercado global. As maiores turbinas eólicas do mundo, várias delas instaladas na Alemanha, têm capacidade de 6 MW. No entanto, o custo de novos sistemas tem estagnado em alguns países nos últimos anos, devido ao contínuo aumento da demanda e investimentos consideráveis dos fabricantes no aperfeiçoamento da tecnologia e desenvolvimento e a introdução de novos sistemas. O resultado é que o fator de aprendizagem observado para turbinas de vento construídas entre 1990 e 2000 na Alemanha era somente 0,94. Contudo, desde que os desenvolvimentos técnicos proporcionaram aumentos de produção, os custos de geração de eletricidade tendem a diminuir. Prevê-se um maior potencial de redução de custos, com a taxa de aprendizagem correspondentemente mais alta.

Enquanto o relatório Perspectiva Energética Mundial 2004 da AIE espera que a capacidade eólica mundial cresça somente a 330 GW até 2030, a Avaliação Energética Mundial das Nações Unidas prevê um nível de saturação global de cerca de 1.900 GW para o mesmo período. Já a versão 2006 do relatório Perspectiva Global de Energia Eólica, elaborado pela European Wind Energy Association e o Greenpeace, projeta uma capacidade global acima de 3.000 GW até 2050.

Uma curva de experiência para turbinas eólicas é derivada da combinação dos atuais fatores de aprendizagem observados com uma previsão de alto crescimento no mercado, orientado através do Panorama Global de Energia Eólica, indicando que os custos para turbinas eólicas terão uma redução de 40% por volta de 2050.

5. Biomassa

O espectro de custos de geração de energia a partir de biomassa é bastante amplo. Uma das opções mais econômicas é o uso de restos de madeira provenientes de turbinas a vapor instaladas em usinas combinadas de calor e energia (CHP). A gaseificação de biocombustíveis sólidos, por outro lado, que proporciona uma ampla variedade de aplicações, ainda é relativamente cara. Espera-se que custos mais acessíveis de produção de eletricidade sejam alcançados com a utilização de gás de madeira em micro unidades de CHP (motores e células combustíveis) e em usinas a gás e vapor.

Há ainda um grande potencial para uso de biomassa sólida na geração de calor tanto em pequenos quanto em grandes centros geradores de calor conectados às redes de aquecimento locais. A conversão de plantações em etanol e ‘biodiesel’ a partir de ésteres metílicos e etílicos provenientes de diferentes oleaginosas ganhou muita importância nos últimos anos na Europa, EUA e Brasil. Os processos para a obtenção de combustíveis sintéticos de gases biogênicos também terão um papel importante.

6. Geotérmica

A energia geotérmica tem sido utilizada mundialmente há tempos para aquecimento, enquanto a geração de eletricidade é limitada a poucos locais com condições geológicas específicas. Extensas pesquisas adicionais são necessárias para acelerar o progresso dessa tecnologia. Em particular, a criação de vastas superfícies de troca de calor subterrâneas (tecnologia HDR) e o aperfeiçoamento de geradoras de calor e energia com o Ciclo Orgânico Rankine (ORC, em inglês).

Como uma grande parte dos custos das usinas geotérmicas é decorrente da perfuração profunda, as informações já disponíveis do setor petrolífero podem ser usadas, com fatores de aprendizagem observados de menos de 0,80. Considerando um crescimento médio global do mercado de energia geotérmica de 9% ao ano até 2020, reduzido para 4% depois de 2030, o resultado seria uma potencial redução de custos em 50% até 2050. Além disso, apesar dos altos valores atuais (cerca de 20 centavos/kWh), os custos da produção de eletricidade – dependendo dos custos de fornecimento de calor – estão previstos para baixar a cerca de 6-10 centavos/kWh no longo prazo. Devido à sua oferta não flutuante, a energia geotérmica é considerada um elemento-chave na infra-estrutura futura de oferta de energia baseada em fontes renováveis.

7. Hidrelétricas

A energia hidrelétrica é uma tecnologia madura que vem sendo utilizada para geração de eletricidade de uso comercial em larga escala. Um potencial adicional pode ser explorado primeiramente pela modernização e expansão dos sistemas existentes. O limitado potencial de redução de custos remanescente poderá, provavelmente, ser anulado com o aumento dos problemas das futuras obras e o crescimento das exigências ambientais. Pode-se prever que, para os sistemas de pequena escala, onde os custos de geração de energia são geralmente mais altos, a necessidade de cumprir as exigências ecológicas envolverá proporcionalmente custos mais altos que para os grandes sistemas.

Evolução de custos de energias renováveis

Em 2020, a maioria das tecnologias deve reduzir seus custos de investimentos

específicos entre 30% e 60% em relação aos níveis atuais, e entre 20% e 50% a partir do momento em que for atingido seu completo desenvolvimento (que deve ocorrer depois de 2040).

Menores custos de investimentos para as tecnologias de energias renováveis significam uma redução dos custos de eletricidade e aquecimento. Os custos de geração hoje estão por volta de 8 a 20 centavos/kWh para as mais importantes tecnologias, com exceção dos fotovoltaicos. No longo prazo, prevê-se que os custos caiam para cerca de 4 a 10 centavos/kWh. Essas estimativas dependem de condições específicas locais como o regime de ventos ou a incidência solar, a disponibilidade de biomassa a preços razoáveis ou a garantia de abertura de crédito para aumentar a oferta de aquecimento por geração combinada de calor e energia.
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FONTE : Relatório Brasil Sustentável, Ernst&Youn
http://www.ideiasocioambiental.com.br
(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)

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