O tempo passa e já faz dois anos que ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, quando surgiu a tarefa de as nações estabelecerem consensualmente as metas dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deverão representar as diretrizes de prioridades das políticas públicas governamentais após 2015, com um horizonte de 15 anos, de caráter não vinculante. Agora, após um ano e meio de discussões, 193 países chegaram a um rascunho composto por 17 itens gerais (com quase 170 subitens) que reiteram a constatação de gargalos e abismos que existem no mundo, que envolvem conjuntamente aspectos ambientais, sociais, econômicos e culturais, entre outros. A pergunta latente que permanece: como fazer diferente para mudar esse quadro de pobreza e desigualdade que se perpetua há décadas, se todas as regras continuarão fundamentadas na ordem do sistema capitalista?
Mais de 1,2 bilhão de pessoas ‘sobrevivem’ com US$ 1,25 ou menos por dia, num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas. Mas a situação é muito mais dramática, de acordo com o chamado Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O levantamento aponta que praticamente 1,5 bilhão de pessoas, em 91 países em desenvolvimento, vivem na pobreza, com a sobreposição de privações em saúde, educação e padrão de vida. Ainda mais de 800 milhões de pessoas estão sob o risco de voltar a esse estado ‘caso ocorram contratempos’.
As propostas dos ODS se estabelecem neste contexto e deverão substituir e ser mais amplas do que os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), estabelecidos a partir de 2000, cujo prazo de cumprimento expira em 2015. Isso ocorre, tendo em vista que estes são voltados somente aos países em desenvolvimento, e os ODS serão uma diretriz para todos os países que integram o sistema ONU.
O ‘x’ da questão neste universo da geopolítica internacional até a local, nas cidades, é a implementação. A retórica saindo do círculo dos gabinetes de forma concreta e se incorporando à realidade tão diversa em cada cultura e regime político, que são envoltos de discrepâncias de padrões de desenvolvimento. Uma pergunta que persiste há anos no campo das negociações e crucial nisso tudo é quem ajudará a ‘pagar a conta’ para promover as melhorias quanto à redução de danos e adaptação nas nações mais vulneráveis (em especial, na África Subsaariana, onde estão 33 dos países mais pobres do mundo)?
Pano de fundo
Poucos governos (dos países desenvolvidos) até hoje desembolsaram nesta matemática, acima de 0,7% dos seus Produtos Internos Brutos (PIB) para os ODM, um percentual acordado na esfera da ONU, há décadas. Entre eles, estão os da Dinamarca, Holanda, Suécia e Noruega. Essa dificuldade também ocorre no campo das conferências das mudanças sobre o clima e da diversidade biológica, entre outros, que geram os chamados tratados vinculantes, em que os países se comprometem, por meio de ratificações em suas legislações internas. Fundos são criados mas têm dificuldade prática de se estabelecer, por falta de recursos e normas operacionais dos mesmos.
Um dos mais recentes acordos mundiais que será finalmente estabelecido em outubro, é o Protocolo de Nagoya, na área de conservação da diversidade biológica, com as chamadas Metas de Aichi acordadas desde 2010 (que o Brasil não ratificou até agora).
Na esfera climática, ainda se delineia o que realmente virá com a prorrogação do Protocolo de Kyoto aprovado em 1997 (que compromete os países industrializados a reduzir os gases de efeito estufa), que expirou em 2012 e agora vai até 2020. O acordo foi um grande fracasso, do ponto de vista de cumprimento. Neste novo acordo, houve a diminuição da adesão de países, com 36 países desenvolvidos responsáveis por 15% das emissões mundiais. Não quiseram participar Japão, Rússia, Canadá e Nova Zelândia e os EUA nunca ratificaram. Os que se comprometeram foram: Austrália, Noruega, Suíça, Ucrânia e os integrantes da União Europeia.
Os países que não concordaram com a prorrogação questionam que nações em desenvolvimento como a China (considerada a maior poluidora no mundo), a Índia e o Brasil não integram esse grupo. A próxima Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Clima (COP ) acontece em novembro, no Peru, e ainda é uma incógnita saber o seu desenrolar. O que se sabe é que somente em 2015, está programado um encontro em que serão estabelecidas novas metas de redução GEEs para todos os países. A meta principal é tentar conter a elevação da temperatura da superfície terrestre em 2 graus Celsius, o que cientistas do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas avaliam ser bem difícil, dentro do contexto atual.
Nessa estrutura de financiamento, o que começa a ganhar cada vez mais corpo, é a participação das empresas. Foi criado o Pacto Global. A polêmica instituída é o quanto de influência isso pode ter na gestão pública. Para se discutir mais especificamente essa questão financeira das implementações, está programada uma conferência para julho de 2015, na Etiópia.
A polêmica de fundo, que emperra as negociações há décadas é quanto às responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ou seja, como atribuir o papel dos países desenvolvidos, mais pobres e em desenvolvimento. A crise financeira global nos últimos anos tem sido o argumento da maioria dos países. Essa pauta complexa e difusa fará parte da 69ª Assembleia da ONU, que começa dia 24 de setembro, em Nova York, que prossegue até o dia 7 de outubro.
As 17 metas gerais (que podem sofrer modificações e até ser reduzidas) até o ano que vem são tão óbvias e demonstram como há dificuldade dos sistemas de governança locais e global para o cumprimento do que é básico para a qualidade de vida e manutenção do equilíbrio do planeta. Grande parte delas demonstra o peso do meio ambiente e do modelo de consumo atrelado aos demais eixos. Tudo está profundamente interligado.
1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares
2 – Eliminar com a forme, alcançar a segurança alimentar e melhor nutrição, promovendo a agricultura sustentável
3 – Assegurar vidas saudáveis e promover o bem-estar para todos em todas as idades
4 – Assegurar educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizado por toda a vida para todos
5 – Alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e crianças
6 – Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável de água e saneamento para todos
7 – Assegurar o acesso à energia confiável, sustentável, moderna e a preço acessível para todos
8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego integral e produtivo e trabalho decente para todos
9 – Construir infraestrutura resiliente, promover industrialização inclusiva e sustentável e fomentar inovação
10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
12 – Assegurar padrões sustentáveis de consumo e de produção
13 – Adotar ação urgente para combatger a mudança do clima e seus impactos
14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável
15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, promover a gestão sustentável de florestas, combater a desertificação, cessar e reverter a degradação da terra e cessar a perda de biodiversidade
16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, oferecer a todos o acesso à justiça e construir instituições efetivas, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
17 – Fortalecer os meios de implementação e revigorar a parceria global para o desenvolvimento sustentável
O Brasil, por meio do Itamaraty, programou para hoje o anúncio público de suas metas nacionais. Esse conteúdo será objeto do próximo artigo.
* Publicado originalmente no Blog Cidadãos do Mundo.
(Blog Cidadãos do Mundo)
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