A árvore de tronco reto, que pode atingir até 50 metros de altura, cinco de diâmetro e viver por 500 anos, guarda uma importância que vai muito além das dimensões que ganha na floresta, mas que é invisível aos olhos do consumidor.
A castanheira, originária da Amazônia, tem um papel tão importante, quanto desconhecido para a economia da região. A atividade, de caráter prioritariamente familiar, é exercida por populações tradicionais, que ao longo de gerações, desenvolveram um modo de coleta que contribui para a conservação e o monitoramento de extensas áreas de florestas, além da prestação de serviços ambientais. No entanto, a distribuição dos benefícios ao longo da cadeia da castanha-do-Brasil é bastante difusa.
Para entender esse cenário, o IMAFLORA iniciou um estudo, em três fases, para identificar as características de cada etapa dessa cadeia.
Quem fala sobre o tema é a engenheira florestal e coordenadora de Projetos e Mercados Florestais do IMAFLORA, Patrícia Cota Gomes.
RADAR- Qual a ideia do estudo?
É aprofundar o entendimento da cadeia: saber quem produz, quem vende, quem são os principais compradores, intermediários, e como os benefícios se distribuem ao longo dela.
Existe um desejo de entender o funcionamento desse mercado, em função da falta de dados sobre a comercialização, principalmente. A partir destas informações será possível identificar as oportunidades e gargalos, com objetivo maior de engajar e influenciar os principais elos da cadeia à jusante (atacadistas, distribuidores, clientes, consumidor final) em prol de um mercado mais ético e prática de preços mais justos.
RADAR – Quais os aspectos da cadeia da castanha-do-Brasil chamam a atenção para merecer um estudo?
Primeiro, por ser uma atividade econômica importante para a região. Depois, chama a atenção por ter uma cadeia produtiva pouco transparente, uma vez que se trata de uma cadeia bastante informal, com a participação de muitos atravessadores. No entanto, os dados oficiais só trazem informações sobre a formalidade. Esse é o lado que conhecemos e, nos parece, tudo indica, que o extrativista não recebe o valor que considera justo, e que remunere os serviços prestados.
RADAR – Diante da enorme variedade e riqueza da Amazônia, por que a castanha se destaca?
Sabemos que a castanha é um produto que constitui a principal fonte de renda para muitas famílias que vivem na Amazônia. E é um produto que contribui muito para a conservação. Isso porque as comunidades, ao rodarem os castanhais para realizarem a coleta, estão monitorando seus territórios, identificando invasões, atividades predatórias e ilegais. Quanto mais atrativo for o valor da castanha no mercado, mais eles estarão envolvidos com a atividade e, consequentemente, monitorando e contribuindo para a proteção de seus territórios. Existe um serviço que é prestado à sociedade o qual o mercado ainda pouco conhece. Por isso, a castanha é um produto chave pra Amazônia.
RADAR – Quais as características da produção e quem é o principal consumidor da castanha-do-Brasil?
Essa é a pergunta que queremos responder. Os dados oficiais mostram que a exportação do produto vem decrescendo desde 2005 e o país se tornou também o maior consumidor, sendo responsável por 73% da produção nacional.
RADAR – O que aconteceu?
São várias as hipóteses e o estudo vai olhar para cada uma delas. A primeira é o aumento de barreiras comerciais impostas por alguns países, principalmente pela comunidade europeia, em função dos níveis aceitáveis de aflatoxina (contaminação por um fungo), resultando na redução das exportações. Para explicar o crescimento do mercado interno há outras hipóteses, como o aumento do poder aquisitivo do consumidor brasileiro e o reconhecimento por parte do mercado da castanha como um alimento funcional.
O que sabemos é que se quisermos mudar as relações nessa cadeia, temos que compreender melhor como se comporta o mercado nacional, que hoje representa mais de 70% do consumo de tudo o que é produzido no país.
RADAR – Quais os impactos sociais e ambientais da atividade?
Além da importância econômica para a região, essa é uma atividade que pode ser considerada de baixo impacto, uma vez que a coleta não envolve supressão de árvores, somente a extração da castanha, apesar de existir certa controvérsia em torno da quantidade extraída nos castanhais, e se isso pode comprometer ou não a manutenção da espécie com o tempo. Mas não existem estudos científicos conclusivos a esse respeito, não há consenso. O que vemos na prática é que essas coletas feitas de forma tradicional há gerações, têm contribuído de forma significativa para a conservação e manutenção dos territórios.
RADAR – É uma cadeia pequena? Como são as relações econômicas ao longo dela?
Queremos entender melhor isso. É uma cadeia cuja coleta é realizada principalmente por extrativistas, uma atividade prioritariamente familiar, voltada tanto para a subsistência quanto para geração de renda. Existem poucas plantações e o extrativismo responde pela quase totalidade da produção nacional.
Agora, para que esta produção chegue até o sudeste e ao sul do país, principais mercados consumidores, imagine a logística necessária, para tirar esse produto de dentro da floresta, processar processar e entregar nestes centros. Quem faz isso? O regatão, o atravessador tem um papel fundamental nesta cadeia, acessando locais isolados e comprando esta produção muitas vezes em troca de gêneros de primeira necessidade. Dai a castanha segue para entrepostos na cidade, e depois, para usinas de beneficiamento. De lá, pode ir pro varejo, para zona cerealista, para a indústria cosmética, ou alimentícia, que acreditamos ser um dos maiores consumidores. Mas isso, vamos verificar. O que mais chama a atenção é que é uma cadeia muito pouco transparente, com pouca formalidade nas relações e muito pouca informação confiável principalmente a respeito dos mercados.
RADAR – É possível relacionar a prática da atividade com o pagamento por serviços ambientais?
Esse é um desafio para todos nós. O IMAFLORA, assim como outras organizações, acredita que esses territórios estão conservados porque há estreita relação dessas populações com os produtos manejados tradicionalmente por elas, e claro, sua permanência nessas áreas.
Hoje, as ONGs tem o desafio de demonstrar para a sociedade, a viabilidade desses modelos. Porque, se as comunidades não tiverem alternativas econômicas compatíveis com a conservação, os produtos oriundos de atividades predatórias ou legais, poderão se tornar mais atrativos. O nosso desafio é demonstrar esse valor para o mercado consumidor, para a sociedade. Ou seja, o quanto estas populações e estes produtos contribuem para a conservação dos territórios e para a sociedade. E aí tem uma questão técnica: como valorar o intangível? Existem alguns mecanismos para isso e há instituições pensando isso.
RADAR – Quando o estudo deve ser finalizado?
O estudo está desenhado para acontecer em três fases, de três meses cada. Dentro de um ano, o estudo completo deve estar pronto. A primeira fase vai identificar os principais compradores, a segunda, o funcionamento da cadeia e formação dos preços, e a terceira, e última, o consumidor final.
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O Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) é uma organização brasileira, sem fins lucrativos, que trabalha desde 1995 para promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, gerar benefícios sociais e reduzir os efeitos das mudanças climáticas. Acesse www.imaflora.org para mais informações.
(Imaflora)
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