NOVELA AMAZÔNICA : Um Belo Monte de polêmicas
Terceira maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte, na Amazônia, ainda deve protagonizar capítulos controversos até sua construção
Não terminou com o leilão a polêmica em torno da construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte, no Rio Xingu.
Além de incertezas sobre quais empresas vão construir a usina, ainda há pelo menos 15 ações judiciais, risco de mais protestos indígenas e acirramento da disputa política com discussão na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado.
No front jurídico, a Advocacia-Geral da União prepara representações contra procuradores e o juiz federal do Pará responsável pela concessão das liminares contra o leilão, por abuso de prerrogativas. Na trincheira indígena, há a ameaça de invasões.
Só no setor empresarial ocorreu alguma descompressão com a negativa oficial da J. Malucelli de que abandonaria o consórcio. Também alvo de rumores de desistência, a Queiroz Galvão não se pronunciou, mas o governo interpreta que o interesse da construtora seria elevar a sua fatia.
Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Projeto Xingu do Instituto Socioambiental, lembra que o licenciamento foi submetido a especialistas que lançaram muitas dúvidas.
– Belo Monte está claramente vinculado a uma agenda política – avalia.
A frase vale tanto para o entusiasmo governista quanto para o intenso bombardeio da oposição. Um dos pontos mais críticos é o custo, estimado em R$ 19 bilhões pelo governo e em R$ 30 bilhões pelo mercado. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, considera improvável o estouro no orçamento, mas nesse caso o risco seria do empreendedor, não do consumidor. Como os empreendedores são em maioria estatais, o risco ficaria com os contribuintes.
– O problema é o retorno que as empresas querem, tudo fica caro se for rápido demais – avalia Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras.
O ministro das Minas e Energia, Márcio Zimmermann, declarou na sexta-feira que a construção pode começar já no segundo semestre.
– Trata-se da usina mais planejada do mundo. Foram cinco anos de estudos ambientais e não podemos mais esperar – justificou.
Por que saber mais
Belo Monte é um projeto histórico, a terceira maior hidrelétrica do mundo, e exige grande volume de recursos públicos. As empresas que vão assumir o risco da construção são estatais, há um volumoso financiamento do BNDES, significativa redução de cobrança de tributos e empréstimo subsidiado para compra de equipamentos. Tudo isso é sustentado pelo dinheiro dos impostos que os brasileiros pagam.
- Para o governo, a obra é essencial por oferecer energia barata para sustentar o crescimento e nenhum projeto de infraestrutura desse porte é realizado sem financiamento público.
- Para os críticos, houve pressa para tocar a obra por necessidade de responder aos ataques à lentidão do PAC e à concentração de nova geração em térmicas a óleo, caras e poluentes.
Quais as principais controvérsias Socioambientais
ONGs ambientais e ligadas aos direitos dos índios estão entre os maiores adversários de Belo Monte. Mesmo com área inundada menor do que a prevista, temem prejuízo à biodiversidade local e à subsistência dos índios da região, porque o projeto prevê o desvio das águas do Rio Xingu, com a consequente redução de vazão em um trecho de cemquilômetros que passa por duas reservas. Os índios receiam que Belo Monte abra caminho para outras barragens.
Econômicas
Embora o governo federal aponte que o custo de Belo Monte será de R$ 19,5 bilhões, estimativas de mercado situam o valor total em R$ 30 bilhões. Durante a fase de preparação para o leilão, as regras afugentaram os investidores que melhor conheciam o projeto. As construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht desistiram de participar, o que aumentou as especulações sobre a viabilidade do preço mínimo estabelecido pelo governo.
Por que investir em hidrelétricas
Mesmo com a grande atenção às energias alternativas – biomassa, eólica, pequenas centrais hidrelétricas – e a redenção da geração nuclear diante da inexistência de emissões de efeito estufa, as hidrelétricas dão ao Brasil posição invejável na avaliação da matriz renovável. Enquanto a média mundial é inferior a 20%, no país passa de 70%, considerando apenas a eletricidade. Hidrelétricas não dependem de combustível para gerar energia, por isso ainda têm custo mais baixo.
Mesmo dependendo do regime de chuva, como podem armazenar água, oferecem fator de capacidade – relação entre potência instalada e energia efetivamente gerada – superior à maioria das fontes alternativas.
Quem fará
O Norte Energia, formado por nove empresas, era considerado o azarão da disputa, por reunir empresas com menor experiência no setor e não envolver autoprodutores – empresas que poderiam comprar a energia gerada para consumo próprio por preço mais baixo, melhorando a viabilidade econômica do projeto. Também surgiram rumores sobre a disposição de duas se retirarem do grupo. Desde então, a assessoria da Queiroz Galvão não confirma nem desmente a informação.
Na quinta-feira, a J. Malucelli desmentiu em nota boatos de que se desligaria do consórcio. No texto, afirma estar “satisfeita com o resultado do leilão e também com a parceria estabelecida com os demais membros do consórcio”. Como a Eletronorte tem de entrar no grupo como operadora, a configuração deve mudar.
516 km2 inundados
6 mil famílias removidas
5 municípios atingidos
2 reservas indígenas afetadas
Custo oficial R$ 19 bilhões
Custo projetado R$ 30 bilhões
Qual é o cenário
Conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão de planejamento elétrico, o abastecimento está garantido até 2014. Para sustentar crescimento anual de 5%, o Brasil precisaria de 3,5 mil MW a 5 mil MW de nova geração ao ano. Por isso, há controvérsia sobre a urgência de Belo Monte em ano eleitoral.
A candidata do governo, Dilma Rousseff, é identificada com o PAC, e a perspectiva da campanha também acirra críticas de setores ligados à oposição.
Qual a importância histórica ?
Financiamento do BNDES Até R$ 13,5 bilhões
Subsídios e incentivos R$ 6 bilhões
- Belo Monte será a terceira maior usina do mundo em potência instalada. Só fica atrás de dois gigantes: Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai, e Três Gargantas, na China, ambos construídos sob regimes autocráticos.
TRÊS GARGANTAS - 18,2 MIL MW
- A obra iniciada em 1994 foi concluída em 2006. As últimas das 26 turbinas entraram em operação no ano passado. Sua implantação, no Rio Yang-Tsé, foi cercada de polêmica, como ameaça de poluição no lago e risco de deslizamentos. Com governo centralizador, a China abafou os debates. O investimento estimado em US$ 25 bilhões aumentou 50% ao longo do projeto.
ITAIPU - 14 MIL MW
- Teve obras iniciadas em 1974 e começou a operar em 1984, em plena ditadura militar no Brasil, que sufocava protestos. O lago, que inundou um cartão-postal, as Sete Quedas, tem quatro vezes o tamanho da Baía da Guanabara. Em 2009, esteve no centro do apagão que afetou mais de 10 Estados. Responsável por 14% da energia no país, foi desligada pela queda de linhas de transmissão.
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FONTE : jorn. Marta Sfredo (Diário Catarinense, 25 de abril de 2010)
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