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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Comércio faz sugestões para viabilizar a Lei de Resíduos Sólidos

Publicado . em Amelia Gonzalez
Por Amelia Gonzalez
Na cartilha da sustentabilidade, sob o ponto de vista corporativo, as expressões “logística reversa” ou “ciclo de vida” costumam dar uma descarga de adrenalina nos executivos que se empenham em preservar a boa imagem de sua empresa. É ainda um processo, que começou no fim do século passado mas, se pensarmos bem, nem faz tanto tempo assim. Tenho aqui nos meus arquivos, por exemplo, no livro “Compromisso Social e Gestão Empresarial”, escrito por David Grayson e Adrian Hodges em 2001, a citação da empresa norte-americana ABB Electrolux, de eletroeletrônicos, como um case de sucesso por ter passado a recolher seus aparelhos no fim de sua vida útil e reciclá-los. Era uma iniciativa quase inovadora, a de vender a função do aparelho, não o próprio aparelho.
Em 2000, no famoso livro “Capitais com Garfo e Faca”, o consultor John Elkington, que criou a expressão “triple bottom line”, já chamava a atenção para o conceito de responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos que a empresa põe no mercado. “Os fabricantes de embalagens estão cada vez mais sujeitos a exigências de ‘devolva’”, alertava o autor, já antecipando o boom de embalagens retornáveis, que aqui no Brasil ainda é tímido.
Foi quando índices mundiais sobre a quantidade de resíduos começaram a deixar especialistas alarmados que se passou a cobrar das empresas essa tomada de consciência. Já na Rio-92, a opinião pública foi informada que a obsolescência programada, criação da economia do pós-guerra — quando as multinacionais passaram a ter voz expressiva também na redação de regulamentações e tratados — para manter empregos e consumo aquecidos, começava a mostrar seu “outro lado”: lixões com muito, mas muito, material inorgânico.
Em 2000, no Reino Unido, por exemplo, 80 milhões de lâmpadas fluorescentes eram descartadas anualmente. Dez anos depois, o livro “A história das coisas”, escrito por Annie Leonard e baseado no vídeo “The Story of Stuff”, grande sucesso mundial da internet, dava conta de que, a cada ano, entre 5 e 7 milhões de toneladas de eletrônicos tornam-se obsoletos. “Seus componentes tóxicos contaminam a terra, o ar, a água e todos os habitantes do planeta”, diz a autora.
Estamos em 2014 e a pegada consumista na Terra não parece ter dado trégua. Aqui no Brasil, em 2010, foi sancionada a Política Nacional de Resíduos Sólidos que, resumidamente, responsabiliza os geradores por cuidarem de dar destino certo aos produtos que fabricam ou vendem. Outros países, sobretudo na Europa, já têm legislação que busca tirar de circulação de forma mais sustentável aquilo que produzimos e descartamos.
Mas, apesar de já estar sancionada há quatro anos, a Lei ainda precisa “pegar” aqui no Brasil. Experimente, por exemplo, se negar a levar o vestido que acabou de comprar dentro da sacola com o nome da loja e você, leitor, verá a expressão de espanto da vendedora.
Por essas e por outras, fiquei interessada quando recebi o release da Assessoria de Comunicação da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) com o título “CNC mobiliza o comércio em torno da Logística Reversa”. Fiz contato com o diretor do órgão, Marco Aurélio Spovieri, para saber que tipo de impactos ao comércio a Política Nacional de Resíduos Sólidos pode causar, como explicava o texto. E quais são as sugestões que os comerciantes têm para dar.
Spovieri explicou-me que há alguns pontos na Lei que não são bem absorvidos pelo pessoal do comércio, sobretudo por lojas pequenas, com pouca infraestrutura. Um deles é a obrigação de receber produtos já usados para mandar reciclá-los:
—- Assim que a Lei foi sancionada e se implantou no município de São Paulo, fomos chamados para resolver um problemão. É que uma grande empresa estacionou um caminhão com 15 mil lâmpadas queimadas diante de uma loja que tinha cem metros quadrados e queria obrigar o dono a receber aquilo tudo. Tivemos que ir lá e contemporizar: era impossível! – contou-me Spovieri.
A sugestão dos comerciantes é que todo produto seja vendido já com um custo adicional destacado, à vista para o comprador saber que está pagando a mais para reciclá-lo. É o que a CNC chama de “contribuição invisível”, e por que teria que vir destacado? Para que esse valor não seja somado ao total na hora de pagar o tributo. Vejam a explicação:
—- É mais ou menos assim: um computador tem um preço de venda mas atrás traria escrito um valor que o comprador saberia que estaria pagando a mais para que ele fosse reciclado. Este valor seria pago à parte para que não incidam os impostos sobre ele. Porque senão o produto vai ficar mais caro para o consumidor, não tenha dúvidas. É preciso entender que a logística reversa, que nós consideramos importante para o meio ambiente, coisa e tal, exige um custo muito alto. Alguns produtos valem porque, quando reciclados, têm um valor, como a latinha de cerveja, por exemplo. Mas no caso das lâmpadas, a logística para reciclar custa o dobro do que da fabricação.
Ainda tem outra história complicada: a lei diz que a logística reversa é de responsabilidade do fabricante. Mas, e se o computador for comprado no exterior? Quem terá que se responsabilizar? A fabricante de lá ou daqui?
—- Uma das sugestões que pusemos no postulado que já enviamos para o Ministério do Meio Ambiente é que não vamos nos responsabilizar por produtos que não sejam de empresas sediadas no Brasil. Se a pessoa comprar um computador no Paraguai, na hora de entregar para reciclar não vai conseguir fazer isso aqui no Brasil. São produtos que chamamos de órfãos – disse Spovieri.
Por que tanta resistência? Porque a própria Lei faz algumas exigências necessárias para o processo de reciclagem que vai obrigar uma mudança de cultura e… um investimento financeiro por parte dos lojistas. O transporte, por exemplo:
—- Você vai e compra uma lâmpada, põe no seu carro e leva para casa. Quando ela queima, você leva para o posto de recolhimento. Só que o responsável por este posto vai precisar ter caminhão, equipamento e equipe especiais para fazer o transporte porque aquela lâmpada, queimada, vira resíduo tóxico por causa do mercúrio. Assim também com televisões e computadores. O que estamos postulando é que isso seja revisto na Lei. Se a lâmpada ou o aparelho estiverem intactos podem ser transportados sem todo esse cuidado porque aí não é tóxico, o mercúrio não está no ar, é como se ela estivesse boa, não é?
A turma do comércio tem ainda uma preocupação com a propriedade: se o celular ou o computador jogados fora contiverem fotos ou senhas, de quem será a responsabilidade se cair em mãos de bandidos? A CNC quer regular isso também. São detalhes do dia a dia do negócio que só quem está na ponta do processo consegue enxergar. Para nossa sorte, vivemos numa democracia e tudo o que foi discutido, segundo Spovieri, “exaustivamente com indústria, comércio, distribuição, importadores”, foi entregue ao governo com pedido para que a Lei seja revista. E, com base no exemplo europeu, há ainda a ideia de se criar uma espécie de entidade gestora que se encarregaria de fazer este trabalho de reciclagem.
É um processo de mudança cultural, como eu falei, que ainda está dando seus primeiros passos. Daqui a algum tempo estará tão mudado que a gente nem vai se lembrar mais como era antes. A torcida é que a mudança seja para melhor, realmente. Porque ainda fico meio indignada, por exemplo, quando vejo o que aconteceu com as sacolinhas plásticas, que viraram o vilão do meio ambiente. Alguns supermercados fazem assim: quem leva sua própria sacola retornável para as compras ganha um desconto – de três centavos para cada cinco itens. Mas a bolsa retornável é vendida por preços que não são menores do que R$ 4.
Assim o meio ambiente pode até sair ganhando, sim. Mas o que fazemos com o pensamento sobre uma distribuição de lucro mais sensata que resulte, isso sim, numa sociedade mais sustentável? Bem, isso pode ser conversa para um outro post. Até lá.

Fonte: G1 - Nova Ética Social.

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