bomba A urgência do desarmamento nuclear à flor da pele
A bomba atômica, lançada pelos Estados Unidos em 1945 sobre Hiroxima, matou 145 mil pessoas e deixou várias centenas de milhares com lesões e doenças graves nas seis décadas seguintes. Foto: Ican

Istambul, Turquia, 4/1/2013 – A Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares adotou uma nova estratégia para atrair a participação ativa de cidadãos e dirigentes políticos na busca de uma proibição mundial das ogivas letais. O perfil da estratégia foi destacado em uma reunião dos responsáveis pela campanha, conhecida como Ican, na cidade turca de Istambul, onde se indicou que a proposta é contribuir para sensibilizar a opinião pública e as autoridades sobre as consequências das detonações atômicas.
A Ican, uma coalizão de 286 organizações não governamentais de 68 países que trabalham pelo fim do arsenal nuclear no planeta, se comprometeu a ir além da retórica e convida os governos sensíveis ao tema a adotarem medidas concretas. Para isto, prepara um fórum internacional da sociedade civil para os dias 2 e 3 de março em Oslo, que será seguido por uma conferência de especialistas sobre a ameaça nuclear militar, organizada pelo governo da Noruega com apoio de outras 16 nações.
“Funcionários governamentais de países com armas atômicas nos dizem constantemente que não é possível cumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN) em termos práticos”, disse à IPS a coordenadora da Ican para Europa, Oriente Médio e África, Arielle Denis, na entrevista coletiva, no dia 26 de janeiro, em Istambul. “Nossa postura é que há antecedentes de tratados internacionais que levaram à proibição de outras armas letais. Se a comunidade mundial conseguiu proibir as minas terrestres e as bombas de fragmentação, também poderá fazer o mesmo com as armas nucleares”, destacou.
A coalizão de organizações afirma que qualquer país, mesmo os que têm armas atômicas, pode ser alvo de um ataque nuclear no novo contexto geopolítico, que incentiva a proliferação dos chamados Estados desobedientes e de organizações terroristas. “Embora não tenham sido utilizadas bombas atômicas desde 1945, o ciberterrorismo torna realista a explosão de uma ogiva nuclear”, alertou Denis. O principal aspecto da estratégia é a questão humanitária de uma detonação nuclear, ainda que uma única.
A Ican publicou um informe em 2012 sobre os danos imediatos e de longo prazo nas populações locais. As ondas de uma explosão que se deslocam por centenas de quilômetros em uma hora são letais para quem está próximo da detonação, e costumam se transformar em vapor devido à intensa pressão e ao calor. Mais distante, as vítimas sofrem falta de oxigênio e o excesso de monóxido de carbono, danos pulmonares e auditivos e hemorragias internas.
Entretanto, as consequências da radiação são sentidas a distâncias ainda maiores. Isto afeta a maioria dos órgãos do corpo com consequências que duram décadas e com alterações genéticas para as vítimas e seus descendentes. Essa análise coincide com estudos feitos pelo governo dos Estados Unidos e por instituições de pesquisa durante as décadas de 1970 e a última.
Em caso de um ataque nuclear envolvendo três mísseis de potência média contra uma base de mísseis balísticos intercontinentais no “cinturão agrícola” dos Estados Unidos, que inclui a região centro-norte, foi calculado que poderia haver entre 7,5 e 15 milhões de mortos e entre dez e 20 milhões de feridos graves. O aspecto humanitário da população sobrevivente seria praticamente impossível de manejar, pois a radioatividade existente obrigaria a reassentar cerca de 40 milhões de pessoas o mais longe possível, o que exigiria desde várias semanas até anos.
O cinturão agrícola dos Estados Unidos é uma zona rural. A Europa tem o triplo da densidade populacional dos Estados Unidos, e uma detonação nuclear nesse continente teria um impacto humanitário mais catastrófico. A Ican se baseia no TPN, assinado em 1º de julho de 1968 em Nova York e gradualmente ratificado por 189 Estados, entre os quais não estão Índia, Paquistão e nem Israel. Sua validade foi ampliada por tempo indefinido em maio de 1995.
Os países signatários estão divididos por Estados nucleares e não nucleares. O primeiro grupo é integrado por China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, os mesmos membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). O artigo VI do TPN incentiva as partes a realizarem “negociações de boa fé sobre medidas efetivas relacionadas ao fim da corrida armamentista nuclear o quanto antes e o desarmamento nuclear”, e “sobre um tratado de desarmamento geral e completo sob um rígido e efetivo controle internacional”.
“O desarmamento deve ser geral e completo”, argumentou Denis. “Nos anos 1990 houve certa ambiguidade no TPN sobre isso, mas ficou esclarecido pelo direito internacional, e todos os Estados signatários devem começar negociações para desmantelar suas armas nucleares”, acrescentou. Os Estados Unidos sempre interpretaram que esse artigo não era obrigatório para as partes. Mas o Tribunal Internacional de Justiça declarou, no dia 8 de julho de 1996, que “existe uma obrigação de buscar de boa fé e conseguir negociações que levem a um desarmamento nuclear em todos os seus aspectos, sob um rígido e efetivo controle internacional”.
A falta de uma clara vontade dos Estados nucleares em se sentarem à mesa de negociações incentivou organizações da sociedade civil, que formam a Ican, a conscientizar cidadãos e dirigentes políticos do mundo sobre a ameaça de manter arsenais atômicos. A quantidade de ogivas nucleares caiu de forma drástica após o fim da Guerra Fria, no começo da década de 1990, passando de 60 mil para 19 mil, mas a Ican se preocupa com as contínuas melhorias tecnológicas dessas armas.
O gasto nuclear de Washington chegou a US$ 61,3 bilhões em 2011, 10% mais do que no ano anterior. Os nove países que se sabe – ou suspeita-se – terem armamento nuclear aumentaram em 15% seu gasto no mesmo período, chegando a US$ 105 bilhões. Desde 1958, Israel adotou uma política de não confirmação e nem de negação sobre seu arsenal nuclear. “O nível de gasto é um forte indício de que os países com armas atômicas não têm intenção de se desfazerem delas no curto prazo”, alertou Denis. “Os governos desses Estados dizem que desmantelarão seus arsenais quando os outros fizerem o mesmo. É um círculo vicioso sem fim”, lamentou. Envolverde/IPS