O Banco Asiático de Desenvolvimento investiu US$ 1,2 bilhão em projetos viários, ferroviários e aeroportuários do Afeganistão. Foto: Giuliano Battiston/IPS
O Banco Asiático de Desenvolvimento investiu US$ 1,2 bilhão em projetos viários, ferroviários e aeroportuários do Afeganistão. Foto: Giuliano Battiston/IPS

Nações Unidas, 30/3/2015 – A história do Afeganistão tem muitos capítulos. Primeiro foi o centro da rota da seda, depois o palco de conflitos armados. Agora começou o mais recente, com a eleição do presidente Ashraf Ghani, em setembro de 2014. Em sua visita, no dia 26 deste mês, ao Conselho de Relações Exteriores, um centro de pesquisa independente com sede em Nova York, o ex-ministro da Economia afegão se referiu aos seus planos de desenvolvimento e destacou o papel que a região do Cáucaso, bem como Paquistão e China, podem desempenhar na transformação do país.
“Nos próximos 25 anos, a Ásia se converterá na maior economia continental do mundo. O que aconteceu nos Estados Unidos em 1869, quando houve a integração nacional através da ferrovia, é muito provável que aconteça na Ásia nos próximos 25 anos. Sem o Afeganistão, a Ásia central, Ásia meridional, Ásia oriental e Ásia ocidental não se conectarão”, afirmou. “Nossa meta é chegar a ser um país de trânsito para o transporte, as transmissões de energia, os gasodutos e a fibra ótica”, acrescentou.
Ashraf Ghani herdou um país que mostra as cicatrizes de mais de uma década de ocupação por tropas norte-americanas, um milhão de jovens desempregados e um florescente tráfico de ópio. O Afeganistão ocupa um dos lugares mais baixos no último Índice de Percepção da Corrupção elaborado pela organização Transparência Internacional, superado apenas por Coreia do Norte, Somália e Sudão.
De seus 30,5 milhões de habitantes, 36% vivem na pobreza, enquanto as pressões derivadas de seus vizinhos devastados pela guerra, como o Paquistão, ameaçam afundar novamente no extremismo religioso este país sem saída para o mar. Mas esse panorama sombrio oculta as sementes do futuro do Afeganistão, que são suas vastas jazidas de metais e minerais, abundantes recursos de água e enormes extensões de terras de cultivo que atraem investimentos de todas as partes.
Em 2010, o jornal The New York Times citava um memorando interno do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que se referia ao Afeganistão como a “Arábia Saudita do lítico”, um componente essencial na produção de baterias e produtos relacionados. O país está pronto para se converter no maior produtor mundial de cobre e ferro na próxima década e, segundo algumas estimativas, teria reservas minerais sem explorar no valor aproximado de US$ 1 trilhão.
O território afegão é de primeira classe em termos geopolíticos, já que é uma porta de ligação entre Ásia e Europa. Enquanto o governo inicia um processo de reconstrução depois da guerra, olha, em primeiro lugar, para seus vizinhos em busca de um mútuo beneficio econômico.
Em Nova York, Ghani explicou que a maior parte do que o Afeganistão espera produzir na próxima década será de coisas pesadas, algo que exige uma rede ferroviária sólida. “Em três anos esperamos estar chegando à Europa no prazo de cinco dias. Em três anos, poderíamos ter 70% de nossas importações e exportações através do Cáspio”, acrescentou.
Em fevereiro, o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) e o governo afegão assinaram acordos no valor de US$ 130 milhões para “financiar uma nova ligação viária, que abrirá um corredor comercial de leste a oeste com o Tajaquistão e mais além.  “Até agora, dentro do programa de Cooperação Econômica Regional da Ásia Central, foram investidos US$ 2,6 bilhões em projetos de transporte, comércio e energia, dos quais 15 estão em curso e dez concluídos”, explicou à IPS o diretor do BAD para o Afeganistão, Thomas Panella.
O setor de transporte representou 22% do produto interno bruto do país durante a ocupação dos Estados Unidos, impulsionado principalmente pela presença das forças estrangeiras. Atualmente, o setor está em retrocesso, mas, provavelmente, siga em frente novamente com a ajuda financeira do BAC, que até 2013 havia investido US$ 1,9 bilhão na rede viária e US$ 31 milhões adicionais em quatro aeroportos regionais do Afeganistão, que então duplicaram seu tráfego anual.
No total, o BAD aprovou US$ 3,9 bilhões em empréstimos subvenções e assistência técnica para o Afeganistão desde 2002. A China, que já investiu no país em uma das maiores minas de cobre e no setor do petróleo, prometeu US$ 330 milhões em ajuda, que Ghani assegurou que será utilizada exclusivamente para reforçar a infraestrutura e “melhorar o sistema viário”.
Tanto China como Índia, a primeira pelo setor público e a segunda pelas empresas privadas, realizaram “importantes” aportes à economia incipiente, segundo Ghani, que acrescentou que os Estados do Golfo e o Azerbaijão também integram a “estratégia de consórcio” que adotou como marco para tirar seu país de seus problemas. Mas o caminho para os projetos de extração e obras de infraestrutura promete estar cheio de obstáculos.
Anand Gopal, especialista em política afegã e autor do livro No Good Men Among the Living (Não Há Homens Bons Entre os Vivos), afirma que “só uma muito poderosa fração da elite local e da comunidade internacional se beneficiou da ajuda exterior”. E acrescentou que “se examinarmos as escolas ou as clínicas que foram financiadas pela comunidade internacional veremos que essas instituições estão em um estado de deterioração, que os senhores da guerra locais ficaram com sua parte e que esta ajuda inclusive lhes deu poder, ao ajudá-los a construir uma base de apoio”.
Embora a ajuda agora tenha diminuído, o sistema que permitiu encher os bolsos dos poderosos e das elites políticas não poderá ser desmantelado facilmente. “A mentalidade aqui não está orientada para a comunidade, mas para o desenvolvimento das indústrias privadas e os empreiteiros privados”, pontuou Gopal. “Quando se tem um Estado incapaz de gerar sua própria renda e totalmente dependente da ajuda externa para tornar viáveis esses projetos, o lógico seria nacionalizar os recursos naturais e utilizá-los como base da renda para o desenvolvimento da economia”, ressaltou o analista.
Por outro lado, esse enorme potencial cai em mãos das empresas chinesas e demais. “É uma ideia muito neoliberal. Privatizar tudo e esperar que os benefícios cheguem” ao restante da população. Mas, com vemos em todo o mundo, não chegam aos que estão abaixo. De fato, as pessoas que se supõe que devem receber a ajuda não são as que as obtêm e, no processos, muita gente enriquece”, enfatizou Gopal. Envolverde/IPS
(IPS)