Rio de Janeiro, Brasil, 7/1/2015 – “Percorremos a praia e nos defrontamos com um mar negro, cujas ondas não faziam barulho de água, mas um ‘clac’ de mingau”. Alexandre Anderson de Souza descreve assim o vazamento de petróleo na baía de Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro, que o converteu em um ativista e líder entre os pescadores artesanais. O desastre, ocorrido em janeiro de 2000, é um marco nas agressões à baía, pela visibilidade do impacto repentino e esmagador dos 1,3 milhão de litros de petróleo que vazaram de um oleoduto.
Mas a pesca sobreviveu nas águas contaminadas também pelo despejo de esgoto não tratado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, embora o total de pescadores tenha diminuído em 60% desde então, para os nove mil atuais, contou Anderson. A ameaça de sua extinção deriva principalmente da redução do espaço pesqueiro, que há algumas décadas se estendia por 78% da superfície da baía e hoje se limita a 12%, acrescentou.
A atividade petroleira, com suas instalações, seus dutos e navios, ocupa 46% da área e tende a se expandir, devido ao aumento da extração em águas profundas do Oceano Atlântico e à construção de uma segunda refinaria perto da baía, com inauguração prevista para 2016. “A indústria do petróleo é sinônimo de fim: fim da pesca e fim dos peixes na baía de Guanabara”, definiu Anderson para a IPS.
Além de encurralar os pescadores, os numerosos dutos que cruzam a baía alteram seu ambiente. O petróleo é transportado a alta temperatura, para ficar mais fluido, enquanto o gás é bombeado muito frio, dezenas de graus abaixo de zero. A Petrobras ocupa ilhas da baía com instalações de regasificação do gás liquefeito e depósitos de hidrocarbonos, todos abastecidos por oleodutos ou gasodutos.
A vida marinha também sofre os efeitos do barulho e da vibração causados pelas toneladas de gás e petróleo bombeadas a forte pressão. “Imagine o impacto de tudo isso no fundo do mar”, afirmou Anderson. Os pescadores são vítimas da forte transformação econômica que vive a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Mais conhecida por sua produção cultural, pelo turismo e pelo carnaval, essa região tem sua dinâmica atual baseada no petróleo e na indústria metalmecânica.
As reservas descobertas sob a camada de sal no fundo do Atlântico, o pré-sal, a cerca de 300 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, recuperou estaleiros que estavam praticamente inativos e atraiu grandes transnacionais de engenharia e serviços petroleiros. Além disso, favoreceu a escolha de Itaboraí, cidade a 60 quilômetros da Região Metropolitana e perto da margem oriental da baía de Guanabara, para a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), limitado no momento a uma refinaria com capacidade para 165 mil barris diários.
Do outro lado da baía, a Petrobras tem, desde 1961, a refinaria Duque de Caxias, que processa 242 mil barris diários, completando o cerco petroleiro às águas da baía, em cujas margens cresceu a Região Metropolitana, de 12 milhões de habitantes. “Com o pré-sal, o Brasil produzirá entre 4,5 e 5,5 milhões de barris diários nos próximos 20 anos e poderá exportar outros dois milhões, se convertendo em grande exportador de petróleo”, afirmou Alexandre Szklo, professor de planejamento energético na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A recente queda nos preços internacionais do petróleo, em cerca de 40%, não altera essa tendência, porque, nas condições brasileiras, “variações de preços só afetam a expansão no longo prazo. A indústria petroleira é como o elefante, demora para começar a correr e também para parar”, afirmou Szklo. A participação brasileira na oferta mundial de petróleo será reduzida, apenas cerca de 5%, mas o Brasil responde por 60% das encomendas de plataformas e sistemas de exploração e produção marítimos, por ter quase todas suas reservas costa afora, destacou o professor.
É uma oportunidade para o desenvolvimento da indústria naval e de serviços para o setor, beneficiando a economia do Estado do Rio de Janeiro, em cujas costas se concentram as principais jazidas do pré-sal, que se estendem também a outros Estados ao norte e ao sul. Trata-se de uma grande riqueza da qual o Brasil pretende extrair recursos para melhorar sua educação e seus sistemas de saúde nas próximas décadas.
Mas algumas maldições lhe são inerentes. Da principal delas, que é sacrificar outros setores, especialmente a indústria de transformação, pela sobrevalorização cambiária, e ficar muito dependente da exportação de hidrocarbonos, o Brasil está vacinado por ter um sistema produtivo diversificado, ao contrário de Arábia Saudita, Rússia e Venezuela, pontuou Szklo.
Mas a enfermidade holandesa local é um fato. “A produção petroleira gera poucos empregos, mas ocupa mão de obra qualificada de altos salários que demandam serviços caros, elevando os custos locais que enfraquecem outros segmentos industriais”, apontou o professor.
Nas proximidades de Campos, 280 quilômetros a nordeste da cidade do Rio de Janeiro, onde há três décadas se extrai muito petróleo de águas profundas, sem pré-sal, o fenômeno ajudou a destruir a indústria açucareira local e elevou o custo de vida a níveis de metrópoles ricas. O Rio de Janeiro já vive também esse processo que a tornou uma das cidades mais caras do mundo. Os imóveis em seus bairros de classe média triplicaram de preço nos últimos cinco anos.
Isso justifica os tributos cobrados por municípios e Estados produtores de petróleo, como um recurso para preparar uma transição futura da economia, após o esgotamento das jazidas de petróleo. Entretanto, são as maldições sociais e ambientais as que repercutem mais rápido e geram resistências.
“Escolheu-se mal onde instalar o Comperg, entre áreas de proteção ambiental e um Parque Nacional, ameaçando rios ainda de boa qualidade e a última área preservada da baía de Guanabara”, disse Breno Herrera, biólogo e ex-chefe de uma área de proteção ameaçada, que impediu que se fizesse do rio Guaxindiba uma hidrovia para transportar equipamentos pesados com destino ao Complexo Petroquímico.
“A dragagem poderia agitar metais pesados adormecidos no fundo do rio e contaminar peixes e pessoas”, justificou Herrera ao movimento que, com apoio de moradores, cientistas e fiscais, travou os planos da Petrobras, dona do Comperj. A refinaria mal localizada provocará chuvas ácidas que poderão destruir florestas e serras, para onde sobe o vento que levará contaminantes derivados do processamento do petróleo, alertou.
A refinaria Duque de Caxias, “uma das piores fontes contaminadoras da baía de Guanabara, polui também o ar dos bairros vizinhos, provocando doenças respiratórias, alergias e irritação nos olhos”, denunciou Sebastião Raulino, ativista do Fórum dos Afetados pela Indústria do Petróleo e Petroquímica (FAPP). Envolverde/IPS
(IPS)
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