Fotógrafo de 71 anos fala de crise hídrica e denúncias de corrupção às vésperas do lançamento do documentário ‘O Sal da Terra’, que concorreu ao Oscar
As ações do fotógrafo de 71 anos vão além do discurso afinado. Desde 1998, ele e sua esposa, Lélia Wanick, mantém o Instituto Terra, responsável pelo plantio de mais 2 milhões de árvores em Aimorés, no interior de Minas Gerais. De acordo com Salgado, a falta de água tem sido mais sentida agora, “mas esse problema já vem acontecendo há muito tempo. Se estivéssemos cuidando dos rios e das florestas, não estaríamos tão dependentes das chuvas para encher os reservatórios”.
É este Sebastião Salgado engajado que o filme O Sal da Terra revela. Dirigido pelo alemão Wim Wenders e por Juliano Ribeiro Salgado, filho do casal, o filme concorreu ao Oscar na categoria documentário. Com lançamento no Brasil previsto para o dia 26, o longa vai além da obra do artista e mostra o agente social, o ambientalista. Para Lélia, o documentário “é mais do que um filme sobre a fotografia ou sobre a história de um homem, é um filme que mostra um ponto de vista sobre o mundo”.
Ao falar para mais de mil pessoas no projeto Sempre um Papo, que leva escritores e artistas para conversarem com o público em Belo Horizonte, Sebastião Salgado arrancou aplausos. “A solução para a crise hídrica é simples: não medir esforços. O Brasil é um País incrível, mas parece que o brasileiro não percebe isso. Ainda somos muito pessimistas em relação à nossa própria gente”, alertou.
Salgado afirma que “hoje temos um Brasil moderno, mas que foi construído sobre as florestas e os rios”. Por isso, devemos repensar o consumo. “Depois do segundo governo do PT, há um acesso de 40 milhões de pessoas à classe média. Isso nunca aconteceu e é positivo, mas gera demanda de água”, explica. “A solução para o problema é preservar nossas nascentes. É absolutamente necessário que todas as instituições, sejam públicas ou privadas, façam sua parte.”
É nesse sentido que o projeto Olhos d’Água pretende revitalizar todas as nascentes da bacia do Rio Doce, que tem o tamanho de Portugal. O fotógrafo contou ao público que a iniciativa do Instituto Terra “é um projeto que custa bilhões, mas, comparativamente, sai mais barato do que comprar aviões caça da Suécia”.
Mesmo com a atual crise, Salgado mostra otimismo com o País. Em entrevista antes da palestra, ele afirmou que “pela primeira vez, os que estão no governo [federal] não são os mesmos que dominam os meios de comunicação, e por isso há informação sobre corrupção. Pela primeira vez, os corruptores estão pagando. Antes, só alguns intermediários eram acusados de corrupção. O Brasil já é um grande País e está cada vez mais sério”.
Não é de hoje que Sebastião e Lélia estão ligado às causas sociais. “Depois de 64, participamos de todas as manifestações e ações de resistência à ditadura e estávamos determinados a defender nossos ideais. Isso era muito perigoso”, conta.
Em agosto daquele ano, com pouco mais e 20 anos de idade, o casal se sentiu como as pessoas que ele viria a retratar anos mais tarde em Êxodos, que mostra aqueles que abandonam a terra natal.
Doutor em economia, Salgado conheceu Lélia enquanto fazia universidade em Vitória. “São 50 anos de sonhos realizados juntos”, ela afirma sorridente. Um desses sonhos é o reflorestamento da fazenda herdada da família do fotógrafo que estava totalmente degradada e deu origem ao Instituto.
“Tinha acabado de lançar o Êxodos e estava profundamente deprimido, afundava no pessimismo. Vi coisas terríveis na África e na antiga Iugoslávia. Pensei então em um projeto para denunciar a destruição e a poluição das florestas”, conta o fotógrafo. Foi nesse momento que Lélia surgiu com a ideia de replantar.
Mesmo com o inicio problemático (60% das mudas plantadas não “vingaram” no primeiro plantio), hoje o programa é um modelo para o País. Cerca de 700 projetos de educação ambiental que atingiram mais de 65 mil pessoas e o maior viveiro de plantas nativas de Minas Gerais são alguns exemplos da grandiosidade do projeto. “O Instituto é um de nossos filhos”, afirma Lélia. “Plantar é como cuidar de uma criança, é preciso proteger, alimentar e dar condições para que, ao crescer, ela se torne independente”, completa Salgado.
Foi neste momento de reaproximação com a natureza que o fotógrafo começou a pensar em fazer outro livro. “Foi vendo a vida nascer na floresta que surgiu o Gênesis”, conta para o público. “Antes, eu havia fotografado apenas uma espécie: o homem. Para este projeto, precisei aprender a conviver com outras espécies”.
Para ele, reaproximar da natureza é fundamental para compreendermos nosso lugar na Terra. “Hoje somos extraterrestres no nosso próprio planeta, não conhecemos nada sobre pássaros e plantas. Não temos a noção de que somos apenas uma espécie no meio de milhares. As árvores, por exemplo, são as responsáveis em manter a água no solo e o oxigênio no ar. Mas a cada dia cortamos mais árvores e poluímos mais a água e o ar. Temos que voltar em direção à Terra.”
Mundo do Café
O fotógrafo não demonstra cansaço. Em maio ele inaugura a mostra Perfumes de Sonho – Uma Viagem ao Mundo do Café na Expo Universal de Milão 2015 e cinco dias depois leva o trabalho para Bienal de Veneza. “Resolvi fotografar a história das pessoas que trabalham com café. Tomar café é um coisa tão comum que não nos damos conta do tanto de gente envolvida no processo”, explica Sebastião. Na mostra, ele registrou a relação do homem com o fruto na Etiópia, Guatemala, Índia, China, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Indonésia, Tanzânia e Brasil.
* Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)
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