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terça-feira, 22 de abril de 2014
COP21, a conferência de 2015 sobre o clima, artigo de José Goldemberg
[O Estado de S.Paulo] Será realizada em Paris no final do ano que vem uma grande conferência internacional (a COP 21), cuja agenda é chegar a um acordo global sobre mudanças climáticas, para entrar em vigor em 2020. Esse novo acordo deverá substituir o Protocolo de Kyoto, de 1997, que teve resultados decepcionantes.
O objetivo do Protocolo de Kyoto era reduzir as emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas. Mas adotou uma estratégia que não deu certo: os países em desenvolvimento – incluindo o Brasil, a China e muitos outros – foram desobrigados de reduzir suas emissões com a justificativa de que fazê-lo prejudicaria suas perspectivas de desenvolvimento. Além disso, os Estados Unidos mantiveram-se fora do protocolo. Como resultado, as emissões de gases-estufa, em lugar de decrescer, aumentaram cerca de 50% em relação a 1990.
A conferência de Paris em 2015 está programada para adotar um novo protocolo ou tratado abrangente, incluindo todos os países.
As grandes esperanças e o entusiasmo que levaram à adoção da Convenção do Clima em 1992, no Rio de Janeiro (Rio-92), se dissiparam, como ficou evidente na Rio+20, em 2012. Isso se deve em boa parte ao governo brasileiro, que abandonou a liderança que exerceu em 1992 para exercer o papel de “coveiro” em 2012.
É realista esperar resultados concretos da conferência de Paris? Para responder a essa pergunta é preciso lembrar que guerras se vencem nos campos de batalha, e não nas conferências de paz que se reúnem ao fim delas. Batalhas estão ocorrendo em muitos países para levar os governos a adotar medidas que reduzam a poluição em geral e as emissões de gases de efeito estufa em particular.
E elas estão ocorrendo por questões de interesse próprio, principalmente nos dois maiores emissores: Estados Unidos e China. No primeiro deles, em razão dos avanços tecnológicos e de aumentos de produtividade que, na prática, reduzem tais emissões. Na China o problema é devido à necessidade urgente de melhorar a qualidade do ar, que está sufocando suas cidades. No país asiático, a produção de energia elétrica com a queima de carvão – que é o pior dos combustíveis, tanto do ponto de vista ambiental quanto de eficiência – e o aumento do uso de automóveis que utilizam gasolina são a origem da poluição.
Estados Unidos e China, juntos, representam mais de 50% das emissões de gases de efeito estufa e a eles se junta a União Europeia, onde a França pretende desempenhar papel de liderança, como tem declarado o presidente François Hollande. Na sua recente visita aos Estados Unidos, Hollande declarou que “o objetivo da conferência não é apenas encher os hotéis de Paris, mas o de atingir um acordo global, porque estamos em perigo”.
O recente episódio da capital francesa envolta em poluição – causada por automóveis e caminhões -, obrigando o governo a adotar rodízio de carros, vai reforçar a determinação de Hollande, que é a de reduzir as emissões em 20% – abaixo do nível de 1990 – até 2020, aumentando a participação de fontes renováveis de energia na França em até 20%.
Diante desse quadro, os países em desenvolvimento (entre os quais o Brasil) que até agora não assumiram obrigações de redução de emissões vão ser submetidos a fortes pressões para participarem do esforço global. A estratégia desses países – agrupados no assim chamado Grupo dos 77 – foi sempre a de adiar assumir responsabilidades em nome de vagas ideias sobre equidade e “responsabilidades históricas” dos países que se industrializaram no fim do século 19 e meados do século 20.
Os países industrializados podem ser responsabilizados por muitos dos males que afligem hoje a humanidade, como a herança colonial, a distribuição desigual da renda per capita e tantos outros. Tentar, todavia, compensar esses males usando a Convenção do Clima para isentar os países em desenvolvimento de esforços para evitar novas catástrofes, como as causadas por mudanças climáticas, tem um forte componente de ingenuidade e de falta de realismo.
Por essa razão, as conferências preparatórias para a grande conferência de Paris tornaram-se campos férteis para a retórica, a advocacia e até o turismo. Discute-se agora se decisões tomadas anteriormente, como a de que “todos os países” devem contribuir para reduzir as emissões, violam a Convenção do Clima, a qual dividiu os países em duas categorias: a dos industrializados, que deveriam reduzir suas emissões, e a dos países em desenvolvimento, que seriam isentos dessas obrigações.
A Convenção do Clima foi adotada em 1992 – há 22 anos, portanto – e muitas coisas mudaram desde então. Uma delas é a contribuição da China, que já supera as emissões dos Estados Unidos.
Os lideres políticos entenderam isso muito bem quando tentaram em Copenhague, em 2009, resolver esses problemas. Até o então presidente Lula concordou em apresentar “metas voluntárias” de reduções, que são questionáveis do ponto de vista técnico, mas politicamente representam um avanço porque são o reconhecimento de que os países em desenvolvimento também têm de contribuir.
O surpreendente é que desde então a diplomacia brasileira parece ter esquecido o que os chefes de Estado aceitaram em Copenhague e hoje se associa às teses mais retrógradas em discussão.
Se há uma área em que o Brasil poderia liderar e se destacar no cenário internacional, é a de mudanças climáticas. Isso ocorreu nos preparativos da Conferência do Rio em 1992. Essa liderança, contudo, foi perdida, como se viu na Rio+20, e não será recuperada se até 2015 a posição brasileira não mudar.
José Goldemberg, Professor Emérito da USP, foi Secretário do Meio Ambiente da Presidência da República durante as Negociações da Rio-92
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo EcoDebate, 22/04/2014
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