A participação social na gestão da crise hídrica é quase nenhuma. Nem mesmo os prefeitos, responsáveis pelas concessões, estão erguendo a voz.
As dificuldades de abastecimento de água em São Paulo, tanto na capital como em grande parte do interior, poderiam ter sido evitadas, ou ao menos minimizadas, os dados sobre a escassez eram conhecidos há mais de um ano, tempo suficientes para algumas medidas mitigatórias. No entanto, o ano eleitoral empurrou o tema pelos canos secos. A avaliação é de Antônio Félix Domingues, coordenador de articulação e comunicação da ANA – Agência Nacional de Águas. Ele participou de uma discussão sobre água no Diálogos Capitais – Dilemas de um Brasil Sustentável, realizado dia 21 de outubro, em São Paulo. Domingues aponta a necessidade de deixar os técnicos trabalharem quando o tema é água. “É preciso ter normas e condutas preestabelecidas para cada momento de uma crise de abastecimento, as decisões não podem ficar ao sabor da política”, disse.
O monitoramento da seca já é uma tecnologia em avançado estágio de desenvolvimento no Brasil. Está sendo implantado no Nordeste, com apoio do Banco Mundial, o programa Monitor de Seca. O objetivo é acompanhar, em parceria com os Estados, a situação dos reservatórios e estabelecer com isso critérios de ação em cada caso. Conforme o nível de risco detectado, podem ser tomadas medidas como limitar as atividades de irrigação ou aumentar o custo da tarifa. “São decisões que não devem ter ingerência política, devem ser tomadas sob critérios técnicos e prévia informação ao público”, afirmou Domingues.
A situação em São Paulo não é um fato isolado, mas insere-se em um contexto maior de mudanças climáticas, com desafios mundiais para a gestão da água enquanto um recurso finito do planeta. O desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade precisam de uma gestão profissional da água. A capacidade de reservar água melhora a condição de enfrentamento das secas. “Na comparação de dois países com variação climática semelhante, como Etiópia e Austrália, temos que a capacidade de armazenamento per capita de água da Etiópia é de 45 metros cúbicos, enquanto a Austrália consegue armazenar 5 mil metros cúbicos por habitante, o que certamente eleva a segurança hídrica do país”, disse Domingues. O Brasil tem hoje 3.500 metros cúbicos armazenados por habitante.
A participação da sociedade nos comitês de bacia também precisa ser fortalecida, segundo o professor Pedro Jacobi, do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da USP. “No Estado de São Paulo foram criados 21 comitês de bacia hidrográfica, e sua existência não se constitui mera formalidade porque são essenciais para democratizar a gestão da água. O sistema foi estruturado para que a sociedade tenha uma co-participação, seja co-responsável”, afirmou Jacobi. No entanto, falta o estímulo para a participação social, em parte por causa de uma cultura política de se esperar que o governo resolva todas as questões públicas. Outro ponto é que existe o hábito de se agir apenas nas crises e menos no planejamento.
Jacobi apontou a pressão do calendário político sobre a gestão dos recursos naturais como um problema, porque muitas vezes a competência muda de uma secretaria para outra, com uma descontinuidade das ações. Além disso, é necessário exigir maior transparência sobre o uso dos recursos. A mudança de comportamento do cidadão precisa ser estimulada a partir de uma postura mais amigável dos governantes, que deveriam mudar o foco da comunicação das obras realizadas para o fortalecimento dos canais de participação social. “Precisa ser uma ação contínua, não focada somente na gestão da crise, mas no planejamento do uso dos recursos no longo prazo, porque a mudança climática é um fenômeno real e atual”, disse ele.
Saneamento básico
Se na construção e manutenção dos reservatórios a população tem pouca participação, por outro lado quando e tema é saneamento básico a situação é ainda pior. Nas primeiras pesquisas realizadas pelo Instituto Trata Brasil a partir de 2007, uma das dificuldades detectadas é que o entendimento sobre o que seja saneamento básico não era generalizado. Fruto da visão de que investimentos em redes de esgoto não são considerados “bons de votos”, segundo explica o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édson Carlos.
Entre os indicadores nacionais preocupantes, o Brasil ainda despeja 60% do esgoto sem tratamento na natureza. As 100 maiores cidades brasileiras ainda não conseguem tratar nem metade do esgoto que produzem. Ao contrário do que usualmente se imagina, não é uma realidade exclusiva das regiões mais pobres: em São Paulo, o bairro do Morumbi despeja o seu esgoto no Rio Tietê. “A gente assiste o rio passando e indo embora e não pode usar a água, porque está contaminada”, afirmou Édson, que enfatizou a necessidade de uma mobilização maior da população para pressionar o poder público pelo tratamento da água e do esgoto.
Impacto para os negócios
Sendo a água fundamental para a sobrevivência, mas também para a produção econômica, o tema tem sido mais presente nas empresas. Na Ambev, que depende em 95% desse insumo para a fabricação de bebidas, estão sendo colocadas em prática medidas para o uso sustentável, incluindo o reuso, o desenvolvimento de novas tecnologias para reduzir o consumo, e a parceria com outras empresas em uma mesma região para o reuso.
O melhoramento de processos produtivos que reduzam impacto ambiental também está no radar de outras empresas que participaram dos Diálogos Capitais, como a Braskem, que reduziu a emissão de gases do efeito estufa em 13% entre 2008 e 2013. No uso da água, fez uma parceria com a Sabesp, criando a Foz do Brasil, na região do ABC Paulista, para produzir água de reuso a partir de águas geradas a partir do tratamento de esgotos.
Na avaliação dos executivos presentes ao encontro, é necessário investir mais no diálogo com a sociedade para o consumo responsável, como na polêmica das sacolas de plástico nos supermercados. O tema voltou à pauta depois de uma decisão da Justiça retomar a proibição de seu uso na cidade de São Paulo. No parecer do diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem, Jorge Soto, e do diretor do Grupo Pão de Açúcar, Paulo Pompílio, elas ainda representam a melhor alternativa para o transporte de alimentos e outros produtos, mas não deveriam ser usadas no volume em que são distribuídas pelo varejo. Para Pompílio, a informação é caminho para diminuir a tensão com o público consumidor, e para disseminar o uso consciente do produto. “Estamos muito longe de consensos e o debate precisa de ânimos menos acirrados”, disse Pompílio, que exemplificou: “Em Belo Horizonte temos uma decisão da Justiça no estado que obriga a distribuição das sacolas plásticas, e outra, da prefeitura, que proíbe”.
* Colaboração: Dal Marcondes.
(Envolverde)
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