A campanha contra os agrotóxicos ganha a dimensão real de superação do que temos, a partir da construção do projeto popular para o Brasil que queremos.
A campanha contra o agrotóxico e pela vida protagonizada pela Via Campesina e demais movimentos sociais articulados da cidade traz, para a sociedade brasileira, dois debates históricos centrais:
1) a produção e o consumo de venenos no Brasil;
2) o modelo de desenvolvimento econômico-social-político (inter)nacional e seu caráter estrutural de disseminação de doenças para a sociedade em geral, mas especialmente para a classe trabalhadora.
Sobre a produção de alimentos
Dados do IBGE relatam que a agricultura familiar e camponesa no Brasil soma quase 85% das propriedades agrícolas do país, ocupando, contraditoriamente, apenas 24% do espaço.
Em suas terras trabalham aproximadamente 12,5 milhões de pessoas o que corresponde a 74,5% do total dos trabalhadores do campo. Destas propriedades saem quase 70% dos alimentos consumidos pelas famílias brasileiras diariamente.
Mas, de forma cada vez mais intensa, a produção familiar-camponesa está subordinada e condicionada à lógica imperante do modelo agrário imperialista no território. Por um lado, esta produção se divide entre a matriz da agroindústria e a subordinação à matriz tecnológica da revolução verde, consumidora de insumos industriais.
Por outro lado, o agronegócio – aliança entre os grandes proprietários de terra, o capital financeiro e as empresas transnacionais – dita as regras no campo brasileiro, cujo objetivo é a produção de commodities para a exportação.
Com a venda de um bilhão de litros de veneno na última safra, as empresas estrangeiras se apropriam de cerca de 80% do lucro gerado pela produção de veneno, com destaque para a concentração do poder econômico da Syngenta, Bayer, Basf, Dupont, Monsanto, Shell Química.
O modelo de desenvolvimento dependente
A característica marcante do capital imperialista no Século 21 é sua capacidade de metamorfosear-se para ganhar, de forma extraordinária, em cada uma das áreas em que atua e com isto tentar, de maneira permanente, conter as crises que são inerentes ao seu modo de operar. Capital comercial, capital bancário, capital industrial, são algumas dessas faces do mesmo capital.
Além de vender veneno para o campo para a produção de alimentos para o povo brasileiro, o capital produtivo do veneno associa-se, como capital bancário, às regras legais do Estado que, em sua forma de financiar a agricultura familiar-camponesa, atrela o crédito a uma série de condicionantes centradas na compra destes bens.
O dinheiro emprestado na forma de crédito torna-se irmão siamês do capital por dois motivos: 1) o agronegócio não consegue produzir sem a injeção de R$ 107 bilhões por ano, para tirar R$ 150 bilhões da venda de mercadorias; 2) o principal objetivo desta aliança de capitais é o de transformar tudo em mercadoria para obtenção de lucro, na forma de insumos industriais produzidos pelas empresas transnacionais, como o exemplo do veneno.
Isto não é diferente do que acontece com o capital industrial, que transforma praticamente todos os elementos da vida em valores de troca. Assim, saúde, terra, educação, trabalho, vão ganhando um destaque na compra e venda do comércio ditado pelo grande capital. E a propaganda de “naturalização” do modelo ganha corpo e evidência, ainda em meio às mais perversas situações vividas no cotidiano pelo povo brasileiro.
O aumento progressivo de doenças como o câncer em todas as faixas etárias, traz à luz um debate central manifesto na campanha contra o agrotóxico e pela vida que devem ser consideradas, tanto no debate quanto na (re)ação necessária à luta contra a vida envenenada.
O câncer como uma doença “naturalizada”
Segundo a União Internacional contra o Câncer, mais de 160 mil crianças no mundo são diagnosticadas com a doença a cada ano, e 80% destas crianças vivem em países em desenvolvimento. Enquanto três entre quatro crianças têm chances de sobreviver após cinco anos de tratamento, estima-se que, nos países em desenvolvimento, mais da metade das crianças têm probabilidade de morrer. Somente nos Estados Unidos, a incidência anual é de sete mil novos casos por ano.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INC), define esta doença como uma das primeiras causas de morte entre crianças e jovens de zero a 19 anos, só perdendo para violências e crimes.
A estimativa do INC do total de pessoas com câncer no país foi de 490 mil casos – 237 mil homens, 253 mil mulheres afetados com a doença.
Deste grupo, existem de 12 a 13 mil crianças acometidas com câncer, fora os que têm a doença, mas não são diagnosticados e morrem.
Outro destaque importante do estudo é a diferença entre as regiões, a partir do grupo de idade e sua média em relação à nacional.
Josué de Castro e sua atualidade
Em 1946, Josué de Castro, um médico comprometido com a vida e contrário ao veneno já defendia que a fome enquanto fenômeno social e histórico era um tabu rentável no Brasil e no mundo. Quase um século depois, vemos a complexidade do problema, pois não só não dormem os que comem bem, com medo dos que não comem.
Parte expressiva dos que comem – mal – não dorme porque suas enfermidades físicas, fruto do histórico processo de desenvolvimento econômico envenenado no campo e na cidade, trazem dores e consequências múltiplas para eles e para os que cuidam deles.
Enquanto isto, o Estado entrega ao capital a responsabilidade de cuidar da saúde de seu povo. É isto o que representa os 3,91% do orçamento destinado à saúde em 2010. Uma associação – via parceria público-privada – entre o Estado e o grande capital para tentar curar de forma mercantil aquilo que ele foi sócio na produção (uso de veneno).
A campanha contra os agrotóxicos é um processo permanente de vinculação entre o campo e a cidade. Seu ponto de partida é o de relatar como se produz alimento que comemos enquanto trabalhadores brasileiros. Mas vai além e ganha, no processo pela vida e contra o veneno, a dimensão real de superação do que temos, a partir da construção do projeto popular para o Brasil que queremos.
* Roberta Traspadini é economista, educadora popular, integrante da organização Consulta Popular.
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.
(Brasil de Fato)
A campanha contra o agrotóxico e pela vida protagonizada pela Via Campesina e demais movimentos sociais articulados da cidade traz, para a sociedade brasileira, dois debates históricos centrais:
1) a produção e o consumo de venenos no Brasil;
2) o modelo de desenvolvimento econômico-social-político (inter)nacional e seu caráter estrutural de disseminação de doenças para a sociedade em geral, mas especialmente para a classe trabalhadora.
Sobre a produção de alimentos
Dados do IBGE relatam que a agricultura familiar e camponesa no Brasil soma quase 85% das propriedades agrícolas do país, ocupando, contraditoriamente, apenas 24% do espaço.
Em suas terras trabalham aproximadamente 12,5 milhões de pessoas o que corresponde a 74,5% do total dos trabalhadores do campo. Destas propriedades saem quase 70% dos alimentos consumidos pelas famílias brasileiras diariamente.
Mas, de forma cada vez mais intensa, a produção familiar-camponesa está subordinada e condicionada à lógica imperante do modelo agrário imperialista no território. Por um lado, esta produção se divide entre a matriz da agroindústria e a subordinação à matriz tecnológica da revolução verde, consumidora de insumos industriais.
Por outro lado, o agronegócio – aliança entre os grandes proprietários de terra, o capital financeiro e as empresas transnacionais – dita as regras no campo brasileiro, cujo objetivo é a produção de commodities para a exportação.
Com a venda de um bilhão de litros de veneno na última safra, as empresas estrangeiras se apropriam de cerca de 80% do lucro gerado pela produção de veneno, com destaque para a concentração do poder econômico da Syngenta, Bayer, Basf, Dupont, Monsanto, Shell Química.
O modelo de desenvolvimento dependente
A característica marcante do capital imperialista no Século 21 é sua capacidade de metamorfosear-se para ganhar, de forma extraordinária, em cada uma das áreas em que atua e com isto tentar, de maneira permanente, conter as crises que são inerentes ao seu modo de operar. Capital comercial, capital bancário, capital industrial, são algumas dessas faces do mesmo capital.
Além de vender veneno para o campo para a produção de alimentos para o povo brasileiro, o capital produtivo do veneno associa-se, como capital bancário, às regras legais do Estado que, em sua forma de financiar a agricultura familiar-camponesa, atrela o crédito a uma série de condicionantes centradas na compra destes bens.
O dinheiro emprestado na forma de crédito torna-se irmão siamês do capital por dois motivos: 1) o agronegócio não consegue produzir sem a injeção de R$ 107 bilhões por ano, para tirar R$ 150 bilhões da venda de mercadorias; 2) o principal objetivo desta aliança de capitais é o de transformar tudo em mercadoria para obtenção de lucro, na forma de insumos industriais produzidos pelas empresas transnacionais, como o exemplo do veneno.
Isto não é diferente do que acontece com o capital industrial, que transforma praticamente todos os elementos da vida em valores de troca. Assim, saúde, terra, educação, trabalho, vão ganhando um destaque na compra e venda do comércio ditado pelo grande capital. E a propaganda de “naturalização” do modelo ganha corpo e evidência, ainda em meio às mais perversas situações vividas no cotidiano pelo povo brasileiro.
O aumento progressivo de doenças como o câncer em todas as faixas etárias, traz à luz um debate central manifesto na campanha contra o agrotóxico e pela vida que devem ser consideradas, tanto no debate quanto na (re)ação necessária à luta contra a vida envenenada.
O câncer como uma doença “naturalizada”
Segundo a União Internacional contra o Câncer, mais de 160 mil crianças no mundo são diagnosticadas com a doença a cada ano, e 80% destas crianças vivem em países em desenvolvimento. Enquanto três entre quatro crianças têm chances de sobreviver após cinco anos de tratamento, estima-se que, nos países em desenvolvimento, mais da metade das crianças têm probabilidade de morrer. Somente nos Estados Unidos, a incidência anual é de sete mil novos casos por ano.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INC), define esta doença como uma das primeiras causas de morte entre crianças e jovens de zero a 19 anos, só perdendo para violências e crimes.
A estimativa do INC do total de pessoas com câncer no país foi de 490 mil casos – 237 mil homens, 253 mil mulheres afetados com a doença.
Deste grupo, existem de 12 a 13 mil crianças acometidas com câncer, fora os que têm a doença, mas não são diagnosticados e morrem.
Outro destaque importante do estudo é a diferença entre as regiões, a partir do grupo de idade e sua média em relação à nacional.
Josué de Castro e sua atualidade
Em 1946, Josué de Castro, um médico comprometido com a vida e contrário ao veneno já defendia que a fome enquanto fenômeno social e histórico era um tabu rentável no Brasil e no mundo. Quase um século depois, vemos a complexidade do problema, pois não só não dormem os que comem bem, com medo dos que não comem.
Parte expressiva dos que comem – mal – não dorme porque suas enfermidades físicas, fruto do histórico processo de desenvolvimento econômico envenenado no campo e na cidade, trazem dores e consequências múltiplas para eles e para os que cuidam deles.
Enquanto isto, o Estado entrega ao capital a responsabilidade de cuidar da saúde de seu povo. É isto o que representa os 3,91% do orçamento destinado à saúde em 2010. Uma associação – via parceria público-privada – entre o Estado e o grande capital para tentar curar de forma mercantil aquilo que ele foi sócio na produção (uso de veneno).
A campanha contra os agrotóxicos é um processo permanente de vinculação entre o campo e a cidade. Seu ponto de partida é o de relatar como se produz alimento que comemos enquanto trabalhadores brasileiros. Mas vai além e ganha, no processo pela vida e contra o veneno, a dimensão real de superação do que temos, a partir da construção do projeto popular para o Brasil que queremos.
* Roberta Traspadini é economista, educadora popular, integrante da organização Consulta Popular.
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.
(Brasil de Fato)
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