Carbon Disclosure Project afirma que municípios do país estão começando a “acordar” para nova realidade de um clima em constante mudança, e buscam soluções apesar da falta de iniciativas do governo federal.
As medidas de sustentabilidade e mitigação de emissões em nível municipal já são uma realidade em diversas cidades do mundo. As que costumam chamar mais a nossa atenção são, na maioria das vezes, a de grandes municípios no Hemisfério Norte, o que pode dar a impressão de que as cidades brasileiras não estão buscando soluções para seus problemas ambientais e climáticos.
Mas em entrevista ao Instituto CarbonoBrasil, Fernando Figueiredo e Juliana Lopes, diretores para Brasil e América Latina do Carbon Disclosure Project (CDP), afirmam que os municípios brasileiros estão começando a “acordar” e a se convencer de que é necessário adaptar-se a essa nova realidade de um clima em constante mudança.
O CDP é uma organização internacional sem fins lucrativos que tenta ajudar empresas e cidades a medirem, divulgarem, gerenciarem e compartilharem informações vitais sobre o meio ambiente. Atuando em diversos países, a entidade é um dos principais atores globais quando o assunto é inventário de emissões e avaliação de impactos ambientais.
Segundo o mais recente relatório do CDP sobre projetos sustentáveis, o Wealthier, healthier cities (algo como Cidades mais prósperas e saudáveis), realizado em 110 municípios do mundo todo, a participação das cidades brasileiras no relato de ações sustentáveis cresceu mais de 265%.
No total, 11 municípios do país responderam ao CDP Cities, contra três no último ano, dentre os quais nove – Belo Horizonte (MG), Campinas (SP), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) – foram convidados pelo CDP. As três últimas cidades listadas, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, são participantes do C40. Além desses, dois municípios participaram como voluntários: Aparecida (SP) e Jaguaré (ES).
De acordo com Figueiredo, o relatório é publicado desde 2011, e “desde então o número de cidades participantes só aumenta”. Uma das vantagens da participação no documento é que permite que os municípios criem um diagnóstico daquilo que falta para se tornarem mais sustentáveis, aponta.
Juliana Lopes cita, por exemplo, que “muitas das cidades dizem que não têm inventário de emissões, e o envio do questionário para o relatório faz com que elas percebam suas falhas, apontem suas lacunas e construam estratégias de mitigação de emissões e sustentabilidade”.
Segundo Lopes, os gestores e prefeitos de municípios estão começando a perceber que problemas ligados à água e saneamento básico tendem a crescer com as mudanças climáticas, e por isso a preocupação com a adaptação a desastres.
Ela destaca que algumas cidades já estão catalisando iniciativas de mitigação de emissões, por exemplo, que têm levado a reduções de custos e desenvolvimento econômico. Além disso, relatar ações de mitigação de emissões e de sustentabilidade contribui para uma maior transparência na gestão ambiental do município.
A cidade de Belo Horizonte, por exemplo, está atualmente vivenciando um aumento nas enchentes devido a tempestades. Entre outros efeitos, essas enchentes resultam em prejuízos para pequenos comerciantes, que perdem produtos, assim como outros bens, como móveis. Tempestades e enchentes também prejudicam o tráfego, que dificulta ou impede que os empregados cheguem a seus locais de trabalho.
“Se essa situação persistir ou ficar pior, pode afastar possíveis empreendedores”, sustenta o governo da cidade. Sendo assim, o que o governo de BH está desenvolvendo esforços especiais para proteger o município dos efeitos das mudanças climáticas. Muitos desses esforços também trouxeram benefícios na proteção dos negócios.
A cidade está, por exemplo, trabalhando para melhorar a infraestrutura de água e transporte, a fim de reduzir as enchentes e manter os comerciantes em segurança. Com isso, diz Lopes, os investidores empresariais também estão começando se voltar para a mitigação das mudanças climáticas como uma oportunidade de negócios.
Desafios e oportunidades
Mesmo assim, os municípios ainda enfrentam muito desafios para tornar a mitigação das mudanças climáticas e ações sustentáveis uma realidade. Um deles, comenta Lopes, é que essas ações “ainda não são prioridade na agenda. Os investimentos ainda têm muito que caminhar nesse sentido. Alguns fundos já estão se interessando, mas não é a grande maioria.” “Falta organização no sentido de construir uma estratégia conjunta”, completa Figueiredo.
Outro desafio seria a falta de capacitação técnica da equipe da cidade no entendimento da temática mudanças climáticas. Fica mais difícil desenvolver estratégias de sustentabilidade quando não há muitas pessoas que dominem o assunto.
Também falta uma agenda convergente e de articulação entre as esferas federal, estadual e municipal do governo. Há uma desconexão entre o governo federal e as outras esferas, um fator de desalinhamento.
Os planos do governo federal, por exemplo, em se tratando da mitigação das emissões e adaptação às mudanças climáticas, pouco contemplam estratégias a serem desenvolvidas em nível municipal. Além disso, o consumidor e o cidadão ainda não têm canais para forçar e demandar esse processo e pedir por mais sustentabilidade.
Mas o CDP ainda vê caminhos pelos quais essas estratégias podem se desenvolver. Um deles é o compartilhamento de informações entre as cidades sobre as ações criadas e implementadas, seus desafios, oportunidades, erros e acertos.
O grupo acredita que é possível estimular essas ações através da troca de experiências, como reportar as ações de mitigação, aumentando a eficácia das próprias iniciativas e da gestão dessas medidas.
Um exemplo são os municípios de Buenos Aires, Nova York e Cidade do México, que firmaram uma parceira de troca de informações sobre seus projetos de sustentabilidade. No Brasil, o Rio de Janeiro resolveu dividir informações sobre suas ações com outras cidades, e fóruns para compartilhamento de experiências com representantes de muitas delas devem ocorrer no segundo semestre do ano, com o CDP com um papel indutor nesses fóruns sobre como construir governanças climáticas.
MDL
Para o CDP, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é uma ferramenta que pode ser desenvolvida pelas cidades futuramente, já que alguns governos nacionais estão vendo nos mercados de carbono uma estratégia em longo prazo para a mitigação das emissões.
De fato, há uma tendência de surgimento de mercados nos municípios e estados, e o grupo destaca a importância de uma padronização nesse sentido. O CDP ressalta, no entanto, que isso ainda não está evidenciado nas respostas das cidades, e que não parece ser economicamente viável em curto prazo, já que atualmente o mecanismo vive uma crise, apresentando recordes de baixa nos preços.
Próximos passos
Como facilitador e colaborador das estratégias de sustentabilidade nos municípios, as próximas ações do CDP no Brasil visam sobretudo à consolidação e ampliação dos programas de gestão existentes no país (mudanças climáticas e cadeia de suprimentos) e à ampliação do número de cidades brasileiras participantes do relatório do CDP, a fim de criar sinergias para o desenvolvimento de projetos.
Além disso, o CDP pretende implantar no país dois programas internacionais do grupo ligados a empresas, de água e de florestas. O objetivo é “ampliar a questão do capital natural para empresas, aumentando também as discussões quantitativas e qualitativas sobre mudanças climáticas no setor”, concluiu Figueiredo.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)
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