O uso da água subterrânea como alternativa para a grave crise hídrica em São Paulo requer cuidados e planejamento. Apesar dos aquíferos formarem uma grande reserva estratégica de água para captações atuais e futuras, o uso intensivo e contaminações já comprometem essa fonte em várias regiões do Estado. Atualmente, 462 municípios paulistas, cerca de 72% do Estado, são total ou parcialmente abastecidos por água subterrânea e atendem a uma população de mais de 5,5 milhões de pessoas.
Dados do Mapa de Águas Subterrâneas do Estado de São Paulo – produzido em 2004 pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), Instituto Geológico (IG), Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e Serviço Geológico do Brasil (CPRM) – estimam que as reservas exploráveis dos aquíferos paulistas podem garantir uma disponibilidade de 787 litros por habitante/dia. Porém, os mesmos estudos já alertavam para as altas demandas e grandes concentrações de poços licenciados e clandestinos, o que têm provocado acentuados rebaixamentos nos aquíferos ao longo desta década, nas bacias dos rios Turvo/Grande, na região de Ribeirão Preto; do rio Pardo, na região de São José do Rio Preto e na bacia do Alto Tietê, que abriga a região metropolitana de São Paulo.
A bacia do Alto Tietê é justamente a região mais crítica em relação ao uso das águas subterrâneas, situação agravada pela super exploração, contaminação e falta de condições de recarga dos aquíferos em virtude da intensa urbanização e impermeabilização do solo. A bacia conta com uma disponibilidade de apenas 93 litros/habitante/dia, seguida pelas bacias do Médio Tietê/Sorocaba (433 l/hab/dia) e Piracicaba/Capivari/Jundiaí (482 l/hab/dia).
Neste período de seca intensa vários usuários de água subterrânea, de diferentes bacias paulistas, têm relatado quedas drásticas nos níveis de poços de captação profunda utilizados para abastecimento público, atividades rurais e industriais. Em meados de agosto, serviços autônomos de água e esgoto do Médio Tietê, no interior paulista, revelavam que os poços de captação de água para abastecimento público registravam rebaixamento de 30 metros.
Para que as reservas subterrâneas possam ser reabastecidas e que o uso dessas águas ocorra de forma sustentável, é urgente que as zonas de recarga dos aquíferos sejam preservadas e que ganhem instrumentos efetivos de conservação. Esse zoneamento especial compete aos municípios e ao Estado, que devem delimitar áreas estratégicas para a conservação hídrica. Assim como os rios e os mananciais superficiais, os aquíferos também dependem das florestas e matas para garantia de sua qualidade e quantidade da água.
Desde 1997, os integrantes dos comitês de bacias paulistas têm a disposição, para planejamento e gestão das águas subterrâneas, o mapa de vulnerabilidade para contaminação dos aquíferos do Estado de São Paulo. A partir de 2003, a bacia do Alto Tietê foi incluída na rede de monitoramento da qualidade da água subterrânea a cargo da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Em 2009, a Cetesb passou a atuar em conjunto com o DAEE na operação de uma rede integrada de qualidade e quantidade das águas subterrâneas.
No período de 2010 a 2012 foram monitorados 240 pontos de coleta em diferentes aquíferos paulistas. O cruzamento dos dados de monitoramento da água e de solos aponta que mais de sete bacias hidrográficas se encontram em áreas vulneráveis, o que reforça a necessidade de maior cuidado na perfuração de poços e na instalação de atividades potencialmente poluidoras, principalmente na região de recarga do Aquífero Guarani, no oeste paulista.
As áreas urbanas reúnem milhares de fontes de contaminação da água subterrânea, como postos de combustíveis, depósitos de resíduos industriais, domésticos e comerciais. Nas áreas rurais a atenção fica aos resíduos de insumos e defensivos agrícolas.
Certamente, com o crescimento das cidades e das atividades econômicas, o quadro se agrava e reforça o alerta de que muitas dessas águas, principalmente as que são provenientes de poços clandestinos ou irregulares, podem estar contaminadas e oferecer riscos à população. Em muitos casos não há como descontaminar os aquíferos. Por isso, vários poços são lacrados e essas águas ficam indisponíveis para usos.
Embora São Paulo conte com estudos técnicos e legislação que são referências para a gestão da água subterrânea, a defasagem dos dados que sempre são elaborados com base nos monitoramentos de anos anteriores, ou períodos de dois anos, o alto grau de clandestinidade nas captações, a falta de informação traduzida para entendimento da sociedade em geral e a gravidade da crise hídrica colocam o sistema de gestão de recursos hídricos em xeque. É fundamental fortalecer os Comitês de Bacias para que a sociedade participe ativamente do planejamento e da tomada de decisões em relação ao uso da água, com base em dados e cadastros de outorgas e qualidade da água atualizados.
A gravidade da escassez e a enorme demanda levaram à suspensão temporária da emissão de outorgas para uso da água nas bacias do Alto Tietê e Piracicaba/Capivari/Jundiaí e no município de Itu. Além disso, é vedada a utilização de água subterrânea proveniente de processos de remediação de áreas contaminadas que possam expor os usuários a riscos, tais como ingestão humana, higiene pessoal, preparo de refeições, recreação em piscinas e banhos em geral, lavagem de veículos e outros usos que levem ao contato dérmico. Por isso, muita atenção e responsabilidade em relação ao uso dessa água.
* Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica.
** Publicado originalmente no Uol e retirado do site SOS Mata Atlântica.
(SOS Mata Atlântica)
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