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quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Floração dos Ipês, Mognos, Castanheiras - Eduardo Figueiredo Abreu

As emissoras de televisão nesta semana mostraram o majestoso florescimento das Cerejeiras no Japão. Isso seria apenas mais um fato corriqueiro se não levássemos em consideração o aspecto cultural intrínseco que envolve a população daquele país em relação ao processo fisiológico daquela árvore.

Sabemos que o Japão não pode ser considerado como um bom exemplo de conduta em prol do meio ambiente, por ser o 5º país do planeta que mais contribui com emissões dos gases de efeito estufa, causadores do aquecimento do planeta, como também, pela promoção da caça desenfreada a baleias, todavia, apresenta contradições na sua política ambiental, e uma dessas é a veneração do seu povo a Cerejeira, que é digno de reflexão.

O que mais nos chamou a atenção nas diversas matérias jornalísticas sobre o tema foi o fato de que essa reverência ao florescimento da Cerejeira no extremo oriente durar milênios, o que não é comum, ainda mais quando comparamos com outros países. É inevitável fazermos uma analogia de como tratamos a nossa flora, e ficamos aqui imaginando se o nosso país tivesse ao longo dos seus 500 anos o mesmo comportamento em relação a escultural Castanheira, o nobríssimo Mogno, ao Majestoso Ipê, enfim, com certeza, atualmente não teríamos uma lista tão abundante e crescente de espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção em nossos diversos biomas.

Mas, voltando ao Japão, essa veneração dos japoneses em relação ao florescimento da Cerejeira é considerado milenar, mais precisamente de 18 séculos, expressada pelo gesto tradicional das famílias daquele país em reunirem-se ou até fazerem pic-nic sob a sobra da árvore florida, o que para eles possui um forte simbolismo, representando força, perseverança e determinação. Para se ter uma idéia da veneração dos japoneses para com esta linda árvore de flores brancas que duram apenas 15 dias, a árvore é comparada ao espírito dos grandes samurais.

Conta à história do país do sol nascente que no ano de 794 as Cerejeiras já eram plantadas pelas suas belas flores para enfeitar os pátios da nobreza de Kyoto. Desde então, a Cerejeira se tornou um símbolo nacional, cuja expressão é utilizada nas artes plásticas, na musica, em filmes, nos vestuários, inclusive nos kimonos, materiais de papelaria e peças de cozinha e mesa daquele país.

Essa conduta do povo japonês em relação a uma árvore nos remete para uma reflexão sobre o que estamos fazendo em relação a nossa flora, mais especificamente a nossas árvores consideradas símbolo, como o Pau Brasil, o Ipê, o Mogno e a Castanheira. Infelizmente, a história nos revela que não há conectividade cultural no sentido de manter a sua preservação enquanto espécie, mas, ao contrário, demonstra um rastro de destruição alarmante, senão vejamos.

Ainda no período de colonização pelos portugueses, o Pau-brasil quase foi exterminado do território nacional, e através dos diversos ciclos econômicos ao longo da história de nosso país outras árvores também não tiveram muita sorte e ficaram próximos ao estágio de extinção. Estimativas recentes de pesquisas da FAPESP chegaram ao número de 470 mil árvores de pau-brasil, árvore símbolo do Brasil, dizimadas entre os séculos 16 a 19.

Encontrado em todas as regiões do Brasil, o Ipê sempre despertou a atenção de poetas, escritores e até de políticos. Nos chama a atenção que somente em 1961, o então presidente Jânio Quadros declarou o pau-brasil como Árvore Nacional e o Ipê-amarelo, da espécie Tabebuia vellosoi, a Flor Nacional, mas ficou só nisso. Diversas espécies de ipê apresentam forte declínio nas frentes de desmatamento da Amazônia, tanto as espécies do bioma florestal quanto do Cerrado, e podem estar em risco de extinção, segundo estudo recém-publicado na revista científica Biological Conservation.

Em relação ao Mogno brasileiro já no inicio deste século 21 já estava sendo considerado o próximo a compor a lista de extinção. Segundo o IMAZON, estima-se que 4 milhões de metros cúbicos de mogno serrado foram exportados pelo Brasil entre 1971 e 2001 – a imensa maioria (75%) para os Estados Unidos e Inglaterra. Outros 1,7 milhões teriam sido vendidos no mercado interno. Num cálculo rápido, isso significaria cerca de 10 milhões de metros cúbicos de madeira em tora, ou mais de 2 milhões de árvores de mogno abatidas.

Já a elegante Castanheira, provavelmente nenhuma outra árvore representa a Amazônia tão bem quanto a imponente Castanheira, que pode chegar a 60 m de altura. Seu ciclo reprodutivo é complexo e frágil, representando todo o intricado inter-relacionamento da biodiversidade do bioma da floresta amazônica, exigindo a participação de três espécies-chave: a Cotia que consegue roer a grossa casca do ouriço que guarda as castanhas (sementes) dentro; uma espécie de abelha que poliniza as flores da Castanheira; e um tipo de orquídea rara que possibilita a reprodução dessas abelhas através de sua essência.

Desde o século 19, a Castanheira é muito importante para a economia da região amazônica. Utilizada para a alimentação de comunidades tradicionais, povos indígenas e seus animais domésticos, a castanha chegou a ser um dos principais produtos do extrativismo regional, ocupando grande contingente de mão-de-obra – nos castanhais e nas cidades, onde o produto era beneficiado. O desmatamento ilegal em décadas recentes, fruto do avanço desenfreado da pecuária na Amazônia foi o principal fator da redução da população dessa árvore, que inclusive figura na lista das espécies ameaçadas de extinção.

Poderíamos incluir também nesta lista das espécies quase dizimadas do território nacional o conhecido Pequi, do Bioma Cerrado. Dados recentes da Universidade Federal de Goiás indicam que aproximadamente 47% das áreas naturais do Cerrado já foram convertidas para atividades de uso antrópico, ou seja, cultura agrícola, pastagens nativas e cultivadas, reflorestamento, área urbana e mineração.

Esses dados revelam o quanto o Brasil precisa evoluir na proteção de seus recursos florísticos, em que pese seu amplo e extenso arcabouço legal, ainda deixamos muito a desejar na proteção de nossas árvores, pelo menos daquelas consideradas nossos símbolos nacionais. Deixando de lado as questões de cunho cultural, o estágio de desenvolvimento econômico e as falhas na própria política ambiental do Japão, no entanto, precisamos aprender muito com esse país asiático na questão de como reverenciar uma árvore símbolo, embora, reconhecemos que existam problemas anacrônicos que precisam ser superados na gestão ambiental deste país como o próprio desmatamento ilegal.

Alguém há mais de 40 anos atrás teve a sensibilidade e a visão de tornar o Pau-brasil como símbolo nacional. Seria interessante agora dar um passo à frente, que pudéssemos fazer uma campanha nacional de valorização de todas as nossas árvores símbolos, inserindo o tema no currículo das escolas públicas, como também, com plantios em áreas urbanas e rurais, e que as mudas dessas árvores tivessem origem na compensação ambiental dos projetos de desmatamento. Seria uma ação educativa importante para começarmos, a exemplo do Japão, a reverenciar a floração de nossas espécies nativas, que muitas vezes passa totalmente despercebido do nosso povo brasileiro, despertando-o também para o que descreve o próprio hino nacional de que os “teus risonhos, lindos campos têm mais flores”.
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FONTE : Eduardo Figueiredo Abreu é Analista Ambiental, foi Secretário Adjunto de Meio Ambiente de Cuiabá (EcoDebate, 07/04/2010)

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