No momento em que estas linhas são escritas, continuam em Cancún, no México, as discussões no âmbito da Convenção do Clima, com escassas possibilidades de que até hoje à noite ou a madrugada de amanhã se consiga chegar a algum acordo sobre redução de emissões de poluentes obrigatório para todos os países – como já se comentou neste espaço na semana passada.
Mas sucedem-se ali as discussões, até entre os que acreditam que novas tecnologias poderão conduzir às grandes soluções para o drama das mudanças climáticas e os que lembram que não se conseguirá caminhar por aí sem equacionar também o problema das desigualdades no consumo no mundo, com os países industrializados (menos de 20% da população mundial) respondendo por quase 80% do consumo de recursos e com um gasto per capita de energia muitas vezes superior ao dos países mais pobres. Sem falar, ainda, na questão da fome, que continua a afligir quase 1 bilhão de pessoas.
Mais um ângulo da discussão foi acentuado em Cancún por um relatório do Banco Mundial (Estado, 5/12), lembrando que as áreas urbanas do mundo, já com mais de 50% da população total, emitem dois terços dos gases e são a causa mais importante do agravamento das mudanças climáticas – o que sugere que não haverá solução adequada sem provê-las de energia “limpa” e renovável. “Precisamos de cidades mais verdes”, diz o documento, repetindo o mote de mais de mil prefeitos num compromisso assinado em 2008 e não cumprido.
Outro estudo recente, do Prêmio Nobel de Química de 1998, professor Walter Kohn (Portal do Meio Ambiente, 23/9), lembra que o petróleo e o gás natural respondem hoje por 60% do consumo global de energia (somado o carvão, chega-se perto de 80%) e que a geração por esses caminhos ainda crescerá nas próximas décadas, com muitos países tentando aproximar-se do padrão de consumo dos EUA (que consomem, por exemplo, cinco vezes mais gasolina per capita que a média global). Mas ainda nesta primeira metade do século, pensa ele, as energias solar e eólica assumirão a vanguarda. Só na última década a fotovoltaica multiplicou a potência instalada em 90 vezes e a eólica, em dez vezes. Em dois anos (Envolverde, 10/11) as centrais termoelétricas a energia solar chegaram a 940 MW de capacidade instalada, principalmente na Espanha (onde há mais 28 em construção) e nos EUA.
Sempre que esse tema entra em discussão, é posto o argumento da inviabilidade das energias “alternativas” por causa do preço mais alto – que estaria aqui em R$ 290/MWh, ante R$ 120 nas centrais termoelétricas convencionais e R$ 85 nas hidrelétricas. Só que é uma conta na qual não entram as chamadas “externalidades” ambientais e sociais das fontes mais poluidoras, principalmente os custos que geram para os sistemas de saúde. Nos países onde os controles “ambientais” são mais severos, o avanço das energias renováveis é muito forte (Business Green, 24/8): na União Europeia, mais 8% em 2009, comparado com 2008, enquanto o gás recuou 10,1% e o carvão, 9,2%; a meta é chegar com as renováveis a 20% da matriz energética em 2020.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 2009 os investimentos no mundo nessa área chegaram a US$ 162 bilhões, quatro vezes mais que em 2004. E o Brasil ficou em quinto lugar, com US$ 7,8 bilhões (39% menos que em 2008), atrás da China e dos EUA (Ambiente Energia, 22/7). Diz o Pnuma que o Brasil pode economizar, só com a substituição de lâmpadas, pelo menos 3% da energia que consome, que significaria R$ 2 bilhões anuais e 4 milhões de toneladas de dióxido de carbono não emitidas.
Com a recente queda no custo, o setor das renováveis por aqui começa a expandir-se. Está entrando em construção a primeira fábrica de painéis para geração de energia solar, fruto de investimento de R$ 500 milhões de empresas brasileira e suíça, para produzir já em 2012 nada menos que 850 de mil painéis por ano, que custarão R$ 300 cada, para gerar por unidade 150 watts (O Eco, 29/11). Já no Ceará, um empresário começou a instalar postes de iluminação pública abastecidos por energias solar e eólica. O poste tem mecanismo em forma de avião, com três metros de comprimento, que captura energias do vento e do Sol e as deposita numa bateria com capacidade de até mil watts e autonomia de uma semana.
Até no Parque Indígena do Xingu estão sendo instaladas placas solares em aldeias, onde o Instituto SocioAmbiental promove cursos de capacitação (Socioambiental, 5/12) No Deserto do Saara, cientistas do Japão e da Argélia unem-se em projeto de fabricar células fotovoltaicas com silício ali abundante e gerar energia a ser enviada para várias partes do mundo por supercondutores resfriados por nitrogênio líquido. A primeira usina terá potência de 100 mil MW.
E provoca muito inveja projeto já em execução nos arredores de Paredes, em Portugal (New Scientist, 9/10), para implantar uma “cidade sustentável”, que terá um computador central com uma rede de sensores ligada a cada edifício, para monitorar temperatura, umidade, uso de energia (que será de fontes fotovoltaica e eólica), uso de água, geração de lixo, etc. Embora prevista para 2015, ela começará a funcionar no ano que vem. Os edifícios pré-fabricados serão cobertos por vegetação, para amenizar a temperatura, e poderão abastecer uns aos outros de água e energia caso necessário por alguma contingência. Nesses edifícios, a água de cozinha, reciclada, será usada nos banheiros. A água da chuva será filtrada e mantida em lagos públicos cercados por vegetação, que, depois de crescida, será abatida e usada para gerar biocombustível. O lixo, todo reciclado. Uma rede de câmeras em toda a cidade ajudará a encontrar crianças perdidas. E muito mais.
Chega a dar inveja. E fazer pensar, mais uma vez: quando serão discutidos a sério os dramáticos problemas das nossas cidades, principalmente as megacidades?
**********************
FONTE : Washington Novaes é jornalista. (artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo). (EcoDebate, 13/12/2010).
Nenhum comentário:
Postar um comentário