Um estudo assinado por três cientistas das universidades de Maryland e Minnesota, nos Estados Unidos, e divulgado há alguns dias, vem causando polêmica em vários países, mas teve pouca repercussão no Brasil. Entre os grandes jornais, só o O Globo abriu espaço para o estudo, no dia 19 de março, em sua editoria de Ciências. Título da reportagem: Nasa prevê que planeta está à beira do colapso.
A agência espacial norte-americana é citada também por jornais de vários países, principalmente o Reino Unido, como financiadora do estudo. Mas, no dia 20 de março, a Nasa se apressou a tirar o corpo fora. Em nota à imprensa, declarou que o estudo não foi solicitado, orientado ou revisado por ela. Esclareceu que se trata de um estudo independente feito por pesquisadores de universidades que utilizaram ferramentas de pesquisa desenvolvidas pela Nasa para outra atividade.
O próprio título do estudo explica esse cuidado da Nasa, uma agência do governo dos Estados Unidos, pois ele destaca a desigualdade na distribuição das riquezas no mundo como causa do colapso de nossa civilização.
Os autores tentam construir um modelo matemático simples para explorar as dinâmicas essenciais da interação entre população e recursos naturais. Concluem que duas características estiveram sempre presentes nas civilizações que soçobraram nos últimos milênios: a exploração predatória dos recursos naturais e a divisão das sociedades entre ricos e pobres, ou entre elites e comuns.
As elites controlam as riquezas acumuladas, inclusive alimentos, enquanto para a massa da população, que produz a riqueza, sobra apenas uma pequena parte, em geral o bastante para a sobrevivência. Como o consumo das elites tende a crescer, eventualmente os comuns se revoltam, dando início ao colapso. Até aí, nenhuma novidade. Karl Marx, entre tantos outros, escreveram sobre isso.
E não demorou quase nada para que os autores do estudo – Safa Motesharrei e Eugenia Kalnay, da Universidade de Maryland, e Jorge Rivas, da Universidade de Minnesota – fossem acusados de comunistas. De fato, o modelo matemático desenvolvido pela Nasa e utilizado por eles não se dedicava, originalmente, a medir como a desigualdade na distribuição de renda pode apressar o fim de uma civilização, como teria ocorrido várias vezes no passado. Essa questão foi introduzida por eles no modelo batizado pela Nasa como Human and Nature Dynamics (Handy).
Conforme a notícia publicada pelo O Globo, sem dar destaque a essa questão – compreensivelmente, dada a conhecida orientação pró-capital do jornal –, quanto maior a diferença entre ricos e pobres, maiores as chances de um desastre. “Segundo a pesquisa, a desigualdade entre as classes sociais pauta o fim de impérios há mais de cinco mil anos” – afirma o texto, no quinto parágrafo.
O diretor executivo do Institute for Policy Research & Development, Nafeez Ahmed, o primeiro a escrever sobre esse estudo – e o fez nas páginas do jornal britânico The Guardian –, afirma que, embora ele seja amplamente teórico, há muitos outros estudos mais empiricamente focados que alertam: a convergência das crises de alimento, água e energia poderia criar a tempestade perfeita dentro de aproximadamente 15 anos.
Nafeez Ahmed foi acusado de ter induzido jornais do mundo inteiro a atribuir o estudo à Nasa. Em http://bit.ly/1ex7tyL ele contesta um dos críticos e a própria nota da Nasa, reafirmando que a agência teve participação, sim, no apoio ao estudo.
Independentemente desse estudo, como lembrou O Globo em sua reportagem, a Nasa já constatou diversas vezes a multiplicação de eventos climáticos extremos, como o frio intenso do último inverno na América do Norte e o calor que, nos últimos meses, afligiu a Austrália e a América do Sul. “Seus estragos paralisam setores vitais para o funcionamento da sociedade”.
O fim da civilização pode ser adiado ou evitado, conforme o estudo, desde que ela passe por grandes modificações. As principais seriam o controle da taxa de crescimento populacional e a redução da dependência por recursos naturais e sua distribuição de uma forma mais igualitária. Não é nada fácil e resta pouco tempo, ao que parece, para que providências a esse respeito sejam tomadas.
A depender das elites, não haverá qualquer providência. E elas, nos últimos cinco mil anos, jamais foram tão poderosas como agora. Segundo o Guardian, o patrimônio das 85 famílias mais ricas do mundo é igual ao da metade da população mundial, como pode ser visto em http://bit.ly/1eEOnn6, na tradução do artigo de Graeme Wearden publicado no dia 20 de janeiro deste ano pela Folha de S. Paulo. Pobre civilização! Seus dias parecem já estar contados.
Fonte: kikacastro.com.br
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