Especialistas debatem como atrair mais capital privado e aprimorar as fontes já existentes de investimento em meio à escassez de recursos públicos; CEBDS lança discussão para melhorar acesso aos recursos no Brasil.
O financiamento para as ações de mitigação e adaptação às mudanças do clima é um tema frequente de discussões, especialmente agora que o Fundo Verde do Clima está sendo construído, porém muitas barreiras ainda impedem o acesso e o desembolso dos recursos disponíveis.
Várias entidades públicas, privadas e multilaterais já oferecem recursos, mas é preciso capacitar as instituições e organizações nacionais, adaptar as fontes de financiamento e criar ambientes adequados para se efetivar esse fluxo. Essa é uma das principais conclusões de um painel realizado durante o Fórum Latino-Americano e do Caribe de Carbono (LACCF) na semana passada no Rio de Janeiro.
Andrei Marcu, Assessor Sênior para Mercado de Carbono da presidência polonesa da próxima conferência das partes da UNFCCC, comentou que, no momento, após a recente crise econômica, os governos não estão disponibilizando muitos recursos, mas que há um desejo das empresas por investimentos que tenham retorno.
“A finança climática é atrativa, mas é preciso certeza de que haverá um retorno”, disse Marcu, completando que, para isso, “é preciso criar uma rede ou um mercado global de carbono menos voltado para os ciclos econômicos e mais estáveis.”
Ele nota que o papel do governo é cada vez maior para atrair dinheiro do setor privado.
“No fim, as empresas respondem às forças de mercado e não à caridade (…) Se não houver estabilidade, o dinheiro vai fluir para outro lugar”, enfatizou.
Status do financiamento climático
Em um relatório de 2012, o Climate Policy Institute estimou que o fluxo anual de financiamento climático alcançou uma média de US$ 364 bilhões em 2010/2011, muito menos do que o necessário para limitar o aumento das temperaturas globais – a Agência Internacional de Energia projeta que seja preciso cerca de US$ 1 trilhão adicional por ano apenas para o setor de energia.
O segmento privado contribuiu com a maior parte dos investimentos (entre US$ 217 e243 bilhões, ou 75% do total rastreado), e o setor público (entre US$ 16 e 23 bilhões) “agiu como catalisador para o financiamento privado e forneceu auxílio bilateral para outros países em desenvolvimento”, concluiu o relatório.
Intermediários públicos e privados, especialmente bancos nacionais de desenvolvimento e bancos comerciais, tiveram um papel importante, arrecadando e canalizando o financiamento climático global (entre US$ 110 e 120 bilhões).
As economias emergentes foram os principais receptores dos recursos, mas também foram fontes importantes. Quase um terço dos investimentos em mitigação foi constatado na China, Brasil e Índia.
“Há dinheiro fluindo, mas muito menos do que é preciso”, comentou Barbara Buchner, Diretora Sênior para a Climate Policy Initiative Europa (CPI), questionando então sobre o que é preciso para criar um ‘business case’ convincente para atrair o setor privado.
Adaptação
Hernan Carlino, Coordenador do Centro de Estudos da Mudança Climática da Fundación Torcuato Di Tella (FTDT), chamou a atenção para uma parte essencial do cenário de mudanças climáticas, a adaptação às suas consequências.
“Uma porção muito pequena é direcionada para a adaptação. Um acordo global teria que aumentar esses recursos. É muito difícil imaginar que no futuro teremos capital privado indo direto para adaptação”, lamentou.
Segundo o relatório do CPI, apenas US$ 14 bilhões dos US$ 364 bilhões em financiamento climático global em 2010/2011 foram direcionados para adaptação.
Capacitação e estruturação
Carlino também ressaltou a necessidade de mecanismos para rastrear o financiamento em nível internacional e também de capacitar os países em desenvolvimento para acessar os recursos.
“Os países em desenvolvimento estão tentando entender como fazer as Ações Nacionais Apropriadas de Mitigação (NAMAs) muito rápido depois de terem se dedicado ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo … e também como satisfazer os requisitos dos doadores”, notou.
“Mesmo se os recursos não fluírem na escala que queremos nos próximos anos, os países em desenvolvimento precisam estar prontos para gerenciar os recursos e estarem capacitados.”
Os painelistas colocaram que existem muitos fundos focados em nichos distintos – como adaptação, tecnologias limpas etc. –, mas que seria difícil compreender as particularidades de cada um.
O Fundo Verde do Clima (GCF), instrumento multilateral criado durante a conferência do clima de 2010, é tido como essencial para suprir as brechas, especialmente de falta de recursos para atingir os trilhões necessários. A próxima reunião do GCF será realizada no início de outubro em Paris e continuará os trabalhos de estruturação do mecanismo.
Financiamento privado
Em tempos de rédeas curtas na liberação de recursos públicos para a construção de uma sociedade mais resiliente às mudanças climáticas e para mitigar as fontes de emissões, muito se fala em como atrair o capital privado. Porém, muitos obstáculos ainda precisam ser superados.
Uma possibilidade já bem estabelecida são os Fundos de Investimento Climático (CIF, em inglês), que focam em quatro setores – tecnologias limpas, resiliência climática, florestas e energias renováveis – em países de baixa renda. O Fundo de Investimento em Florestas (FIP) tem inclusive aplicado recursos em projetos no Brasil, como na regularização ambiental nos estados do bioma Cerrado por meio do Cadastro Ambiental Rural.
O total de recursos prometidos através do mecanismo para investimentos climáticos alcança US$ 7,6 bilhões, grande parte (US$ 5,2 bi) para o Fundo de Tecnologias Limpas (CTF). O CIF ainda atraiu coinvestimentos de US$ 43,6 bilhões, apoiando ações em 49 países.
Dos recursos sendo alocados, 27% estão na América Latina e Caribe.
Shaanti Kapila, coordenadora do programa global de apoio aos CIFs, coloca que o Banco Mundial é quem administra os fundos, e que, geralmente, em cada país um ministério coordena as suas atividades.
Ela explica que os CIFs usam uma gama de ferramentas, como empréstimos, subsídios e instrumentos de mitigação de risco (garantias, equity).
“A cada dólar investido no CTF, por exemplo, oito vêm de outras fontes, como o setor privado. O nicho é oferecer fundos antecipados (upfront)”.
Kapila comentou que os fundos têm funcionado muito na base do “learning by doing” (“fazendo e aprendendo”), tendo aprimorado a sua flexibilidade e objetividade ao longo do tempo.
Entre as principais lições aprendidas pelos CIFs, a coordenadora ressalta a questão de que apenas dinheiro não é suficiente, sendo necessário ambientes facilitadores. Isso por que os planos de investimento dos CIFs são elaborados de forma a estarem integrados nos objetivos nacionais de desenvolvimento.
Em locais onde não havia estrutura, Kapila notou que foi necessário repensar onde utilizar os fundos disponíveis.
Desembolso
Uma crítica aos CIFs é a dificuldade que o setor privado tem em acessar os recursos devido à forma restrita que seriam desenhados, especialmente por dependerem muito do relacionamento com os governos, e o longo caminho até que os investimentos estejam concretizados.
Gloria Visconti, especialista líder em mudança climática do Banco Interamericano de desenvolvimento (BID), admite que “o desembolso é a parte fraca” por diversos motivos.
Entre eles está o tempo de em média um ano que os governos levam para criar os planos de investimento e, além disso, quando o plano é apoiado não significa que o dinheiro é transferido, pois ainda é preciso aprovar projetos específicos.
“Há muitos passos processuais que são adicionais ao ‘business as usual’ [costumeiro] dos bancos, pois temos salvaguardas socioambientais e outras regras. Às vezes os governos mudam e querem alterar os planos, há razões diferentes para levar tanto tempo … embora isso já tenha sido simplificado”, explica.
“Os projetos levam tempo, são complexos. Como podemos melhorar?”, questiona Visconti.
Kapila sugere que talvez criar um fundo de desenvolvimento de projetos ou reservar recursos para a prontidão, capacitação e construção de políticas nos países pode ser uma solução.
Quanto à crítica da forte dependência dos fundos para com os governos, o que estaria dificultando a participação do setor privado, Visconti assume que “há uma tendência de usar os fundos no setor publico”, porém que os CIFs estariam trabalhando em um fundo específico para o setor privado.
Dificuldades no Brasil
Constatando a frequente queixa do setor empresarial, que não consegue acessar os recursos disponibilizados por instituições financeiras para o financiamento climático, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) está lançando discussões entre o segmento e os bancos privados.
“O objetivo é chamar a atenção [para o fato de] que as empresas não estão conseguindo acessar o financiamento. Os bancos desconheciam isso, eles acreditavam que não havia pessoas interessadas”, comentou Raquel Souza, conselheira da presidência do CBDS, ao CarbonoBrasil.
Como exemplo, Souza citou o Fundo Clima, que tem recursos, mas segundo ela, não tem aplicação, pois o BNDES tem outras linhas com taxas de juros mais interessantes.
Buscando contornar a situação e identificar as barreiras, a ideia do projeto ainda em estágio inicial é criar um diálogo envolvendo tanto grandes empresas quanto os maiores bancos para ver o que é possível fazer.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)
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