shutterstock lixo Devemos criar aparelhos que não envenenem o planeta
Foto: shutterstock
Vendas recordes de tablets, notebooks e smartphones. Computadores cada vez menores, televisores mais finos, telas mais luminosas e câmeras mais precisas. O que poderia haver de errado na explosão mundial das vendas de equipamento eletrônico e digital vista neste Natal? Os consumidores adoram os designs elegantes e a nova conectividade que oferecem, as empresas não conseguem produzir o suficiente para um mercado global enorme e faminto, e os governos veem a inovação tecnológica e a renovação de equipamentos como uma maneira rápida de sair da recessão. Esta é uma nova era da máquina, e o equipamento eletrônico é indispensável na casa e no trabalho.
Mas existe um lado negativo nessa revolução que os governos e as empresas até agora ignoraram. No impulso para gerar renovação rápida e novas vendas, as companhias deliberadamente tornaram impossível reparar seus produtos e encurtaram a vida útil dos equipamentos.
O hardware é desenhado para não acompanhar o software, a vida de um computador hoje é inferior a dois anos e os telefones celulares são atualizados a intervalos de meses. Muitos equipamentos eletrônicos hoje têm peças que não podem ser removidas ou substituídas. Antes era mais barato comprar um equipamento novo do que consertá-lo; hoje chegamos a um ponto em que é simplesmente impossível consertar.
O resultado é que não há possibilidade de reciclar a maior parte do equipamento eletrônico. Conforme os dispositivos são miniaturizados, tornam-se cada vez mais complexos. Um único notebook pode conter centenas de substâncias diferentes, dezenas de metais, plásticos e componentes que são caros para descartar. Como vimos na semana passada em Gana, vastas quantidades desse “e-lixo” perigoso estão sendo atiradas nos países em desenvolvimento, onde cabe às pessoas mais pobres tentar extrair o que puderem, em condições arriscadas.
A escala do crescimento do lixo eletrônico é chocante e deixou para trás governos e autoridades. Até 2017, espera-se que haverá mais de 10 bilhões de dispositivos móveis conectados.
De menos de 10 milhões de toneladas de lixo eletrônico geradas em 2000, hoje atingimos quase 50 milhões de toneladas, com todos os sinais de que aumentarão 33% nos próximos cinco anos. A Grã-Bretanha vai descartar mais de 1,3 milhão de toneladas de eletrônicos este ano, a maior parte das quais será enviada para aterros, incinerada ou exportada.
O antigo modelo corporativo de “pegar, fazer e jogar fora” não é sustentável. Nossa atual obsessão por gadgets e tecnologia está levando a indústria a abrir novas minas ao redor do mundo, desperdiçando energia, biodiversidade e água em cada etapa da extração. Enormes áreas de dejetos tóxicos são criadas e deixadas para as futuras gerações.
Hoje, é crítico criar produtos que possam ser facilmente reciclados. As empresas devem ser desafiadas a repensar o modo como fabricam e obtêm suas matérias-primas para garantir que não haja dejetos do início ao fim. Os aparelhos devem ser reutilizáveis e reparáveis, e a obsolescência programada precisa ser desencorajada. As empresas também devem se tornar responsáveis por todo o ciclo de vida de seus produtos, especialmente quando se tornam obsoletos.
Os governos devem monitorar melhor os carregamentos de lixo nos portos. O lixo eletrônico não é fácil de esconder, e o mercado negro está atraindo o crime organizado. Os recursos naturais há muito tempo são usados para alimentar conflitos violentos e abusos aos direitos humanos, mas hoje devemos aceitar que os equipamentos eletrônicos podem ser igualmente perigosos. A venda de milhões de computadores e telefones celulares, e até os brinquedos eletrônicos que daremos neste Natal, está sendo promovida por um modelo empresarial cada vez mais defeituoso, que leva a um planeta esgotado e poluído.
* Publicado originalmente no The Observer e retirado do site Carta Capital.
(Carta Capital)