Rio de Janeiro, Brasil, 16/9/2013 – O rendimento da soja brasileira, item fundamental das exportações, pode cair até 24% até 2050. Também haverá redução no feijão, arroz, milho, cana-de-açúcar, café e laranja. Alguns desses alimentos já apresentam perdas nas colheitas deste ano. O que acontece com o poderoso setor agropecuário do Brasil? Segundo o primeiro informe exaustivo sobre a mudança climática no país, a temperatura em seu extenso território pode aumentar entre três e seis graus até 2010, e as perdas agrícolas serão um de seus efeitos mais notáveis.
Não será “o fim do mundo”, afirmam alguns cientistas ouvidos pela IPS. Mas outros antecipam uma crise de segurança alimentar. O capítulo sobre agricultura estima que até 2020 o setor sofrerá perdas em torno de US$ 3,1 bilhões por ano. “Se a temperatura continuar subindo e baixando, como está ocorrendo, teremos ondas de calor e de frio muito fortes e perda de produtividade agrícola”, disse à IPS o pesquisador Eduardo Assad, da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) e um dos autores do informe.
Além da soja da qual o Brasil é o primeiro exportador mundial, outros alimentos mencionados são fundamentais na mesa brasileira. Por isso, “sem dúvida”, estamos falando de segurança alimentar”, afirmou à IPS o coordenador do programa de mudanças climáticas e energia do Fundo Mundial da Natureza – Brasil (WWF-Brasil), Carlos Rittl, doutor em ecologia. O estudo é o primeiro de três a serem publicados pelo Painel Brasileiro de Mudança Climática, órgão criado em 2009 pelos ministérios de Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente.
Este volume se centra na base científica do aquecimento global e reúne trabalhos de 345 pesquisadores. Sua publicação se faz no contexto da Primeira Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, que aconteceu na semana passada, em São Paulo. Os dois seguintes estarão disponíveis em outubro e novembro. O calor, agravado por menos chuvas, poderia reduzir o caudal dos rios e o fornecimento de água subterrânea, se não houver respostas para baixar a emissão de gases-estufa, causadores do aquecimento.
“E já estamos sendo afetados”, advertiu Rittl. “Estamos sofrendo eventos meteorológicos extremos cada vez mais frequentes, tempestades, inundações, chuvas intensas, por sua vez associadas a deslizamentos de terra e outros acidentes, como os ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro (em 2011), ou secas extremas, como agora no Nordeste”, acrescentou. Essas secas poderiam se estender por vários “anos seguidos” e deixar “sem água para a produção agrícola ou para beber”, acelerando o processo de desertificação, ressaltou.
Na Amazônia, as chuvas poderiam diminuir em 45%. A queda hídrica neste bioma, onde são construídas muitas hidrelétricas, acarretaria riscos para o fornecimento de energia. Nos pampas do Sul e no Sudeste, as precipitações aumentariam 40%, causando mais inundações. “Em regiões muito pobres do Nordeste, a produção de subsistência sofrerá consequências severas, com tendência a um maior empobrecimento de sua população e migração para os centros urbanos”, indicou Rittl. A agricultura familiar é uma fonte central de provisão de alimentos no Brasil. “Em determinadas regiões não será mais possível produzir cultivos”, alertou.
No entanto, Eduardo Assad destaca que o informe não conclui que haverá mais insegurança alimentar. Deve-se antecipar uma “possível mudança na geografia agrícola”. Pesquisas da Embrapa e da Universidade de Campinas mostram que as zonas cafeeiras do Sudeste já não serão mais aptas para esse cultivo tradicional do Brasil. A Embrapa já trabalha no desenvolvimento de variedades de café mais resistentes. Também busca soluções para adaptar a soja, o milho e o sorgo, bem como um feijão tolerante a temperaturas elevadas.
O informe não apresenta novidades sobre cenários climáticos já traçados para o Brasil, mas sistematiza os conhecimentos existentes e expõe quais são as lacunas de conhecimento de cada caso. Por isso é um mapa do caminho para as pesquisas futuras. Em 2009, o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de gases-estufa entre 36,1% e 38,9%, segundo dois cenários de crescimento do produto interno bruto. O governo afirma que já avançou em 62% para essa meta, graças à acentuada redução do ritmo de desmatamento.
No entanto, se houve êxitos nessa área e na elaboração do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), a mudança climática “não é um tema prioritário para o governo” de Dilma Rousseff, observou Rittl. Ele comparou o investimento destinado pelo governo ao ABC, entre os anos de 2011 e 2012, de US$ 1,56 bilhão, com os quase US$ 50 bilhões de estímulos para a grande agricultura. “O grande investimento segue na agricultura tradicional que continua com as emissões” contaminantes, destacou. A agricultura e a energia “representam juntas 90% ou mais das emissões” do Brasil, afirmou o especialista.
Assad mencionou ações em marcha, como sistemas integrados de agricultura, pecuária e silvicultura, recuperação de pastagens degradadas, maior uso da semeadura direta (sem arar a terra) e de fixação biológica de nitrogênio. “Estamos implantando sistemas que, em lugar de emitirem mais, sequestram carbono”, explicou. O objetivo é chegar a 2020 com 20 milhões de hectares cultivados por esse método. “Se mantivermos a monocultura, teremos problemas”, pois com mais chuva e umidade “haverá mais pragas e doenças”, ressaltou.
A expansão de uma dessas monoculturas, a soja, é uma das causas da degradação de solos e do desmatamento. “Os grandes setores agrícolas, que antes acreditavam que a mudança climática não era importante, agora percebem que também são vulneráveis e são nossos aliados”, enfatizou Assad. Contudo, esses planos são insuficientes se não se integrarem às ações dos diferentes ministérios, que “não têm comunicação entre si. Temos que nos preparar muito mais para as consequências que enfrentaremos em qualquer cenário”, destacou Rittl. Envolverde/IPS
(IPS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário