“Queremos uma indenização verdadeira”, reclama Luis Nascimento de Freitas, um pescador de Vila Teotônio, o povoado localizado na margem do Rio Madeira que será inundado para formação da represa da Central Hidrelétrica Santo Antônio. O consórcio que constroi a usina oferece uma casa melhor às famílias desalojadas, reconhece. Mas, alerta que não serão indenizados devidamente “pela perda de sua fonte de renda”, que são a pesca e o turismo “Nós, nativos, somos os únicos prejudicados, viveremos em uma bela casa, mas sem dinheiro no bolso”, ressalta Freitas.
Esta insatisfação reflete os conflitos gerados pelas usinas hidrelétricas que se multiplicam na Amazônia brasileira e peruana. O progresso, que sempre exige mais energia, atropela indígenas, pescadores e outros povos ribeirinhos, sacrificando seu habitat e, por fim, a diversidade biológica e cultural. Mesmo assim, a Santo Antônio Energia (SAE), associação de sete empresas e fundos de investimento que ganhou a concessão, afirma que a central em construção inaugura um “novo modelo” no Brasil, ao realizar uma gigantesca obra de infraestrutura que promove desenvolvimento social e a valorização dos recursos naturais.
As 104 famílias que viviam ao lado da cascata de Teotônio puderam escolher entre receber R$ 120 mil, em média, para comprar uma casa em outro lugar e sobreviver na transição, ou se mudar para o novo povoado erguido para recebê-las, distante dois quilômetros. A Vila Nova Teotônio conta com 72 casas coloridas e saudáveis, feitas com placas pré-fabricadas e com grandes quintais, escola, quadras e equipamentos de lazer, além de lojas para os que tinham restaurantes e outros negócios na velha e rústica vila de madeira.
Este mês, 42 famílias se mudaram para o novo povoado, onde se pretende restaurar a tradição pesqueira e culinária do anterior, ao se aproximar da margem da represa dentro de três ou quatro anos. A maioria preferiu o dinheiro e se mudar para uma cidade mais próxima. “Mas, quem sai volta. Gastam o dinheiro e voltam à pesca, não sabem fazer outra coisa”, afirma José dos Santos, que “por pressão familiar” comprou uma casa em Porto Velho, capital de Rondônia. “Nasci aqui e vivi aqui, agora terei de buscar outro negócio”, lamenta o pescador e dono de duas embarcações para turismo de pesca.
A represa afetará 1.175 famílias rurais e 504 urbanas em processo de reassentamento ou indenização, cerca de um quarto negocia suas reclamações, organizadas no Movimento de Afetados por Represas (MAB). As queixas por maior indenização não se contradizem com as melhorias no tratamento aos desalojados. O MAB, só agora reconhecido como interlocutor, estima que são mais de um milhão de famílias expulsas por hidrelétricas já construídas no Brasil e que 70% delas não respeitaram seus direitos.
É uma situação inimaginável hoje, em que a aprovação ambiental dos projetos exige indenizar e reassentar os afetados. Seus custos fazem parte do orçamento e isso ajuda a encarecer a energia no Brasil, segundo os críticos das exigências ambientais. A hidrelétrica de Santo Antônio precisa desenvolver 28 programas para mitigar ou compensar impactos ambientais e sociais, como condição para sua construção e futura operação.
Até agora, nada aconteceu, apesar dos temores de tragédias que supostamente seriam causadas pela central de Santo Antônio e Jirau, a outra hidrelétrica em construção 120 quilômetros acima no mesmo Madeira, ambas iniciadas há dois anos e com um terço da obra já pronta. Não foi registrada nenhuma epidemia incontrolável de malária e tampouco uma explosiva migração para a cidade de Porto Velho, a dez quilômetros de Santo Antônio.
Pelo contrário, “houve forte redução da malária” em áreas de impacto direto de Santo Antônio, afirma José Carlos de Sá, analista de Relações Institucionais da empresa, atribuindo isso ao programa de prevenção da hidrelétrica, que distribuiu mais de 14 mil mosquiteiros impregnados de inseticida à população e diversos equipamentos à prefeitura local. Os 19.950 casos diagnosticados no ano passado em Porto Velho foram 12,9% inferiores aos de 2008, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Dados parciais indicam tendência semelhante este ano.
“Não se pode afirmar que esse resultado seja produto do trabalho da empresa”, afirma Tony Katsuragawa, biólogo coordenador de Epidemiologia do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais (Ipepatro). É que a malária diminuiu em toda a Amazônia desde 2005, sem causas comprovadas, mas que podem incluir uma combinação de fatores naturais, como estiagens mais prolongadas, desmatamento e ciclos da doença, acrescentou.
Além disso, a tendência variou nas nove regiões administrativas do município de Porto Velho e os dados mensais do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde indicam aumento de casos em algumas regiões a partir de 2008, quando começou a construção de Santo Antônio, afirma. “Não houve a explosão” prevista pela aglomeração humana nas margens do rio, reconhece o pesquisador Tony, mas a situação da malária mudou também em todo o país, e a grande prova virá quando se encher a represa da hidrelétrica, multiplicando locais propícios para a reprodução dos mosquitos vetores.
Também não aconteceu a explosão demográfica com ao afluxo de cem mil pessoas buscando emprego em Porto Velho, município de 426.558 habitantes, segundo o censo deste ano, 91.973 a mais do que em 2000. As hidrelétricas atraíram pouco mais de 40 mil pessoas, segundo a prefeitura. Os efeitos são sentidos nos preços elevados de imóveis e no déficit de escolas, mas, com as duas obras oferecendo cerca de 30 mil empregos diretos e grandes empresas instalando-se na cidade, o desemprego não se agravou.
Em Santo Antônio, entre 84% e 86% dos empregados são antigos residentes do lugar, afirma Eduardo Bezerra, Relações Institucionais da Odebrecht, a construtora que lidera a sociedade concessionária. Inicialmente, a meta era ter 30% de mão-de-obra local. Para capacitar os trabalhadores, a Odebrecht criou em Porto Velho o programa Acreditar, que já se estendeu a outras cidades e deu cursos básicos e técnicos a 54 mil jovens e adultos de todo o Brasil.
Santo Antônio também é a primeira grande central brasileira de turbinas do tipo bulbo, movimentadas pela força do curso d’água, e não por sua queda. Por isto, não é necessária uma grande represa, reduzindo o impacto ambiental. Suas 44 turbinas vão gerar potência de 3.150 megawatts. Tantos avanços não redimem o pecado de bloquear um grande rio amazônico, destruindo ecossistemas, biodiversidade e a vida de milhares de pessoas, para enriquecer as construtoras e indústrias de grande consumo energético, segundo ambientalistas como Telma Monteiro, coordenadora da Energia da Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental.
Em sua opinião, “não é verdade” o uso alardeado de mão-de-obra local, porque os consórcios contratam empresas que trazem seu pessoal de longe. Além disso, as concessionárias das duas hidrelétricas no Rio Madeira violam as leis, ao modificarem os projetos aprovados, sem fazer novos estudos de impacto ambiental, afirmou.
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FONTE : Mario Osava, da IPS. (Envolverde/IPS).
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