Quando a corrupção afeta o meio ambiente
por Marcela Valente, da IPS
A justiça espanhola investiga um caso de corrupção que envolve Luis Bárcenas, gerente e depois tesoureiro do governante Partido Popular (PP) entre 1993 e 2009. O escândalo tem um capítulo argentino, estreitamente vinculado com o avanço sobre as florestas nativas que deveriam ser protegidas. Um dos proprietários de La Moraleja, estabelecimento agrícola de 30 mil hectares na província de Salta, é o espanhol Ángel Sanchís, tesoureiro do PP entre 1982 e 1987, e na mira da justiça de seu país por estreitos vínculos com Bárcenas.
A justiça espanhola informou em janeiro que Bárcenas tinha pelo menos uma conta na Suíça, no valor de US$ 29,8 milhões, da qual, segundo vazou da investigação, foram desviados fundos para uma empresa ligada a La Moraleja, e suspeita-se que também chegaram à própria fazenda, embora a família Sanchís desminta. Também no mês passado, o responsável por florestas no Greenpeace Espanha, Miguel Ángel Soto, contou que, em 2004, Sanchís pediu à organização que avalizasse seu projeto de reflorestamento com madeiras exóticas em Salta, e ofereceu “uma gratificação” em troca.
Soto contou que Sanchís explicou que sua propriedade na Argentina tinha apenas 12 mil hectares produtivos e que, por isso, queria desmatar e produzir, em troca, madeiras “nobres”, como teca, cerejeira e mogno. Contudo, a área era de alto valor de conservação, segundo a organização. O Greenpeace Argentina estava naquele momento fazendo intensa campanha em defesa das florestas nativas de Salta, onde a expansão da soja e de outros cultivos arrasava a floresta e a sobrevivência de povos originários da região.
A ação da organização ambientalista havia começado com a denúncia da venda de uma reserva provincial em Pizarro, localidade perto de La Moraleja. O então governador de Salta, o direitista Juan Carlos Romero, que visitava com frequência a fazenda, considerava que a reserva estava deteriorada. A denúncia por desmontes finalmente derivou na promulgação, em novembro de 2007, da Lei 26.331 de Orçamentos Mínimos de Proteção Ambiental das Florestas Nativas, a qual estabelece que cada província, mediante um ordenamento territorial, define áreas de alto, médio ou baixo valor de conservação, marcadas como vermelha, amarela e verde, respectivamente.
Hernán Giardini, encarregado da campanha do Greenpeace, disse à IPS que La Moraleja está em uma área de transição entre a floresta do Chaco, ao leste, e a selva de Yungas, a oeste, com espécies de ambas as regiões. “Resta muito pouco da floresta de transição em Salta, e justo quando termina a gestão desse governo provincial e a lei já estava aprovada, as autorizações de desmonte são multiplicadas por cinco”, inclusive em La Moraleja, que é toda zona vermelha, denunciou.
Segundo o Greenpeace pôde constatar, os proprietários do estabelecimento rural obtiveram autorizações para o desmonte de 5.900 hectares em dezembro de 2007, dias depois de sancionada a lei que proíbe essa prática. No mesmo ano, foi autorizado o desmatamento de 435 mil hectares nessa província. Os dados constam do informe Monitoramento de Desmatamento nas Florestas Nativas da Região do Chaco Argentino, publicado no final de 2012 pela não governamental Rede Agroflorestal Chaco Argentina, que indica que em Salta foram cortados dois milhões de hectares de florestas nativas entre 1976 e 2012.
“Os dados nos indicam que a Lei de Florestas não teve um impacto significativo para uma queda na taxa de desmontes em Salta nos anos imediatamente posteriores à sua sanção”, conclui o documento. Também ressalta que o mais afetado é o departamento de Anta, onde fica La Moraleja, que representa 40% do desmatamento da província. Giardini explicou à IPS que ele nunca pôde comprovar versões que surgiram de que Romero emitia autorizações em troca de dinheiro, mas conseguiu comprovar a aceleração das permissões quando a lei já era uma decisão tomada.
Romero governou Salta por três mandatos consecutivos (1995-2007) e atualmente é senador. Pertence à ala do governante Partido Justicialista que confronta a presidente, Cristina Fernández, que lidera o setor centro-esquerdista Frente para a Vitória.
Bacia contaminada pela justiça
Outro caso emblemático que envolve a corrupção na deterioração do meio ambiente é o do projeto de saneamento da bacia do rio que percorre 64 quilometres desde o nordeste da província de Buenos Aires, onde se chama Matanza, até servir de limite com a capital argentina, onde passa a se chamar Riachuelo. “A corrupção deve ser considerada uma fonte a mais de contaminação da Bacia Matanza-Riachuelo”, disse à IPS o ativista Andrés Nápoli, da Fundação Meio Ambiente e Recursos Naturais.
A Suprema Corte de Justiça determinou, em 2007, o saneamento da bacia, a mais contaminada do país, a mitigação dos danos e a melhoria da qualidade de vida dos moradores que vivem nas ribeiras do afluente que desemboca no Rio da Prata. Para avançar com esse plano foi criada a Autoridade da Bacia Matanza-Riachuelo, com representantes da Cidade Autônoma de Buenos Aires, de 14 distritos da província de mesmo nome e do governo nacional.
As organizações ambientalistas afirmam que o plano conseguiu melhorias gerais, embora ainda restem numerosas medidas para cumprir a sentença. Entretanto, no final de 2012, chegou à decepção, quando o jornal Página/12 informou sobre supostos atos de corrupção do juiz Luis Armella, encarregado de executar a sentença. A publicação dizia que familiares do magistrado criaram empresas que se beneficiavam de contratos de obras de saneamento sem licitação, alegando sua urgência.
O tribunal remanejou Armella e dividiu a competência entre dois novos juízes: Sergio Torres e Jorge Rodríguez. A Auditoria Geral da Nação ratificou as denúncias mediante uma investigação independente, enquanto o Conselho da Magistratura investiga se Armella deve ser destituído do cargo de juiz. “Foi uma surpresa para nós e um grande custo para a credibilidade obtida com a intervenção do tribunal”, afirmou Nápoli. A Bacia tem o estigma de contaminação, desídia e corrupção, e agora a atuação irregular de Armella parece confirmar esse destino, lamentou.
Nápoli recordou, por exemplo, que o Banco Interamericano de Desenvolvimento concedeu, na década de 1990, um empréstimo de US$ 250 milhões para um plano anterior de saneamento do Riachuelo, e que esse dinheiro “não teve nenhum destino” salvo o de incrementar a dívida pública da Argentina. O Greepenace Argentina jogou sal na ferida, quando, no dia 3, lançou uma campanha para denunciar que a contaminação da Bacia Matanza-Riachuelo se mantém em níveis iguais aos de cinco anos atrás e a toxicidade de sua água continua muito alta. Envolverde/IPS
Nenhum comentário:
Postar um comentário