Imagem do Rio Paraiba do sul durante a estiagem de 2014 na cidade Barra do Pirai no Rio de Janeiro foto Tomaz Silva Agencia Brasil 201411030003 1 1024x678 Transposição do rio Paraíba é uma política pública míope
Barra do Piraí- RJ, Brasil- Estiagem afeta o rio Paraíba do Sul . Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

“Não é porque São Paulo está precisando de água que tem de se tomar a decisão de tirar água de outro rio”, frisa o oceanólogo David Zee.
“Minimizar os prejuízos gerados em relação ao desperdício de água” durante a produção e distribuição é uma das alternativas a ser considerada diante da crise hídrica que afeta o estado de São Paulo, diz David Zee à IHU On-Line, ao comentar a possível transposição do Rio Paraíba do Sul, que banha os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para o sistema Cantareira. Segundo ele, o desperdício de água no Brasil já alcança uma média de 40%, sendo que somente em São Paulo perde-se 32% da água, e no Rio de Janeiro, 38%.
Contrário à transposição como medida imediata a ser adotada, Zee reitera que “antes de retirar água dos mananciais esgotados, porque os rios já estão sobrecarregados, é preciso reduzir as perdas e aumentar a eficiência. Se conseguirmos melhorar em 50% a eficiência, isso significa 20% de água a mais e talvez seja desnecessária a transposição do Paraíba do Sul”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o oceanólogo explica que a transposição está sendo cogitada pela questão da “facilidade” que o rio Paraíba oferece em termos de localização. Contudo, adverte, “por ser próximo dos centros consumidores, ele também é extremamente exigido pela agricultura, pela produção de energia e outros usos. E, se a transposição for feita, daqui a pouco se corre o risco de faltar água para a produção de energia elétrica. Se isso acontecer, as termoelétricas terão de funcionar e o custo da energia aumentará ainda mais”.
Lembrando o caso da transposição do rio São Francisco, que se estende desde 2007, Zee alerta para o fato de que “muitas vezes se pensa em fazer uma transposição e se faz um canal artificial ligando um lado a outro do rio, mas só a extensão do canal precisa de um volume de água enorme para manter esse canal funcionando. Ocorre que às vezes essa questão não é vista, e se perde muita água por evaporação”. E acrescenta: “Essa questão precisa ser discutida, porque antes de uma decisão política é preciso ter um estudo técnico para mostrar as alternativas, o qual vai contribuir para ajudar a tomar uma decisão”.
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Foto: www.greenmeeting.org
David Zee é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Oceanografia pela Universidade da Flórida e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia a possibilidade de transposição do rio Paraíba do Sul para Cantareira?
David Zee – Avalio essa situação como uma das últimas alternativas. Precisamos encontrar alternativas que são de melhor solução antes de ir diretamente para a transposição. Quais seriam essas alternativas? Primeiro, as empresas de produção/distribuição de água dos estados deveriam fazer a lição de casa, ou seja, minimizar os prejuízos em relação ao desperdício de água — a média no Brasil é de 40% de perda da água produzida.
Em São Paulo, perde-se 32% da água, e no Rio de Janeiro, 38%, seja por meio da distribuição ou dos “gatos”. Então, antes de retirar água dos mananciais esgotados, porque os rios já estão sobrecarregados, é preciso reduzir as perdas e aumentar a eficiência. Se conseguirmos melhorar em 50% a eficiência, isso significa 20% de água a mais e talvez seja desnecessária a transposição do Paraíba do Sul. Antes de retirar da natureza, temos de pensar o que é possível fazer.
IHU On-Line – Pode explicar as características da Bacia do rio Paraíba e por quais razões se cogita a transposição dessa bacia?
David Zee  Pela simples localização geográfica, próxima ao centro consumidor, próxima dos equipamentos que eventualmente as empresas produtoras de água têm. Então, a escolha do Paraíba é uma questão de facilidade que o rio fornece em termos de localização. Mas, ao mesmo tempo, por ser próximo dos centros consumidores, ele também é extremamente exigido pela agricultura, pela produção de energia e outros usos. E se a transposição for feita, daqui a pouco se corre o risco faltar água para a produção de energia elétrica. Se isso acontecer, as termoelétricas terão de funcionar e o custo da energia aumentará ainda mais. Então, mais do que nunca percebemos o valor da água não somente em termos de necessidade humana, mas seu valor econômico. Portanto, é preciso que o homem não desperdice a água e a utilize planejadamente.
mapinha Transposição do rio Paraíba é uma política pública míope
Foto: http://www.comiteps.sp.gov.br

IHU On-Line – A transposição pode solucionar em parte os problemas de São Paulo, mas gerar problemas de abastecimento em outros estados, como para o Rio de Janeiro posteriormente?
David Zee – Sem dúvida alguma. A questão não está restrita somente à cidade do Rio de Janeiro. O rio Paraíba passa por vários municípios fluminenses e mineiros, e ambos os lados precisam de água para movimentar suas indústrias, suprir as necessidades da agricultura, sem falar na questão da água para as cidades ribeirinhas. Então, mesmo que ocorra a transposição, como São Paulo concentra um número muito grande de pessoas, cada vez vai se pedir mais água. Ou seja, as políticas públicas são feitas de uma maneira míope, somente olham para as necessidades sem lembrar que o rio atravessa três estados e que outras pessoas também precisam de água.
Por isso se faz necessário desenvolver políticas públicas mais integradas e, em segundo plano, ter uma participação maior da sociedade consumidora. Um bom exemplo dessa comunicação integrada entre setores é o Comitê de Bacias. O problema é que o Comitê de Bacias fica a desejar em relação à demora entre a tomada da decisão e a realização do que foi decidido. É preciso mais agilidade nesse aspecto e é preciso pensar algo intermediário em relação à crise hídrica: nada tão pulverizado em termos de opiniões, mas também não tão centralizado. Deve haver um meio termo. A natureza está se esvaindo e um dos fatores que temos de levar em consideração é o tempo para executar o que foi decidido.
IHU On-Line – Que estudos técnicos deveriam ser feitos antes de fazer a transposição?
David Zee – Não somente aqueles ligados aos aspectos climáticos, geográficos e culturais, mas aos aspectos sociais e de política de desenvolvimento, que devem ser pensados porque não haverá recursos suficientes para todas as demandas que estão se colocando. Essas demandas estão se colocando de uma forma independente, sem analisar o conjunto, ou seja, quais seriam as medidas mais benéficas e economicamente viáveis? A resposta está ligada à sustentabilidade. O princípio da sustentabilidade está num tripé, em que se mantém o meio ambiente junto com a questão das demandas das necessidades humanas e a viabilidade econômica, a qual passa por questões de equipamentos, de técnicas, de recursos e de políticas públicas que estão carecendo de uma visão integrada.
IHU On-Line – Quais as implicações ambientais da transposição, tendo em vista o exemplo da transposição do rio São Francisco, que se estende por anos? Diante da crise hídrica, há tempo para realizar uma obra dessa magnitude?
David Zee – Há várias questões a serem consideradas e uma delas é a questão técnica. Muitas vezes se pensa em fazer uma transposição e se faz um canal artificial ligando um lado a outro do rio, mas só a extensão do canal precisa de um volume de água enorme para manter o canal funcionando. Ocorre que às vezes essa questão não é vista, e se perde muita água por evaporação. Além disso, existe uma questão financeira: o Brasil tem muitas ideias e pouco dinheiro para colocá-las em prática. A terceira questão é a do tempo: eventualmente agora há essa necessidade, mas talvez com o tempo se perca essa necessidade.
Então, são vários problemas que devem ser efetivamente vistos e considerados. Não é porque São Paulo está precisando de água que tem de se tomar a decisão de tirar água de outro rio. Essa questão precisa ser discutida, porque antes de uma decisão política é preciso ter um estudo técnico para mostrar as alternativas.
IHU On-Line – Além dos problemas de gestão e administração que o senhor mencionou, a crise hídrica tem alguma relação com as mudanças climáticas?
David Zee – A falta de água começa pelo uso antrópico, ou seja, o uso do homem. Como a população é muito grande e há uma demanda alta em regiões do Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), não tem água para toda a população. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é agravado pelas mudanças climáticas, mas elas podem variar ao longo do tempo. Por essa razão, as mudanças climáticas contribuem para a crise hídrica, mas num segundo plano. A demanda e a necessidade fazem com que se tomem decisões intempestivas e nem sempre as mais adequadas.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.
(IHU On-Line)