Brazzaville, República do Congo, 9/11/2010 – “Agora me envergonho de ter assinado os documentos para criar este parque, porque não sabia que morreríamos de fome em meio à floresta”, disse Mpaka-Mbouiti, líder da aldeia de Loussala, no Parque Nacional Conkouati-Douli, da República do Congo.
Em Ngoumbi, outra aldeia que fica dentro do parque, Célestin Mavoungou disse que “os animais são mais importantes do que a gente. Não temos direitos, nem mesmo quando os elefantes destroem nossas plantações, e nossas queixas diante das autoridades e conservacionistas não são consideradas”. O Congo tem 3,6 milhões de hectares de zonas de conservação, pouco mais de 11% de sua área total. O governo está determinado a fortalecer a proteção nessas áreas.
O Conkouati Douli cobre meio milhão de hectares no sul do país, que se estendem desde o Atlântico. Abriga várias espécies ameaçadas, entre elas chimpanzés, gorilas e elefantes e na área ribeirinha há uma das mais importantes reservas de tartarugas marinhas. Também é lar de aproximadamente três mil pessoas que vivem da caça, pesca e agricultura. O ecossistema do parque está ameaçado pelo desmatamento, pela contaminação da indústria petroleira e pela caça ilegal.
Em 1999, quando foi finalizado na região um projeto de conservação financiado pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF), as patrulhas contra a caça ilegal também pararam. As organizações conservacionistas comprovaram um aumento na quantidade de caçadores profissionais que matavam os animais para vender sua carne em Pointe-Noire, a segunda maior cidade do país.
Em novembro de 2008, o país aprovou a Lei sobre Natureza e Áreas Protegidas, que regula os parques nacionais e as áreas protegidas. Esta lei despojou as comunidades que habitam as florestas de todo direito de uso dentro das zonas centrais de conservação, definindo áreas periféricas onde é permitido caçar, pescar, e plantar.
Os caçadores devem ter autorização, que custa entre US$ 30 e US$ 100, dependendo da presa. Mas os moradores do lugar dizem que a lei causou confusão e dificuldades “Nem mesmo sabemos onde estão as áreas delimitadas para nosso uso, então duvidamos” quanto a cultivar, ou não, disse Mpaka-Mobouiti.
A situação não é diferente nos parques do norte do país. “Os guardas florestais não só nos proíbem caçar como entram na cozinha e vão direto para as panelas pegar um pedaço de carne” e assim verificar se é de algum animal da floresta, disse Clémentine, que vive em Ngombé, perto do Parque Nacional Nouabalé Ndoki.
Confrontado com tais reclamações, o titular do serviço de conservação e manejo da natureza não só justificou a ação do governo como fez uma advertência. Quem se queixa é “um grupo de gente cabeça dura que desafia os guardas florestais. Nos debates que mantivemos antes de assinar os acordos que criaram os parques eles sabiam muito bem que seria proibido caçar”, disse Pierre Kama.
A organização não governamental Wildlife Conservation Society (WCS), com sede nos Estados Unidos, apoia os esforços do Congo para criar e manejar parques durante 20 anos. E também não aceita as queixas dos moradores dessas áreas. “É mentira. Ninguém pode nos mostrar as aldeias onde isso ocorre”, disse Nazaire Massambe, responsável pela comunicação na filial congolesa da WCS.
“Se um guarda florestal vai conferir o que há na panela de alguma mulher, sem dúvida perderá tempo. Tudo o que tentamos é impedir a venda de carne de animais da floresta na cidade, não o consumo local”, acrescentou Nazaire. Entretanto, várias organizações de direitos humanos apóiam as comunidades florestais.
“Não nos opomos à conservação, mas o que ocorre aqui é que os direitos da população local são completamente violados”, disse Roch Euloge N’zobo, do Observatório Congolense de Direitos Humanos. O governo reconhece que cometeu erros, e anunciou algumas revisões à implementação da Lei sobre Natureza e Áreas Protegidas.
“Temos que admitir que no passado as comunidades florestais não participavam. Mas com a execução dos planos de manejo será necessário criar comitês de conservação”, disse Pierre. Um desses comitês funcionava desde 2009 no distrito de Sangha, onde as comunidades realizam projetos para resolver problemas de transporte em particular.
“O governo é responsável, considera cuidadosamente os direitos de uso das comunidades afetadas”, disse Joseph Moumbouilou, encarregado de pesquisas e projetos no Ministério de Desenvolvimento Sustentável. Para a WCS, as populações locais são, na realidade, as principais beneficiárias dos esforços de conservação.
“Empregamos mais de 300 agentes, e a maioria procede dessas comunidades”, disse Nazaire, acrescentando que na localidade de Bomassa, perto do Parque Odzala Kokoua, os estudantes recebem educação de graça. Estas comunidades também têm acesso a uma loja para compra de alimentos básicos com descontos.
O manejo deste parque, que é o mais importante do país com seu 1,5 milhão de hectares, acaba de ser entregue a uma empresa sul-africana, a The African Parks Network. Na aldeia de Ntandou Ngoma, perto do Parque Conkouati Douli, a comunidade tem acesso a água potável, canais de televisão e antenas de satélite graças a organizações conservacionistas.
“É uma cortina de fumaça: as comunidades verdadeiramente não ganham nada. A conservação apenas aliena seus direitos e também as empobreceu”, disse Roch Euloge. “Estamos em processo de traçar mapas com a participação da população local para que suas áreas de atividade possam ser claramente definidas e garantidas”, afirmou.
O tom é de confrontação, mas o resultado não tem de sê-lo. Daniel Akouele-Oba, presidente do Movimento de Jovens Congolenses para a Reflexão e Análise, destacou o ponto essencial. “A proteção e conservação da biodiversidade só terão êxito com a participação das comunidades locais”, afirmou.
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FONTE : Arsène Séverin, IPS (Este artigo é parte de uma série de reportagens sobre biodiversidade produzida por IPS, CGIAR/Bioversity International, IFEJ e Pnuma/CDB, membros da Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável).(IPS/Envolverde).
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