Estaríamos nós diante de uma escolha impossível? De um lado as mudanças climáticas, com seu conjunto de fenômenos metereológicos excepcionais que ameaçam o progresso do desenvolvimento em todo o mundo, sobretudo nos países mais pobres. De outro o próprio desenvolvimento, visto que este vem acompanhado de um aumento do consumo de recursos naturais e de energia, o que pode agravar o problema das mudanças climáticas. Sem negar essa dupla realidade, pode-se, no entanto, adotar uma perspectiva nova que considere a existência de uma alternativa transformadora: o desenvolvimento pode (e deve) ser um elemento de resposta a esse desafio planetário.
É o que se observa, por exemplo, no Congo, onde a administração e as empresas florestais implementam um programa de manejo florestal que tem por objetivo dinamizar a economia local e ao mesmo tempo preservar o que é considerado como o segundo pulmão do planeta (atrás somente da Amazônia). O Burkina Faso desenvolve uma usina solar fotovoltaica, que não só aprimorará o acesso à energia elétrica no país, como evitará também a emissão de 40.000 toneladas de CO2 equivalente por ano. A cidade de Bangalore e muitas outras da Índia e de outros países desenvolvem redes de metrô, ônibus e tramways que facilitarão o deslocamento de seus habitantes, reduzindo a poluição decorrente da circulação de automóveis. São todas soluções concretas, entre outras centenas, que integram tanto a questão do desenvolvimento como a dos desafios climáticos.
Os bancos de desenvolvimento devem apoiar essa dinâmica. Isso pressupõe que eles mesmos operem a transformação cultural necessária, fazendo da relação entre o clima e o desenvolvimento um elemento estruturador de suas atividades. Essa atitude é essencial para promover a durabilidade das ações financiadas, o que pode ser facilmente entendido por qualquer um que trabalhe com o ordenamento de uma cidade ameaçada pelo aumento do nível das águas ou em uma zona agrícola vulnerável às secas. A questão da adaptação é determinante para as infraestruturas, cuja duração é muito frequentemente superior a cinquenta anos. Não se pode continuar, por exemplo, a construir barragens sem considerar, desde a sua concepção, os riscos de variações extremas na intensidade do fluxo dos rios, ligados a episódios de seca ou de inundações.
Tão importante quanto, é a questão da atenuação das mudanças climáticas, na qual a França foi pioneira. O governo atribuiu à Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) objetivos ambiciosos: 50% dos seus investimentos devem apresentar um impacto positivo sobre o clima. Desde 2007, mais de 15 bilhões de euros foram destinados a operações nos setores do transporte, da agricultura, das energias renováveis, das florestas… Outros financiadores apoiam projetos similares. Em 2012, os membros do Clube Internacional de Financiamento ao Desenvolvimento (IDFC), que agrega cerca de vinte bancos nacionais e regionais do Norte e do Sul, entre os quais a AFD, mobilizaram 50 bilhões de dólares (ou 38,9 bilhões de euros) em favor da luta contra as mudanças climáticas nos países do Sul.
Essa adoção de uma abordagem cada vez mais “verde” nas estratégias de desenvolvimento permitirá uma melhor mobilização dos financiamentos. Os fundos públicos têm um papel propulsor, que deve orientar de maneira inteligente as grandes somas geradas por fundos de pensão, seguradoras, fundos soberanos ou fundações.
Obrigações verdes
Entre os muitos caminhos possíveis, o das “obrigações verdes” ou “obrigações climáticas” (Green ou Climate Bound) parece particularmente promissor. Essas obrigações se distinguem pelo fato de que estão atreladas a projetos destinados ao desenvolvimento sustentável e ao combate às mudanças climáticas. Primeira boa notícia: o aumento da oferta. Há dois anos, as empresas vêm seguindo o caminhos das instituições financeiras internacionais, aumentando rapidamente o volume de obrigações “verdes” emitidas. Segunda boa notícia: a demanda também cresce, chegando até mesmo a ultrapassar a oferta. Nas últimas emissões de obrigações, a subscrição ultrapassou a oferta, o que revela a ampliação progressiva do ciclo de investidores interessados. Resta avançar nesse contexto: no momento, essas obrigações apresentam realidades muito diversas, tendo em vista que o nível de exigência em termos de impacto sobre as mudanças climáticas não é padronizado e as práticas de notação ainda devem ser aprimoradas e estendidas.
Convencida do potencial desse mercado e determinada a contribuir para sua estruturação, a AFD acaba de lançar “obrigações climáticas” pela primeira vez em sua história. Como outros estabelecimentos, ela se compromete a prestar contas a seus investidores a respeito da utilização dos recursos, se apoiando sobre uma sólida metodologia para a medição da pegada de carbono dos projetos financiados.
A Cúpula do Clima organizada no mês passado em Nova York pelo Secretário Geral das Nações Unidas, foi em parte dedicada aos desafios financeiros. Foi a ocasião de discutir a questão das normas e incitações suscetíveis de aumentar o alcance desses instrumentos e de vários outros. Todas as alavancas devem ser acionadas para promover a emergência de novos modelos de desenvolvimento mais resilientes, menos emissores de gases de efeito estufa e mais adequados para responder aos desafios econômicos e sociais.
Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD)
A Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) é uma instituição financeira pública, executora da política definida pelo Governo francês, que atua há mais de setenta anos no combate à pobreza e na promoção do desenvolvimento nos países do Sul e na França ultramarina.
Presente em quatro continentes, onde dispõe de uma rede de 71 agências e escritórios de representação, sendo nove na França ultramarina e um em Bruxelas, a AFD financia e acompanha projetos que melhoram as condições de vida das populações, fomentam o crescimento econômico e protegem o planeta.
Em 2013, a AFD dedicou 7,8 bilhões de euros ao financiamento de ações nos países em desenvolvimento e em benefício da França ultramarina, contribuindo especialmente para a escolarização de crianças e adolescentes, a melhoria da saúde materna, a promoção da igualdade de gênero, o apoio a agricultores e pequenas empresas e o aprimoramento do acesso à água, à energia e aos transportes. Os novos projetos financiados pela AFD contribuirão também no combate às mudanças climáticas, proporcionando uma economia de cerca de 3,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.
* Anne Paugam é diretora da Agência Francesa de Desenvolvimento(AFD).
** Publicado originalmente pelo jornal francês Le Monde, em 22 de setembro de 2013.
(A Autora)
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