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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Cristãos e Ecologia, artigo de Roberto Malvezzi


paz e ecologia

A sobrevivência da humanidade depende das mudanças pelas quais passará a Terra. Por isso, os seres humanos, particularmente os cristãos, devem assumir suas responsabilidades para a preservação do planeta.
Para os cristãos, encarar o desafio ecológico é, antes de mais nada, pôr-se humildemente diante da criação e do Criador. É também pôr-se diante do mistério, do tremendum et fascinosum, como diziam os antigos, isto é, perante o “assombroso e fascinante”. Hoje, pelas lentes do telescópio Hubble, podemos visualizar um Universo de 13,7 bilhões de anos, com uma extensão de 156 a 170 bilhões de anos-luz. Mas esse é o Universo visível, já que, para além da “curvatura do espaço”, o Universo pode prosseguir sempre mais ao infinito. É o inimaginável do inimaginável!
No entanto, até hoje, o Universo para nós, embora sejamos uma peça minúscula de seu arcabouço, é apenas uma contemplação, um espanto maravilhoso, já que o ser humano continua confinado em seu pequeno planeta chamado Terra. A Voyager 1, sonda espacial fabricada pelo ser humano e lançada no espaço em setembro de 1977, só agora está chegando aos limites do sistema solar. Fotografou a Terra de fora, e nossa pequenez apareceu em sua nudez. Se existem outros seres vivos no Universo, talvez inteligentes, ainda não temos provas. Os cientistas nos dizem que, mesmo existindo, nossas distâncias seriam intransponíveis. Mas a Ciência pode avançar e os mistérios do Universo talvez ainda venham a ser mais bem decifrados.
http://www.paulinas.org.br/pub/familia_crista/Igreja/espiritualidade/espiritualidade901.jpgPor hora temos nossa Terra. Ela levou 4,6 bilhões de anos para nos acolher, preparando-se como se fosse um útero de mãe. Só para formar a fina camada de oxigênio que hoje nos envolve – 21% da atmosfera, essencial para a vida – foram precisos praticamente 2 bilhões de anos. O ser humano é recente, como que o ponto de chegada da evolução cósmica. Mas a história do Universo continua. Hoje se sabe que tudo teve um começo. Estamos em processo. Tudo terá seu fim, inclusive a Terra, inclusive o Universo tal qual o conhecemos. São bilhões de anos que nossa curta vida não pode abranger, mas é tempo datado.
Existência frágil – Nós, no entanto, somos mais frágeis que a Terra. Ela não depende de nós, nós dependemos dela. Basta uma mudança na composição de gases que formam a atmosfera e não poderemos mais estar aqui. Essa camada de gases depende das florestas, das algas marinhas, mas também da interferência do ser humano em sua composição. É o que acontece agora com o aquecimento global, causado pelo aumento de gases do efeito estufa na atmosfera, como o CO2 (dióxido de carbono), o CH4 (metano) e o N2O (óxido nitroso). Se o planeta esquentar muitos graus, muitas formas de vida irão desaparecer, inclusive milhões de seres humanos.
No Gênesis está o ato criador. Mas quem escreveu aqueles textos estava apenas dialogando com os mitos da criação das religiões mesopotâmicas. É um texto do exílio. Mas por que a intuição que havia um Deus criador demorou tanto? Exatamente porque no exílio, questionados por outras religiões, o povo hebreu teve que refletir e dizer: o Deus que tudo criou é o mesmo Deus de Abraão, que caminha conosco. Portanto, antes de ver Deus no Universo, o povo hebreu viu Deus em suas vidas e em sua história.
A página mais bonita e mais profunda da Bíblia, para meu gosto pessoal, continua sendo o prólogo do Evangelho de São João. Ali está a síntese do grande projeto de Deus. Ele cria, mas, desde o início, tem o propósito de se inserir em sua criação. E vem em forma de pessoa, o Filho, que já estava no princípio de tudo mas também é o meio, que também é o ponto de chegada. Nele, Criador e criaturas ganham uma síntese. Esse é o sentido mais profundo do sacerdócio, da ponte, daquele que une o Criador e as criaturas. No projeto d’Ele nada se perde, tudo se transforma, tudo será elevado à plenitude. Não só a pessoa humana, mas toda a criação. Nesse sentido, a fé cristã é mais otimista do que a Ciência, já que, para a Ciência, o Universo tal qual conhecemos um dia chegará ao seu fim.
Cidadão global – Sejamos prudentes diante da criação. Criar é um ato amoroso, e só quem ama pode respeitar a criação. Ela é nossa chave de entrada na “ecologia profunda”. Não temos nenhum alcance fora da Terra. Ela é irremediavelmente nossa casa comum. Como cristãos, temos deveres imediatos e responsabilidades sociais, políticas e ecológicas intransferíveis. Dom Helder Câmara costumava dizer que não somos melhores que ninguém, “mas temos que ser os mais responsáveis”. Portanto, a dimensão ecológica de nossa espiritualidade é profunda e tem a ver com o mistério mais profundo da vida e do grande projeto de Deus para toda a humanidade e todo o Universo.
Quem quiser mergulhar nesse mistério poderá emergir como uma nova criatura. Começa pela contemplação, por se colocar diante do mistério da criação. Mas desde o cotidiano pode estender-se às pequenas ações, como no gesto de usar a água, a energia, o papel ou no jeito de manusear o lixo. Pode avançar para a comunidade, o bairro, o País. Terá que se tornar um cidadão global, como exige o mundo moderno, como nos permitem as tecnologias modernas. E pode mergulhar no mistério do Universo, que, embora intangível, é a ele que pertencemos.
Somos a ponta de lança da História – já dizia o Jesuíta francês Teilhard de Chardin –, e agora a Terra está em nossas mãos. Muito mais, estamos nas mãos da Terra. Essa consciência se tornou definitiva para toda a humanidade e tornou-se um desafio particularmente para os cristãos.
(Texto originalmente publicado na “Família Cristã e posteriormente inserido no Portal Paulinas)
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
EcoDebate, 23/04/2014

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