Rio de Janeiro, Brasil, 22/9/2014 – “Entregar aos banqueiros um grande poder de decisão sobre sua vida e a de sua família”, incluindo emprego, preços e salários, é o que faria Marina Silva, afirma a propaganda da presidente Dilma Rousseff em sua campanha pela reeleição. Um spot televisivo mostra uma reunião de homens engravatados e contentes, enquanto em outra cena uma família se assusta e se deprime diante do desaparecimento da comida de seus pratos.
Seriam executivos do Banco Central, ao qual Marina Silva ofereceu autonomia por lei em seu programa. Os banqueiros assumiriam um poder que cabe ao presidente do país e ao Congresso eleitos pelo povo, segundo a propaganda de 30 segundos divulgada pela rede de televisão dos horários da propaganda eleitoral destinados a Dilma.
A maioria da população não conta com informação para avaliar a polêmica, e o objetivo claro é semear o temor pelo desconhecido. Pode “criar na opinião pública estados mentais, emocionais ou passionais”, reconheceu a Promotoria Geral, que pediu na justiça a suspensão dessa propaganda.
Às tergiversações e as críticas agressivas entre os candidatos se somam promessas, em uma disputa eleitoral que tende a agravar as frustrações dos brasileiros com o prognóstico da economia para 2015. Todos os candidatos prometem baixar a inflação e o déficit fiscal, aumentando, ao mesmo tempo, o investimento em saúde e infraestrutura.
Mas o primeiro ano do novo governo será de “um ajuste doloroso”, afirmou Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. Há quase um consenso entre seus colegas do setor privado em considerar “inevitáveis” medidas impopulares para que o governo recupere a confiança dos agentes econômicos e promova investimentos .
Um aperto fiscal sem os truques da “contabilidade criativa” que tirou credibilidade das contas públicas nos últimos anos, altas de preços controlados e desvalorização do real serão algumas correções necessárias para superar a “desordem” atual da economia, segundo Vale, analista opositor ao governo.
Em sua opinião, o candidato social-democrata Aécio Neves será o melhor presidente para reordenar a economia, mas não tem opções. Ocupa o terceiro lugar nas pesquisas, lideradas por Dilma e Marina Silva, as prováveis rivais no segundo turno, no dia 26 de outubro. O primeiro será no dia 5 de outubro. Se for reeleita, Dilma “nada mudará” e a economia brasileira continuará paralisada e em “rápida deterioração”, previu Vale.
O risco é que o novo governo perca de imediato o apoio popular, ao trair suas promessas eleitorais. O ajuste poderá reduzir o consumo, em um primeiro momento, e elevar a inflação, já alta e um fator de deterioração da presidente. A desvalorização cambiária provavelmente ocorrerá pela prevista elevação das taxas de juros em 2015 por parte do Federal Reserve (o banco central norte-americano), que valorizará o dólar.
Isso terá efeitos inflacionários que exigirão novas altas da taxa de juros, freando o dinamismo em uma economia já praticamente paralisada desde 2011. O mesmo ocorrerá com o aumento dos preços dos combustíveis e da energia elétrica, que está contido mas que algum dia vai estourar. São “temas que não estão na agenda da campanha eleitoral”, porque afugentam os votos, mas se imporão ao novo governo, pontuou Luis Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central e com experiência em universidades e bancos internacionais.
Adotar as medidas necessárias no primeiro ano, para recuperar a economia nos anos seguintes, será a melhor alternativa, porque persistir no rumo atual, com ações paliativas, agravará a situação no futuro imediato, levando ao “risco de crise institucional”, apontou Assis à IPS. No Brasil, “é inviável não crescer”, uma longa paralisia econômica gera “pressões sociais”, com consequências políticas, ressaltou.
Tampouco se pode esperar um crescimento acelerado do produto interno bruto (PIB), destacou Assis, porque depende de reformas estruturais que alterariam o pacto social adotado pela sociedade brasileira, de generosos benefícios distribuídos pelo Estado, em contração de investimentos públicos.
Sem a possibilidade de baixar a carga tributária, que no Brasil alcança níveis de países ricos de elevado bem-estar social, não se pode “simplificar o sistema”, cuja complexidade representa custos que tiram competitividade das empresas brasileiras, acrescentou Assis. Para ele, seria um “erro fatal” permitir mais supervalorização cambiária, um dos fatores que afundaram a indústria brasileira em uma “profunda recessão” há vários anos. Uma moeda valorizada “é uma grande tentação”, ao “represar preços” e aumentar a renda e o PIB, alertou.
Isso porque, em contrapartida, sobem também os custos, especialmente para a indústria. Mas uma desvalorização não soluciona o problema por si só. É apenas “uma anestesia”, necessária para uma cirurgia de melhoria na competitividade, com inovações tecnológicas, transporte e burocracia menos custosas e regras estáveis, destacou Assis.
Outro economista, Luiz Carlos Bresser Pereira, uma voz persistente contra a desindustrialização brasileira como consequência da “doença holandesa”, agora propõe uma teoria, o “novo desenvolvimentismo”, para explicar o processo que condena o país à “quase paralisia”, desde 1991, com o PIB por habitante crescendo apenas 1,6% como média anual.
Chama-se “doença holandesa” a síndrome provocada por um boom de divisas por exportações de recursos naturais, o que valoriza a moeda e anula a competitividade dos demais produtos locais, especialmente as manufaturas, prejudicando a economia interna.
Até 1990, o Brasil impunha um imposto de 31% sobre exportações de produtos básicos, dessa forma neutralizando a supervalorização cambiária. Isso favoreceu a competitividade das indústrias, que alcançaram 65% das exportações brasileiras em 1985, contra apenas 6% em 1965. Essa participação se limitou a 38% em 2013, quando o setor industrial registrou déficit comercial de US$ 105,015 bilhões, com as importações chegando a US$ 198,105 bilhões, segundo dados oficiais.
Sem o imposto de exportação, que Bresser Pereira propõe restaurar, ocorre uma “supervalorização crônica e cíclica” das moedas de países em desenvolvimento que exportam matérias-primas, explorando recursos naturais abundantes e baratos, como petróleo ou ferro.
A supervalorização cambiária é cíclica porque “gera crescente déficit nas contas externas e aumento do endividamento externo em divisa estrangeira”, até que chega a crise financeira, uma grande desvalorização da moeda nacional e mais inflação. O Brasil sofreu uma dessas crises em 1998, mas se deveu mais a outra causa da síndrome holandesa. Trata-se do que Bresser Pereira chama de “populismo cambiário”: o uso da supervalorização para conter a inflação, estimulando importações, e a política de crescer com investimentos estrangeiros.
São “políticas equivocadas” que se repetiram nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007) e de sua sucessora. “Hoje temos uma taxa de câmbio muito valorizada, mas sem ameaça de crise financeira no curto prazo”, pontuou Bresser Pereira. “Não acontecerá no prazo de um ano, mesmo sem nenhum ajuste”, acrescentou este professor da Fundação Getulio Vargas, que anunciou que vai votar em Dilma Rousseff. Sua segurança se deve às elevadas reservas internacionais do Brasil, que no dia 17 deste mês somavam US$ 377,319 bilhões, segundo o Banco Central.
A campanha deu um giro em agosto, quando Marina Silva, ex-ministra de Lula e candidata presidencial em 2010, assumiu a candidatura pelo Partido Socialista Brasileiro, após a morte em acidente aéreo de seu candidato, Eduardo Campos, que ocupava um relegado terceiro lugar nas pesquisas. Agora, estas colocam a presidente sete pontos à frente de Marina Silva. Envolverde/IPS
(IPS)
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