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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O problema de saber quantos já somos - Washington Novaes

Um dos temas mais discutidos na reunião da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) em Nagoya foi o do aumento da população mundial e consequente pressão por mais recursos e serviços naturais, quando vários relatórios já acusam a insustentabilidade do panorama – alguns chegam a situar em 50% o excesso de consumo, comparado com a capacidade de reposição do planeta, e em 30% a perda da biodiversidade global registrada em 40 anos. Soluções propostas não escaparam dos caminhos que até aqui têm ficado no terreno das boas intenções – reduzir o consumo global, baixar o consumo nos países industrializados (os maiores consumidores), baixar as taxas de crescimento da população.

Os números sobre população ali discutidos são, de fato, inquietantes: dos quase 7 bilhões de pessoas que já somos no mundo, chegaremos a 7,67 bilhões em 2020, a 8,3 bilhões uma década mais tarde, a 8,8 bilhões em 2040 e a 9,15 bilhões na metade do século – e tudo isso com as taxas de fertilidade (número de filhos por mulher em idade fértil) em declínio no mundo todo, já abaixo da taxa de reposição, de dois filhos (que substituem pai e mãe, sem aumentar a população). Embora essa taxa de fertilidade continue em declínio, o “estoque” de mulheres em idade fértil ainda é alto, por causa da alta natalidade nas últimas décadas do século 20 e início deste.

Mas quando se entra no terreno das propostas a discussão é complicada. Há quase 20 anos o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vem mostrando que os países industrializados, com menos de 20% da população mundial, consomem quase 80% dos recursos, com sua produção e as importações. Se todos os países consumissem como eles, diz o Pnud, seriam desnecessários mais dois ou três planetas. Por isso, quando se discute, como em Nagoya, a necessidade de países como a China e a Índia reduzirem a pressão sobre os recursos naturais, ambos respondem que sua taxa média de consumo de recursos ou de energia por habitante (a China tem perto de 1,4 bilhão de pessoas; a Índia, cerca de 1,1 bilhão) é muitas vezes menor que a da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. Na média, o que se mostrou na CDB no Japão é que os 33 países mais desenvolvidos têm uma “pegada de carbono” cinco vezes mais alta que a dos países mais pobres.

Nesse quadro, suscita curiosidade a notícia deste jornal (4/11) de que 6 milhões de pesquisadores (mais que a população de muitos países) começaram a visitar 400 milhões de residências para realizar em dez dias o censo demográfico na China, que tem cerca de 20% da população mundial. E um dos obstáculos será a população flutuante, perto de 200 milhões de “migrantes rurais” (mais que toda a população brasileira), que vagam pelo país, sem residência fixa, em busca de emprego. Mas não é só. Ninguém sabe quantas são as crianças “clandestinas”, não registradas para não violar a lei do filho único (perde o equivalente a um ano de rendimentos e outros benefícios sociais quem tenha mais de um filho e não o registre; funcionários públicos podem perder o emprego; agora as penalidades estão sendo reduzidas, até para facilitar o censo).

Por aqui, o primeiro levantamento divulgado pelo IBGE sobre nosso censo aponta 185 milhões de pessoas. Mas ainda faltam números (o autor destas linhas, em mais de 70 anos de vida, só em um censo teve sua residência visitada – e não foi neste). De qualquer forma, há dados relevantes. A taxa de fertilidade continua em baixa, inferior à taxa de reposição. Também caiu a média de pessoas por domicílio (de 3,79 para 3,37). E a projeção é de que cheguemos a 216,4 milhões de pessoas em 2030, quando a população começará a declinar, para chegar a 215,3 milhões em 2050. Números um pouco mais altos que os da análise feita pelo Ipea em outubro, de estatísticas da Pnad e do IBGE (Agência Brasil, 14/10), que apontou 206,8 milhões para 2030 e 204,7 milhões para 2040.

Relacionada com esses números, há uma interpretação curiosa do ex-ministro Pedro Malan, que atribui a elevação da produtividade e da renda no País à redução do número de dependentes por pessoa produtiva, que em uma década caiu de oito para cinco (Correio Braziliense, 22/8).

Sempre que o tema demográfico entra em discussão, emerge a questão dos custos previdenciários, já que tende a crescer a proporção de pessoas idosas (mais de 60 anos) na população. Elas eram 9,1% em 1999 e chegaram a 11,3% em 2009. As pessoas com mais de 70 anos eram 6,4 milhões (3,9%) e passaram a 9,7 milhões (5,1%). A esperança média de vida subiu para 73,1 anos. As análises pessimistas têm enfatizado que haverá um número cada vez maior de pessoas que dependerão, em suas aposentadorias, de uma quantidade menor de contribuintes. E sugerem revisões imediatas nos critérios de rendimentos de aposentados, para não agravar o “déficit da Previdência” – esquecendo-se de vários fatores, como o de que a maior parte do déficit da Previdência se deve ao pagamento de aposentadorias no setor público, muito mais altas, e não ao custo da aposentadoria no setor privado, em que os pagamentos de valor acima do salário mínimo têm declinado (em termos reais), por serem os reajustes inferiores aos índices do salário mínimo, que reajustam as aposentadorias até o valor máximo destes. É preciso lembrar ainda que os aposentados do setor privado contribuíram durante parte de sua vida sobre o máximo de 20 salários mínimos (para terem direito a aposentadorias de até 18 salários mínimos) e, do dia para a noite, viram o teto cair para 10 salários mínimos. Além de a aposentadoria inicial ser calculada sobre a média das contribuições nos últimos 36 meses, sem correção monetária – o que levou o valor a cair brutalmente nos tempos de inflação acentuada.

O censo é muito útil, revela muitas coisas. Mas é preciso que seja interpretado corretamente por quem legisla e/ou administra. E gere consequências justas.
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FONTE : Washington Novaes é jornalista (artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo). (Envolverde/Mercado Ético)

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