“As variações climáticas das chuvas são rotineiras. O que nos chama a atenção é que num intervalo de cinco anos, do início da primeira de 2005 até agora, nós tivemos a mais drástica seca, a terceira maior seca no rio Amazonas e, ainda, tivemos a maior enchente do mesmo rio em 2009”, fala Carlos Nobre ao analisar os fenômenos climáticos extremos que têm atingido diretamente a Amazônia. Em entrevista, concedida por telefone, à IHU On-Line, o meteorologista Carlos Nobre analisou as secas que assolam a região amazônica e analisou as consequências de uma possível savanização de parte da floresta. E questionou: “o que está acontecendo? Nós ainda não temos uma explicação completa sobre o porquê estamos vendo tantos recordes sendo quebrados em termos de cheias e secas na bacia do rio Amazonas em tão pouco espaço de tempo”.
Carlos Nobre é engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Na Massachussets Institute of Technology (EUA), realizou o doutorado em meteorologia. Recebeu o título de pós-doutor da University of Maryland (EUA). Atualmente, é pesquisador sênior no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É autor das obras Amazonian deforestation and climate (New York: John Wiley and Sons, 1996) e Regional Hidrological Impacts of Climatic Change – Impact Assessment and Decision Making (Oxfordshire: International Association of Hidrological Sciences, 2005).
IHU On-Line – O que há de anormal nessas secas na Amazônia?
Carlos Nobre – As variações climáticas das chuvas são rotineiras. O que nos chama a atenção é que num curto intervalo de cinco anos, do início da primeira seca em 2005, nós tivemos a mais drástica seca agora, a terceira maior seca no rio Amazonas, e, ainda, tivemos a maior enchente do mesmo rio em 2009. Em cinco anos, portanto, tivemos alguns recordes climáticos quebrados. A questão é: o que está acontecendo? Nós ainda não temos uma explicação completa sobre o porquê estamos vendo tantos recordes sendo quebrados em termos de cheias e secas na bacia do rio Amazonas em tão pouco espaço de tempo. Isso gerou uma enorme tensão internacional que está estudando esses fenômenos. Nós esperamos que, talvez em 2011, nós consigamos algumas explicações.
A causalidade, o que fez as chuvas atrasarem, nós podemos explicar. A questão é: por que essa coincidência de extremos climáticos num curtíssimo espaço de tempo? Há 108 anos nós registramos todos os fenômenos de clima da Amazônia e não há nada parecido com o que vivemos hoje. Uma das possibilidades, não é a única, não temos certeza ainda, é: se o planeta continuar aquecendo desta forma como está acontecendo atualmente, em até 50 anos esse tipo de extremidade se tornará uma variação climática habitual. Portanto, se não conseguirmos reverter o aquecimento global esta é uma amostra de como será o clima no futuro.
IHU On-Line – Como o senhor caracteriza as secas na Amazônia?
Carlos Nobre – Tem dois tipos de secas na Amazônia: as secas que são causadas, principalmente, por perturbações climáticas que se originam no Oceano Pacífico associadas com seu aquecimento ou esfriamento e isso causa uma seca acentuada no norte e leste da Amazônia, ao redor de toda a América do Sul Tropical.
Outro tipo de seca é induzida pelo Oceano Atlântico mais quente que muda a circulação atmosférica em cima da Amazônia, diminuindo as chuvas uma vez que o transporte de umidade diminui. Todo o sistema do Oceano Atlântico está dentro do continente e influencia diretamente no nosso clima. Então, essas são as tipologias de secas e hoje nós temos um bom entendimento desses dois tipos. O que nós não temos ainda é a capacidade de prever a longo prazo, como por exemplo, como vai ser o regime de chuvas num intervalo de um ano ou dois anos.
IHU On-Line – Qual é a redução na quantidade de chuvas necessária para desestabilizar a floresta?
Carlos Nobre – Existe um cálculo para isso. É sempre uma combinação dos níveis de chuva e aumento de temperatura. Então, se o aquecimento global ou o desmatamento na Amazônia causarem uma mudança permanente do clima em que a soma média da região diminuía em torno de 10% ou 15% e a temperatura aumente quatro graus, as duas coisas ocorrendo, mais de 50% da Amazônia se tornará uma região propícia a outros tipos de vegetação. Com isso, ou teremos uma floresta seca ou um tipo de savana bastante destacada, diferente do cerrado do centro e do sul da Amazônia, pelo empobrecimento. Esses são os cenários previstos, portanto.
IHU On-Line – Muito do clima do Brasil depende do clima da Amazônia. Com uma possível savanização de parte da Amazônia, quais seriam as consequências para o clima do país?
Carlos Nobre – Hoje, não conseguimos estabelecer uma relação clara entre as chuvas da Amazônia e o clima do país. Há um número pequeno de estudos que indicam a relação com a chuva de inverno no sul no Brasil, norte da Argentina, Uruguai, Foz do Iguaçu… A floresta é muito importante para o clima da própria Amazônia. Disso tenho certeza. As chuvas seriam maiores na Amazônia se não houvesse a floresta. A influência do clima da Amazônia no resto do país e no clima do mundo é algo que nós temos alguma ideia, mas não há qualquer comprovação forte. No entanto, pode haver mudanças nesse sentido se a Amazônia for desmatada.
IHU On-Line – Como podemos entender o efeito de fertilização do CO2 sobre a floresta amazônica?
Carlos Nobre – O CO2, de modo geral, é um combustível da fotossíntese. Quanto mais CO2 houver na atmosfera, até um certo limite, as plantas gostam, elas produzem mais matéria orgânica. O que nós não sabemos é como um sistema complexo como uma floresta tropical, que não é uma coisa simples, responde ao aumento do CO2. O que sabemos é que uma floresta tropical não responde da mesma maneira que uma plantinha qualquer. Vários experimentos foram feitos no hemisfério norte mostraram que nesses ambientes o quanto essas florestas acumula de CO2 é 25% acima do valor máximo que ela precisa para o crescimento. Isso porque um sistema complexo responde a uma série de fatores e não somente ao CO2.
A grande incerteza em relação à Amazônia é que não sabemos como a floresta tropical responderá por que nunca fizemos um experimento desses. Isso porque é uma experiência muita complexa e muito difícil, porque é preciso criar um ambiente de muitas árvores, necessita da implementação de sensores de gás carbônico e tem que manter a atmosfera enriquecida de CO2 até um certo valor por muitos anos. É algo nada trivial e na Amazônia seria menos trivial ainda. Portanto, não sabemos como a floresta tropical responde ao aumento da quantidade de CO2 na atmosfera.
As florestas, de um modo geral, aguentam mais as mudanças climáticas. Portanto, elas respondem perfeitamente ao aumento de CO2 porque ela é muito resistente. Mas não sabemos qual é a resposta de uma floresta tropical. Aí está a grande questão.
IHU On-Line – O que é necessário fazer para mudar essas previsões?
Carlos Nobre – Duas coisas: uma está ao alcance das mãos dos brasileiros. É a construção de políticas públicas que foquem na redução dos desmatamentos da Amazônia. Isso vem ocorrendo nos últimos anos. Vamos dizer que estamos no caminho certo uma vez que o desmatamento está diminuindo. Precisamos continuar e reduzir para zero. Agora, mesmo que consigamos fazer tudo isso, se o aquecimento global continuar sem alterações, na segunda metade deste século já vamos ter efeitos muito graves na Amazônia. E isso pode levar a um risco de savanização da Amazônia. Podemos zerar o desmatamento, mas isso terá um efeito muito pequeno com o advento do aquecimento global. Temos que criar uma estratégia mundial de redução das emissões, não só no Brasil. Esse é o grande desafio. Se não reduzirmos as emissões das florestas tropicais, em especial a Amazônia, pagar emos um preço muito alto.
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FONTE : (Ecodebate, 19/11/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação. [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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