A ecologia não é apenas a preocupação com as energias renováveis.Ela propõe também mudança de mentalidade, de vida”.Edgar Morin (FSP, 29/07/2011)
[EcoDebate] Estamos em uma sociedade tecnofílica. A tecnologia dita o ritmo de vida das pessoas dentro de casa, no transporte, no trabalho, no lazer, etc. Nos últimos 200 anos – um mero pontinho na escala de tempo geológico – o mundo testemunhou um crescimento econômico exponencial e incríveis avanços científicos e tecnológicos. O crescimento da civilização humana deve muito à incorporação do progresso técnico. Mas a relação com o meio ambiente é mais complexa.
Entre o ano 1 da Era Cristã e o ano de 1800 a população mundial passou de cerca de 225 milhões de habitantes para 1 bilhão de habitantes, um crescimento de 4,4 vezes. No mesmo período a economia mundial cresceu 5,8 vezes, segundo dados de Angus Maddison. Em 1800 anos, o crescimento da renda per capita foi de apenas 30%. Todavia, com o início da Revolução Industrial e Energética houve um impressionante crescimento da população e da economia. A população mundial passou de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em 2011, um crescimento de 7 vezes. No mesmo período a economia internacional cresceu 90 vezes (segundo Angus Maddison). Isto quer dizer que houve um espetacular crescimento da renda per capita dos habitantes do mundo. Ou seja, em 211 anos a renda per capita cresceu 13 vezes, enquanto nos 1800 anos anteriores tinha crescido apenas 1,3 vezes.
As ideias iluministas de progresso foram colocadas em prática, mas na forma concreta de uma sociedade de consumo de massa. A ciência e a tecnologia, ajudadas pelos combustíveis fósseis, possibilitaram grandes transformações sociais e econômicas nos últimos 200 anos. Mas se houve ganhos, também houve grandes danos ambientais com o avanço da civilização. Mary Shelley foi uma das primeiras pessoas a questionar o otimismo do pensamento iluminista, quando escreveu o livro: “Frankenstein, o Prometeu Moderno”, publicado em 1818. Ela sugeriu que a tecnologia, em vez de criar o “homem novo”, poderia criar um monstro.
Autores como John Gray e James Lovelock consideram que o poder da tecnologia e dos avanços da racionalidade humana tem servido apenas para aumentar o poder do ser humano sobre o planeta à custa da degradação ambiental e da redução da biodiversidade. Em entrevista à revista Época, Gray (2006) apresentou um prognóstico pessimista sobre o futuro da humanidade: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”. Jonh Gray expressa sua descrença na tecnologia e no progresso humano no livro “The Silence of Animals: On Progress and Other Modern Myths” (Farrar, Straus & Giroux, 2013).
Enquanto algumas pessoas acham que a tecnologia, como os satélites, controlam tudo que acontece no mundo, outros mostram que a capacidade tecnológica é limitada, pois um objeto tão grande como o avião da Malaysia Airlines desaparecido com 239 pessoas, em abril de 2014, não foi encontrado, embora inúmeros países tenham utilizado a tecnologia mais moderna na busca.
Sem dúvida, alguns estudiosos veem a tecnologia como uma salvação, enquanto outros a veem como uma danação. Michael and Joyce Huesemann, no livro: “Techno-Fix: Why Technology Won’t Save Us or the Environment” alertam que a nossa confiança na tecnologia e na crença de que ela vai nos salvar é “suicida” e que muitas das nossas invenções estão causando mais mal do que bem.
Michael Huesemann diz no livro que não odeia tecnologia, mas quer que ela seja usada para algo bom para as pessoas e o meio ambiente: “Precisamos mudar a ciência e a tecnologia em uma nova direção , porque os nossos melhores cientistas estão ocupados construindo instrumentos e armas mais poderosas para aumentar os lucros das empresas, enquanto apenas uma fração muito pequena é dedicada à solução de problemas ambientais. O governo dos Estados Unidos gasta US $70 a 80 bilhões por ano para pesquisa militar e de defesa nacional, em comparação com cerca de US $ 2 bilhões para a pesquisa ambiental“.
Ele diz que, em vez de abordar as causas dos nossos problemas, as empresas usam o “techno-fix”, apenas para tratar os sintomas, como o plano das empresas petrolíferas para começar a bombear CO2 para o chão. Além do mais, tecno-correções sempre podem ter consequências inesperadas, o que significa que precisamos de chegar a um novo techno-fix para resolver os problemas criados a partir de nossa última techno-fix .
Para Huesemann, a solução é simples: converter inteiramente a matriz energética para fontes renováveis, utilizar apenas materiais sustentáveis, reciclar tudo, não produzir resíduos tóxicos, mas apenas biodegradáveis e mudar nosso padrão de produção e consumo que tem causado tantos danos ao meio ambiente.
Se a tecnologia for usada apenas para aumentar a eficiência econômica e incentivar o consumo então cairíamos no Paradoxo de Jevons (ou efeito bumerangue – rebound effect), que é uma expressão usada para descrever o fato de que o aperfeiçoamento tecnológico ao aumentar a eficiência com a qual se usa um recurso ou se produz um bem econômico, o mais provável é que aumente a demanda desse recurso ou produto. Este fenômeno foi observado pelo economista britânico William Stanley Jevons (1835-1882), que escreveu em 1865 o livro “O Problema do Carvão”, observando que os motores mais eficientes da Revolução Industrial em vez de reduzir, aumentaram o uso total do carvão: “É um completo engano supor que um uso mais eficiente dos combustíveis implicará numa redução do seu consumo. A verdade é precisamente o oposto”.
Desta forma, podemos perceber que os avanços tecnológicos podem ser um grande instrumento de libertação e bem-estar, mas também podem se tornar fontes de exploração e alienação, especialmente quando reforçam o monopólio da ciência e tecnologia nas mãos de poucos atores econômicos. Aumentos na eficiência energética e produtiva só contribuem para o avanço do processo civilizatório quando estiverem a serviço do conjunto da população, dos demais seres vivos do Planeta e da melhoria da qualidade de vida da Terra.
Referências:
Michael and Joyce Huesemann. Techno-Fix: Why Technology Won’t Save Us or the Environment, 2011
ALVES, JED. A tecnologia e o Frankenstein. EcoDebate, RJ, 18/04/2012
ALVES, JED. O Paradoxo de Jevons e a questão da eficiência. EcoDebate, RJ, 29/02/2012
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 25/07/2014
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