Águas baixam, mas estrago das hidrelétricas permanece
O senador Jorge Viana (PT-AC) divulgou, em sua página no Facebook, imagem que mostra que a estrada BR 364 começa a ressurgir das águas barrentas do Madeira. Os prejuízos da cheia histórica começam a ser calculados, assim como o papel das usinas.
Rio Madeira começa a baixar da maior cheia de sua história, mas os rumos da política energética brasileira ainda precisam mudar, segundo ativista.
Albert Einstein disse que “não podemos resolver problemas pensando da mesma maneira que quando os criamos.” É evidente que as autoridades do governo brasileiro responsáveis pelo planejamento energético não levam em consideração tal sabedoria ao continuar promovendo o uso de usinas hidrelétricas em resposta à última crise energética no país, pondo em risco os povos da Amazônia, rios e florestas. Mas os ventos das mudanças climáticas continuam a soprar, trazendo o período de secas e inundações catastróficas que poderiam levar esse castelo de cartas por água abaixo.
Durante dois anos seguidos, as secas têm atingido o Sudeste do Brasil e o governo vem maximizando o uso de energia suja e cara produzidas pelas termelétricas para atender a demanda energética do país. Historicamente, a falta de água nos rios e reservatórios paralisam o uso das turbinas nas usinas em um país altamente dependente da energia hídrica. Na verdade, quase 80% da energia do Brasil é produzida em barragens, construídas com base no pressuposto de que os padrões de precipitação permanecerão regulares e constantes. O estragos criados pelas imprevisíveis mudanças climáticas contrariam esse modelo energético.
A queda de energia põe em risco o abastecimento de eletricidade no país. Essas cenas de déjà vu têm criado insatisfação e aumentado o escrutínio público sobre o governo da Dilma Rousseff em um momento crítico, já que este é ano eleitoral. No entanto, enquanto esta situação cria uma demanda por inovação e visão para liderar o país através de um modelo energético mais diversificado, limpo e dinâmico, os responsáveis pelo planejamento do governo insistem que a atual crise no setor hidrelétrico exige que o país deva construir mais barragens! Einstein deve estar revirando-se nesse momento.
Enquanto isso, na Amazônia, onde a construção de barragens continua sendo uma prioridade que ameaça os direitos humanos e destrói o meio ambiente, inundações catastróficas abriram e desvendaram outro “buraco” nos planos do governo. As mega-barragens de Santo Antônio e Jirau, construídas no percurso do Rio Madeira, são conhecidas por serem as primeiras barragens na Amazônia durante o governo do PT. Ao invés de aumentar a produção de energia no Brasil, essas barragens estão criando mais inundações no Rio Madeira como nunca visto antes. Apenas agora é que as águas estão começando a baixar, depois de mais de um mês de cheia extrema, com impactos provavelmente ampliados pelos lagos das usinas.
Com suas maciças paredes de concreto cortando o rio, as barragens do “Complexo Madeira” retêm as águas do Madeira e, devido à grande quantidade de chuva na região e talvez também ao degelo nos Andes, podem até alagar o país vizinho, a Bolívia, onde a inundação matou mais de 60 pessoas e 90.000 cabeças de gado, causando danos por enquanto incalculáveis.
A inundação do Rio Madeira colocou em risco a cidade de Porto Velho, onde milhares de famílias foram evacuadas pela força do rio. Devido ao nível d’água, o estado do Acre ficou completamente isolado, o alagamento de estradas levou o governador Tião Viana (PT) a declarar estado de emergência. Só agora, depois de semanas, pode-se ver novamente a estrada, antes debaixo d’água. O dilúvio é considerado por alguns “o maior desastre ambiental que a Amazônia já viveu”, disse o governador.
As usinas hidrelétricas no Brasil são os verdadeiros vilões nessa história, alterando drasticamente o fluxo natural do mais importante afluente do Rio Amazonas, criando inundações desastrosas.
As águas violentas do Madeira romperam as ensecadeiras de barro da Usina de Jirau, inundando o seu canteiro de obras e comprometendo a programação prevista para geração de eletricidade. Na hidrelétrica de Santo Antônio, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ordenou que as turbinas fossem desligadas, a fim de reduzir as inundações no percurso da barragem. Esta situação de emergência diminui o abastecimento de energia elétrica gerado pela barragem de Santo Antônio, agravando ainda mais a escassez de energia no país. Ambos cenários demonstram a fragilidade do modelo energético do Brasil que depende de usinas hidrelétricas. Ai nos perguntamos: o que poderia levar os responsáveis pelo planejamento energético do país a quererem construir mais barragens?
Líderes brasileiros, como Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA), estão pedindo a renúncia do ministro da Energia, Edison Lobão, devido a essa crise, mas infelizmente a renúncia desse político provavelmente não mudaria o pensamento predominante do setor energético brasileiro. Essa não é uma medida simplesmente teimosa ou irresponsável: ela é calculada e corrupta, procurando manter o status quo, transferindo grande quantidade de verba pública para certos interesses e setores das áreas de construção civil, energia e mineração.
No Brasil, o que estamos testemunhando – onde secas e inundações estão mudando as condições climáticas – é exatamente o mesmo tipo de fenômeno que os cientistas previram que irá ocorrer com mais frequência nos próximos anos. Enquanto parece impossível reformar o setor de energia, mesmo com a crise climática da situação atual, a pressão pública poderá forçar uma mudança de rumos. Somente então o passivo do Brasil com as comunidades afetadas pelas usinas, assim como os rios dos quais elas dependem, vão estar aparecer nesse caminho tortuoso da agenda hidroelétrica.
* Traduzido por Henrique Gobbi.
** Publicado originalmente na AmazonWatch e retirado do site Carta Capital.
(Carta Capital)