Buenos Aires, Argentina, 19/12/2012 – “Isto não é um tsunami, que se vê de repente, mas um inimigo silencioso que vai matando na medida em que você respira e consome água”, alerta Hugo Ozores, morador em González Catán. A 32 quilômetros da capital argentina, esta localidade tem 300 mil habitantes que vivem junto a um lixão que recebe 2.500 toneladas diárias de dejetos, um grave problema que vem sendo denunciado pelos moradores há uma década.
O caso foi um dos examinados pelo Tribunal Internacional da Água em sua sexta edição, realizada em novembro em Buenos Aires, para analisar cinco problemas latino-americanos nos quais estão em jogo o acesso à água segura.
A decisão desse tribunal pediu à Coordenação Ecológica Área Metropolitana Sociedade do Estado (Ceamse) e os moradores que encontrassem uma solução definitiva para o problema. Porém, os moradores de González Catán continuam bebendo água contaminada. A sentença “não tem valor jurídico nem é vinculante, mas tem peso político e científico, e a consideramos como um passo à frente”, pontuou Ozores, um dos moradores que falou aos juízes.
A crise começou há uma década, quando os moradores de González Catán, no populoso distrito de La Matanza, jurisdição da província de Buenos Aires, alertaram para mau cheiro que provinha do lixão e começaram a relacioná-lo com a maior frequência de doenças. O lixão é administrado pela Ceamse, empresa criada há 33 anos, quando ainda imperava no país a última ditadura (1976-1983), para coleta e disposição final de resíduos da área metropolitana, isto é, a capital do país e os numerosos e populosos distritos vizinhos.
Inicialmente recebia lixo da cidade de Buenos Aires e de outros municípios, mas a pressão dos moradores ajudou na aprovação de uma norma que limita a recepção do resíduo produzido em La Matanza. O restante vai para outros depósitos da Ceamse nos arredores de Buenos Aires, todos operando no limite de sua capacidade, segundo denúncias de grupos ambientalistas e como reconhece a própria empresa, que busca novos terrenos.
“A Ceamse, nós herdamos da ditadura. Dizem que fizeram uma vala e colocaram uma membrana, mas a perícia judicial mostrou lixívia no riacho Morales e na água do aquífero Puelche, de onde é extraída para o consumo” da população, denunciou Ozores. Ele se referia ao estudo feito por peritos da Guarda Nacional, que detectou elevados níveis de bactérias Escherichia coli, arsênico, nitratos, cromo hexavalente, tolueno, benzeno e hidrocarbonos na água analisada.
A perícia respondeu a uma pergunta da justiça depois que os moradores, organizados na Assembleia de Moradores Autoconvocados de González Catán, denunciaram a suposta contaminação da água procedente de aquíferos. “A água que pegamos é de poço, e o cloro não basta para eliminar os químicos e os metais pesados que contém”, advertiu Ozores.
O juiz Juan Salas ordenou em 2006 que os moradores não utilizassem essa água, “nem para escovar os dentes”. Mas nenhuma autoridade fez a entrega de água potável para os moradores, e poucos podem pagar por ela. Só acontece a entrega de tambores nas escolas da região, uma forma de admitir que o consumo da água encanada não estaria garantido.
Então, os moradores fizeram uma denúncia por “descumprimento de deveres de funcionário público”. Mas as causas se acumulam e as soluções não chegam. No entanto, aumentam os casos de câncer, lúpus, púrpura e alergias, alertaram. O bairro mais afetado é o Nicole, localizado diante do lixão. Do lugar se vê as montanhas de lixo descarregado pelos caminhões, que chegam sem parar. Os resíduos vão sendo tapados depois com terra.
Lorena Pujó, do Greenpeace Argentina, assegurou à IPS que o problema do lixo na área metropolitana “está entrando em uma crise grave, porque os lixões já estão no limite e precisam ser fechados”. Pujó explicou que a Ceamse há dez anos tenta conseguir autorização para abrir novos depósitos, mas a resistência dos moradores em ceder terrenos para esse fim impede a criação de novos lugares para disposição final do lixo.
Desde 2003, o Greenpeace pressiona para que Buenos Aires sancione uma lei exigindo a separação do lixo na origem e a paulatina redução do que será enterrado mediante planos de reciclagem, até chegar à reutilização total do lixo. “A lei de Lixo Zero foi aprovada em 2005, mas só se começou a fazer algo em 2007, e em 2088 tudo foi desmantelado”, afirmou Pujó. O plano previa que para este ano a redução chegaria a 50%, mas não houve nenhum progresso.
Enquanto isso, os moradores de González Catán também apresentaram uma proposta de reutilização do lixo ao Conselho Deliberativo de La Matanza e conseguiram uma norma que reduz a quantidade do lixo a ser enterrada em seu município. “Não somos profissionais, mas investigamos experiências locais e de fora, como o caso de São Paulo ou da cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, e apresentamos uma proposta de tratamento integral de resíduos. Mas nada aconteceu, porque aqui o negócio é enterrar o lixo”, disse Ozores.
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