“Há limites evidentes em prosseguir a expansão do sistema elétrico do país com base na hidroeletricidade”, diz Otávio Mielnik à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Segundo ele, “a maior parte dos recursos hídricos a ser equipada com usinas hidrelétricas encontra-se na Amazônia e no Cerrado, áreas com grande sensibilidade ambiental, próximas de terras indígenas e situadas a grande distância (cerca de 2.000 km) dos centros de consumo”.
Autor do estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, intitulado o Futuro Energético e a Geração Nuclear, Mielnik ressalta que a estimativa é de que “a demanda de energia elétrica cresça de 3 a 4% ao ano no período de 2013-2040. Isso significa que há necessidade de se organizar desde já um processo de transição que permita atender o crescimento da demanda em bases sustentáveis. Sustentabilidade que seja física, mas também tecnológica, econômica e financeira”.
Mielnik aposta na “inovadora contribuição” da energia nuclear, e assegura que nas próximas duas décadas ela pode representar um percentual significativo na matriz energética brasileira, “tanto por seu desempenho operacional e confiabilidade (gerando energia 90% do ano), quanto por apresentar um custo de geração competitivo (fortalecendo a segurança econômica do sistema de geração elétrica) e por contribuir para a segurança ambiental (não emitindo gases de efeito estufa)”.
Otávio Mielnik é coordenador de estudos na área de energia da Fundação Getúlio Vargas – FGV Projetos.
Confira a entrevista:
IHU On-Line – Em seu estudo, o senhor diz que o sistema de geração e desenvolvimento de energia dos últimos 50 anos mostra sinais de saturação. Que sinais são esses? E por que a alternativa ao atual sistema energético é investir em usinas térmicas?
Otavio Mielnik - O sistema de geração de energia elétrica no Brasil tem sido predominantemente hidrelétrico (90% da geração anual entre 1970 e 2000). Desde o ano 2000, a geração hidrelétrica tem se mantido ao redor de 80% do total da geração elétrica anual do país. Mesmo considerando a importância dos recursos hídricos do Brasil (entre os maiores do mundo) e o custo competitivo da geração hidrelétrica, há limites evidentes em prosseguir a expansão do sistema elétrico do país com base na hidreletricidade. Isso porque a maior parte dos recursos hídricos a ser equipada com usinas hidrelétricas encontra-se na Amazônia e no Cerrado, áreas com grande sensibilidade ambiental, próximas de terras indígenas e situadas a grande distância (cerca de 2.000 km) dos centros de consumo. Essas restrições têm implicação tecnológica, econômica e regulatória. Ao mesmo tempo, estima-se que a demanda de energia elétrica cresça de 3 a 4% ao ano no período de 2013-2040. Isso significa que há necessidade de se organizar desde já um processo de transição que permita atender o crescimento da demanda em bases sustentáveis. Sustentabilidade que seja física, mas também tecnológica, econômica e financeira. Este é o desafio atual. Não pode ser adiado. A diversificação das fontes energéticas é um imperativo para que haja uma evolução equilibrada da matriz elétrica. Para que seja sustentável, essa transição deve priorizar a competitividade resultante da utilização de diversas fontes, considerando seu custo de geração (segurança econômica), seu desempenho operacional e confiabilidade (segurança energética) e as externalidades geradas (segurança ambiental) em um quadro de atratividade econômica e financeira.
IHU On-Line – Considerando o investimento nas usinas térmicas nos próximos anos, quais as mudanças previstas tanto no custo da geração de eletricidade quanto na expansão da oferta de energia?
Otavio Mielnik - No estudo Futuro Energético e a Geração Nuclear, realizado pela FGV Projetos e concluído em julho de 2013, foram desenvolvidos três cenários, que estabeleceram (1) a evolução estimada da demanda, (2) os limites para a expansão de cada tecnologia de geração elétrica e (3) os custos de geração elétrica. Com base nessas restrições, foi projetada a composição da oferta de energia elétrica para cada um dos três cenários. Foi aplicada a metodologia dos custos nivelados de geração elétrica, pela qual se determina a competitividade de cada tecnologia de geração ao longo de sua vida operacional. Na determinação dos resultados, foram considerados dois regimes possíveis: um regime de concorrência (que reflete as condições reais de retorno dos investimentos) e um regime regulado (sob o qual a taxa interna de retorno dos investimentos é determinada pelo regulador). Os resultados obtidos no regime de concorrência, mais realistas e consequentes em matéria de sustentabilidade econômica e financeira, indicam a seguinte estrutura de custos de geração para cada tecnologia de geração elétrica e para cada cenário (imagem abaixo):
IHU On-Line – As pesquisas apontam que o potencial de urânio no Brasil é de 800 mil toneladas. O que isso significa?
Otavio Mielnik - As reservas de urânio do Brasil são atualmente de 309.000 toneladas (a sétima maior reserva do mundo). No entanto, até o momento apenas 25% do território do país foi prospectado e estima-se que as reservas adicionais de urânio existentes no conjunto do território sejam de 800.000 toneladas. Isso fará com que as reservas de urânio do Brasil atinjam 1,100.000 toneladas, tornando-se a segunda maior reserva mundial, atrás da Austrália.
IHU On-Line – Que percentual da matriz energética deve ser composto de energia nuclear?
Otavio Mielnik – A geração nuclear tem uma importante e inovadora contribuição a dar na formação da matriz elétrica do Brasil nas próximas duas décadas, tanto por seu desempenho operacional e confiabilidade (gerando energia 90% do ano), quanto por apresentar um custo de geração competitivo (fortalecendo a segurança econômica do sistema de geração elétrica) e por contribuir para a segurança ambiental (não emitindo gases de efeito estufa). Nos cenários desenvolvidos no estudo, a geração nuclear terá uma participação de 8 a 15% na matriz elétrica até o ano 2040. Um dos obstáculos ao seu desenvolvimento, dado pelo custo de construção, deve ser superado com as orientações que estão sendo adotadas na construção de novas unidades em vários países. Além disso, a participação do setor privado será um componente decisivo no investimento, construção e operação das centrais nucleares a serem implantadas no Brasil.
IHU On-Line – Depois de casos como o de Fukushima, é seguro investir em energia nuclear? O que senhor aponta sobre o investimento em energia nuclear a partir das suas pesquisas sobre a evolução da energia nuclear no plano internacional?
Otavio Mielnik - O acidente de Fukushima determinou uma discussão sobre o papel da energia nuclear na oferta de energia elétrica em muitos países. O debate integrou aspectos técnicos do desenho e operação dos reatores, assim como sua relação e implicação com a oferta e demanda de energia elétrica. A questão ganhou contorno relevante ao integrar o longo prazo e verificar (1) a dificuldade de atender a demanda de energia elétrica sem o concurso da energia nuclear (que representa 20% a 30% do fornecimento de energia elétrica nos Estados Unidos, Japão e Alemanha, e 75% na França) e (2) a posição diferenciada da energia nuclear (em um contexto de redução da geração a carvão) para atender o crescimento da demanda de energia elétrica, especialmente nos países em desenvolvimento. China e Índia, por exemplo, têm poucas alternativas, a não ser o carvão cada vez mais oneroso tanto em termos logísticos, quanto ambientais, para atender a expansão de suas necessidades energéticas. Há 71 usinas em construção atualmente no mundo. Cabe assinalar que, no Japão, quatro empresas de geração de energia elétrica solicitaram, em julho de 2013, ao agente regulador da energia nuclear, uma autorização para que, após verificação das condições de segurança, 12 usinas nucleares, localizadas em 6 localidades, voltem a funcionar a partir de março de 2014.
Um efeito importante do acidente de Fukushima foi o impulso dado às medidas de segurança pela indústria nuclear mundial, com inspeções e verificações de equipamento e sua capacidade de resistir à ruptura no fornecimento de energia elétrica durante e após terremotos e inundações, bem como a reavaliação de protocolos de armazenamento do combustível utilizado. Outro aspecto relevante é a diferenciação entre as unidades nucleares, que apresentam características próprias em matéria de tempo de vida do reator, contexto geográfico e tipo de tecnologia. Ao mesmo tempo, como a indústria nuclear é global, a experiência em casos semelhantes para melhorar os mecanismos de inspeção e reforço das condições de segurança pode ser partilhada por diversos países.
IHU On-Line – Diante do seu estudo, como avalia o investimento em grandes hidrelétricas que estão sendo construídas no país, a exemplo de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio?
Otavio Mielnik - São investimentos complexos, com riscos consideráveis ao longo do período de construção e impacto sobre seus custos de geração em razão das questões sociais e logísticas envolvidas.
IHU On-Line – O primeiro tópico do seu estudo trata da evolução da política energética no mundo, relacionando com a evolução brasileira. Como o Brasil se enquadra nessa análise? Acompanhou em alguma medida a evolução da política energética mundial? Por quê?
Otavio Mielnik - A agenda da política energética global tem sido orientada pela prioridade dada à segurança econômica (geração elétrica a custo competitivo), segurança energética (confiabilidade no fornecimento de energia) e segurança ambiental (restrição aos impactos ambientais resultantes da geração elétrica). Esses três níveis, que compõem a sustentabilidade das escolhas tecnológicas, econômicas, financeiras e regulatórias na formação da matriz elétrica, estão sendo aplicados na maior parte dos países. No Brasil, embora não haja um documento recente estabelecendo serem essas as prioridades da política energética do país, elas estão subjacentes ao discurso oficial. Ainda assim, cabe enfatizar a necessidade de estabelecer-se uma estratégia de longo prazo, com objetivos explicitados em matéria de oferta e demanda de energia elétrica, que sirvam como referência e indicação das oportunidades de investimento, permitindo que investidores privados possam planejar com maior segurança o desenvolvimento de projetos de médio e longo prazo.
IHU On-Line – Com a energia nuclear é contemplada no Plano Decenal de Energia brasileiro?
Otavio Mielnik - O Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, publicado em 2007, apresentou cenários de longo prazo para a energia nuclear. No Cenário de Referência do PNE 2030, a energia nuclear terá 4.000 MWe de capacidade instalada até o ano 2030, correspondendo à instalação de quatro novas usinas com 1.000 MW de capacidade cada uma, em um quadro de redução gradual do potencial hidráulico. No entanto, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2021 não contempla a implantação de usinas nucleares.
IHU On-Line – Considerando a necessidade de ter mais energia no futuro, em que consistiria um bom plano de diversificação da matriz energética brasileira?
Otavio Mielnik – Um bom plano orientado à diversificação da matriz elétrica brasileira deverá contemplar a distribuição equilibrada da oferta entre as diversas fontes energéticas, em função de seus custos de geração, no quadro de uma estratégia de longo prazo, com objetivos explicitados em matéria de oferta e demanda de energia elétrica, que sirvam como referência e indicação das oportunidades de investimento.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.
(IHU On-Line)
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