cup clima oncup clima on09 Descaminhos percorridos da Rio 92 à agenda pós 2015
Nova York – EUA, Cúpula do Clima das Nações Unidas em Nova York. Foto: Palazzochigi/ Fotos Públicas

Os que comandam hoje o nosso mundo são o Fórum Econômico Mundial, a OMC, as instituições financeiras internacionais, tendo tanto os Estados nacionais como a ONU capturados pelos interesses dessas.
A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente-Eco-92 foi uma importante inflexão dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a política ambiental e revelou uma agenda política internacional fundamental para as décadas que estavam por acontecer. Foi o maior evento organizado pela ONU até então. Dela surgiram acordos fundamentais, como a Agenda 21 e as Conferências das Partes sobre Biodiversidade e Clima. Desta última, o Protocolo de Kyoto e um plano de implementação. Outros eventos tão fundamentais quanto esse ocorreram nos anos posteriores.
A partir deste marcante evento, uma série de Conferências Globais foram realizadas com objetivo de aprofundar e comprometer os governos e povos com um novo marco de direitos e um novo significado para o desenvolvimento. Esse esforço foi feito em um contexto de disputa do sentido deste desenvolvimento e o intento de resignificá-lo. A palavra desenvolvimento esteve dialogando com praticamente todos os temas das cúpulas promovidas pela ONU de 1992 até o início dos anos 2000.
Foi um período em que a ONU gozava de confiança política o que permitiu que a mesma convocasse, com legitimidade, vários encontros internacionais de alto nível, sucedâneos à Rio 92 e que tiveram o marco dos direitos humanos como base da abordagem das mesmas. Dessa forma, foram realizadas as conferências de direitos humanos, em Viena; de desenvolvimento social, em Copenhague; sobre população e desenvolvimento, no Cairo; da condição da mulher, em Pequim; e dos problemas urbanos e o desenvolvimento, em Istambul. No início dos anos 2000 temas como o racismo, intolerância e discriminação entram na agenda, em Durban, e também um tema estruturante, o do financiamento ao desenvolvimento, em Monterrey. A esse ciclo de uma década nos referimos como o “ciclo social das Nações Unidas”.
O grande desafio, desde o começo desse processo, foi definir quem pagaria a conta pela transição do modelo predatório para um modelo de desenvolvimento sustentável do ponto de vista do financiamento e das responsabilidades históricas. Debate antigo e recorrente nas conferências da COP sobre Mudança Climática (UNFCCC) sobre as responsabilidades históricas dos países desenvolvidos comparativamente aos países em desenvolvimento, expressas na cláusula das responsabilidades comuns porém diferenciadas (CBDR). Todos são responsáveis, entretanto, uns são mais responsáveis que outros pelos desequilíbrios, desigualdades e desafios para evitar o aquecimento global via redução de emissão de gases de efeito estufa.
No ano 2000, com o lançamento dos Objetivos do Milênio, ODMs e depois de realizados novos ciclos de revisão das conferências (+5, +10 e +20) ficaram evidentes os sinais de “fadiga” do sistema das Conferências. A ONU como instituição começou a perder seu poder e legitimidade política. Isso ficou claro, ao longo do tempo, pelo baixo nível de comprometimento dos governos, pelas ausências de investimento e de força política, por parte do próprio sistema ONU, para impedir que as questões decididas fossem reabertas para uma revisão para pior.
O esgotamento das cúpulas acabou produzindo uma nova negociação, na virada do milênio, que ficou conhecida como Conferência do Milênio, que produziu, por sua vez, os 8 Objetivos do Milênio (ODMs), em 2000. Dizia a ONU que foi o acordo possível para que os acordos anteriores pudessem ser medidos e avaliados. Segundo eles, era a primeira vez que se definia claramente metas e indicadores para serem avaliados ao fim de 2015.
Entretanto, os ODMs foram compreendidos pelos movimentos sociais, acadêmicos e especialistas das organizações da sociedade civil global ligados a esse debate como uma redução de tudo que se havia alcançado nas cúpulas dos anos anteriores. O debate realizado por quase uma década, na verdade, foi reduzido a oito metas, cheias de problemas éticos, de implementação e de definição de responsabilidades. E não abarcava todos os responsáveis pelas mazelas do sistema.
Temas como pobreza, desigualdade, dívida externa, Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA), nova arquitetura financeira, desenvolvimento sustentável, financiamento ao desenvolvimento e nova governança, que eram presentes em nosso vocabulário desde então, não tiveram eco efetivo, assim como a ONU não teve força política para reverter decisões econômicas e financeiras no âmbito internacional. Políticas públicas globais passaram a ser definidas no G8 e pelo Fórum Econômico Global e depois elaboradas e implementadas pelas instituições financeiras internacionais e pela OMC. Mais recentemente com a crise econômica dos países ricos, o G8 teve de ampliar o escopo de países para poder continuar seu papel hegemônico, ainda que os países em desenvolvimento, partícipes deste agrupamento, possuam estratégias de influenciar a governança global, como o G20 e agora como os BRICs.
O enfraquecimento da ONU e dos Estados nacionais, impactados pela chamada crise tripla (econômica, ambiental, alimentar) fez com que esses começassem a buscar nas grandes corporações transnacionais o apoio financeiro para resolver suas dificuldades econômicas e viceversa, as Corporações Financeiras Transnacionais (TNCs) buscaram nos Estados (e muitas foram salvas com o dinheiro público na última crise dos países desenvolvidos). As instituições financeiras multilaterais fragilizadas, Banco Mundial e FMI, foram reerguidas, entre outras coisas, para operar como formuladores dessa nova era do capitalismo financeiro, agora revitalizados com o conceito de economia verde, usando um método que parece ser a chave milagrosa de uma nova governança global, as parcerias público/ privada.
Para garantir hegemonia do processo de privatização do sistema multilateral e dos Estados nacionais era necessário também alterar o marco regulatório de direitos constituídos no famoso ciclo social da ONU. Criou-se, para isso, o Global Compact que passou a ter um papel assessor tanto na era Kofi Anan, como na atual era Ban Ki-moon e, para tal objetivo, abraçaram a agenda ambiental, foram parceiros importantes na formulação dos conteúdos saídos dos acordos na Rio+20 e, são atuantes na construção da agenda do pós-2015. Se apresentam como a solução dos problemas globais da crise climática, via uso de novas tecnologias por meio do financiamento público-privado, sem alterar nenhum base estruturante do modelo atual.
Os que comandam hoje o nosso mundo são o Fórum Econômico Mundial, a OMC, as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), tendo tanto os Estados nacionais como a ONU capturados pelos interesses dessas corporações transnacionais, ainda que reste uma certa legitimidade e independência política, nas frágeis democracias de nosso tempo. É tempo para repensar nossas democracias e quem são os beneficiários de seus processos e da forma em que as instituições operam.
Em 2015 acaba o prazo definido para os Objetivos do Milênio (ODMs) e deverão entrar em vigor os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em certa medida, os debates sobre mudança climáticas, ODS, e financiamento ao desenvolvimento caminham em uma mesma direção rumo a esse ano cabalístico de 2015.
Dessa forma tornam-se necessários novos indicadores e novas metas para a agenda global ao enfrentamento da pobreza, das desigualdades e da crise ambiental. Os ODSs são uma tentativa de construir indicadores mais universais para articular com o tripé econômico, social e ambiental, definido na Rio+20. Assim querem nos fazer crer, que os ODSs serão mais inclusivos e mais amplos em termos dos direitos humanos quando comparados aos ODMs. Pretendem apresentar uma nova agenda até 2030. Será?
O relatório do Fórum Econômico Global, apresentado antes da Rio+20, sugere que o sistema de governança no futuro será melhor administrado por coalizões de corporações multinacionais, Estados-nação (incluindo a ONU) e um seleto grupo de organizações não governamentais. E essa tem sido a diretriz usada em nome da nova governabilidade haja visto as novas arquiteturas do poder global.
Segundo o Banco Mundial e a revista Fortune, 110 entre as 175 maiores economias globais, em 2011, são corporações. A publicação de Lou Pingeot, Corporate in Post 2015 process, nos mostra que as megacorporações tais como Royal Dutch Shell, Exxon Mobil e Wal Mart produzem desequilíbrio total no sistema de poder global, pois juntas são maiores que 110 economias nacionais, mais da metade dos membros da ONU.
Portanto, o poder dessas corporações no mundo e nos espaços políticos de decisão são inquestionáveis. Além do mais, as PPPs abrem caminho para os negócios das corporações que detêm poder real sobre as instituições da governança global nessa nova onda do capitalismo verde. São elas: indústrias extrativistas, de tecnologia de ponta, do setor químico, farmacêutica e de alimentação e bebidas.
Nesse contexto um dos principais desafios na construção da agenda pós-2015 será enfrentar o enfraquecimento do poder público, enfraquecimento da política e seus espaços para formulação de novos consensos e os riscos de redução marco dos direitos humanos. Estamos assistindo um evidente rebaixamento do marco dos direitos humanos em nome de uma agenda possível. Possível para quem?
Iara Pietricovsky é membro do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).
** Publicado originalmente pelo Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais e retirado do site Carta Capital.
(Carta Capital)