Lá por meados da década de 1990, quando Axl Rose, Slash e o resto da turma do Guns N’ Roses arrebentavam nas paradas de sucesso, eu ainda estava na faculdade de jornalismo e ajudava moderadamente nas atividades do restaurante que minha família mantinha em Cotia, na região Oeste da Grande São Paulo. Recebia algum salário pelo trabalho, que era suficiente para abastecer o carro e ir a festas. E foram naqueles anos que dois episódios marcariam o meu ponto-de-vista sobre os profissionais e a profissão que havia escolhido meio que no susto.
O primeiro envolve um professor de História da rede pública. Aquela figura robusta e popular na cidade – pelo menos até aquele momento – começava a se engajar no jornalismo comunitário. Um grupo de agentes cotianos tinha acabado de instalar uma antena de radiodifusão em um bairro carente do município, dando início à rádio pirata, da qual ele (e as vezes também eu) participava com afinco.Em determinado dia, o professor estava mais entusiasmado do que o comum. Ele carregava uma notícia bombástica, literalmente falando: uma bomba explodiria a prefeitura da cidade, localizada quase em frente ao nosso restaurante. O homem não cabia em si mesmo. “Agora que virei jornalista, você sabe como é, torço para que desgraças aconteçam”, disse animado. Apesar de todo o alvoroço causado pela ação da polícia, movimento da pequena mídia local e toda a torcida, nada aconteceu. Foi apenas um boato para sacudir um pouco a monotonia típica da Cotia dos anos 90s, mas o Apetite for destruction (apetite por destruição) do Guns N’ Roses dava suas caras.
Em outro momento, pedi uma oportunidade de trabalho a um jornalista que frequentava o estabelecimento familiar. Ele editava um dos jornaizinhos da cidade e se impressionou com minha pro-atividade (?). Então me disse para ir até a redação do semanário onde conversaríamos sobre o assunto. Ali, o periodista já foi dizendo que não tinha dinheiro para pagar salário e, em seguida, deu uma breve aula de jornalismo ao jovem aspirante a foca. Falou sobre lead, pirâmide invertida e o principal: “notícia não é quando o cachorro morde o homem, mas quando o homem morde o cachorro”. Depois daquele dia, ouvi essa mesma historinha algumas dezenas de vezes.
Os anos se passaram e as ideias proferidas por esses dois personagens continuam vivas na prática do jornalismo. Realmente são pontos difíceis para um jornalista se desvencilhar. Há estudos comprovando que desgraça vende muito mais do que notícias boas. E como ouvi do vice-presidente editorial de uma das maiores editoras da América Latina, as empresas de mídia estão aí para ganhar dinheiro.
Nesse sentido, acho que os jornalistas que trabalham com a temática da sustentabilidade são diferentes da maior parte dos outros setoristas. Nós clamamos por notícias boas. Adoramos dizer que uma turma de jovens cientistas conseguiu produzir energia a partir do fio de cabelo (coitado dos carecas) ou do grito da torcida nos estádios. Vibramos ao descobrir que são crescentes os investimentos focados no desenvolvimento sustentável. A diminuição da pobreza e da fome, então, são temas que colocamos na capa de nossas publicações.
Infelizmente, ainda temos que lidar com as notícias ruins. Apesar de tanta coisa boa aparecendo, elas ainda tomam grande parte do nosso tempo. Afinal, não dá para ignorar o último relatório do IPCC, os fracassos das COPs, bancadas ruralistas, desmatamentos crescentes e uma ministra do Meio Ambiente dizendo que o aquecimento global não é tão ruim quanto pintam.
Queremos mais boas notícias boas, por favor.
* Publicado originalmente no site Mercado Ético.
(Mercado Ético)
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