De repente, lá está ela, aquela lagarta listrada, com suas garras apavorantes, dessas que chegam a causar arrepios só de olhar. Algum tempo depois, ela se contorce parecendo ainda mais repulsiva na fase de formação da crisálida sedosa e endurecida de onde desabrochará deslumbrante como uma flor capaz de voar. Porém não há (esperamos) notícias de buscas por fórmulas que façam as borboletas já nascerem prontas como borboletas.
Analogamente, a infância é também uma fase de definição da identidade, da forma física, dos talentos inatos, do equilíbrio, do temperamento e personalidade de cada pessoa, com a diferença da inquietação cada vez maior com seu processo gradual de formação. Os primeiros voos de uma ave nem sempre ocorrem perfeitos, nem antes dela espalhar um bocado de penas na decolagem.
Ouvir da escola que o filho não se concentra, que briga, chora ou não para quieto deve merecer, claro, atenção e cuidados dos pais, mas nunca se tornar um motivo de decepção ou desespero. É natural das crianças expressar, de dentro para fora, comportamentos inadequados por não conhecerem ainda a medida civilizada de seus atos. Nosso papel é ajuda-las a lidar pouco a pouco com isso.
Buscar condições e recursos que favoreçam o desenvolvimento de uma criança é diferente de tentar “corrigir” suas características individuais, sejam físicas ou psicológicas, por meio de procedimentos estéticos ou medicamentosos. Concluir que, aos olhos dos adultos de quem ela depende, algo nela não é suficiente ou carece de “retoques”, pode comprometer sua autoconfiança, além de forçar sua adultização.
Movidos (ou imobilizados) pela impaciência do mundo moderno, tendemos a moldar as crianças antes que elas possam dizer a que vieram. Mesmo estando calejados de ouvir e repetir que o ponto mais importante na formação física e emocional de alguém é ele ser aceito do jeito que é.
Se até aqui a questão é sobre as crianças ditas comuns, o que dizer, então, daquelas com algum tipo de diferença funcional, a exemplo da síndrome de down? Faz pensar no quanto os rótulos que elas carregam, entre eles o de “anjinhos, gordinhos, carinhosos e com a mesma carinha”, devem estar limitando a expressão plena de sua individualidade e capacidades.
Salvo desafortunadas exceções, a visão imediatista tem roubado da infância este caráter de beleza e roubando também de muitos a oportunidade de apreciar este espetáculo da espontaneidade, das estripulias, das vozes estridentes, da impulsividade ainda sem controle, da atenção dispersa por tanto o que descobrir, da noção estabanada de espaço e da dificuldade, enfim, de canalizar o desejo de morder o coleguinha para a avidez de abocanhar oportunidades.
Todos somos deficientes em algum aspecto de nossa aparência ou personalidade e, bem por isso, caprichamos em aprimorar nossos pontos fortes para fazermos a diferença em nosso meio. Mas isso fica muito mais fácil quando somos bem recebidos, aceitos e valorizados, tal como afirmou Freud, o conhecido pai da psicanálise: “Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada!” .
* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.
(A Autora)
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