Quarenta e seis países, incluindo o Brasil, assinaram nesta quinta-feira (13) uma declaração se opondo a crimes contra a vida selvagem globalmente. Mesmo não sendo um texto compulsório, como as definições da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), o documento foi comemorado por algumas ONGs que trabalham na área.
A declaração foi resultado da Conferência de Londres sobre o Comércio Ilegal da Vida Selvagem, organizada pelo governo britânico. Os príncipes Charles e William lançaram um vídeo que visa sensibilizar o mundo sobre o assunto.
A caça de animais selvagens tem assumido níveis estratosféricos nos últimos anos, incentivada pela demanda crescente por produtos como o marfim, ossos de tigre e chifre de rinoceronte, especialmente vinda da medicina oriental. O marfim dos elefantes, por exemplo, é usado especialmente como objeto de ostentação, custando mais caro que ouro.
A ONG Liga de Ação para os Elefantes denunciou, em um relatório do ano passado, que a atividade está inclusive financiando o terrorismo de grupos como o Al-Shabaab, extremistas somalis. O marfim é o “ouro branco da Jihad”.
Pontos positivos
John Robinson, da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS, em inglês), afirmou que o texto entra em um novo território ao classificar o comércio como “crime grave”.
“Pela primeira vez, todos os países podem combater o crime contra a vida selvagem ao acessar recursos avançados e auxílio internacional, o que atualmente é usado apenas para lidar com outros crimes sérios como o tráfico de pessoas, narcóticos e armas”, explicou.
“A declaração convoca os governos a condenar esses criminosos com penas mais duras e investigações e execuções mais agressivas, incluindo também a corrupção e suborno que facilita estes crimes. Além disso, clama pela resolução dessa crise em todos os pontos da cadeia de suprimento – onde o animal é morto, suas partes são traficadas e seus produtos comprados”, completa Robinson.
A declaração fala em “tolerância zero” para a corrupção associada ao comércio ilegal de animais selvagens, “reconhecendo com grande preocupação que a corrupção é um fator facilitador importante de atividades criminais associadas”.
O texto também reconhece o enorme impacto que a atividade tem sobre o modo de vida das populações locais e convoca os governos a atuarem na capacitação das comunidades para poderem seguir oportunidades sustentáveis, em busca também da erradicação da pobreza.
Mary Rice, diretora executiva da Agência de Investigação Ambiental (EIA, em inglês), disse que a ONG britânica está especialmente contente com a declaração, que faz os países assumirem uma série de ações significativas que, se implementadas, podem reverter “a natureza de baixo risco/alto lucro dos crimes contra a vida selvagem”.
Na mesma linha, Steven Broad, diretor executivo da TRAFFIC, disse que “este alto grau de atenção ao comércio ilegal de animais selvagens e o chamado unanime para ação são sem precedentes”.
Críticas
Sendo uma declaração, o documento aprovado não tem uma obrigatoriedade legal. Portanto, dependerá muito do nível de comprometimento de cada um dos signatários, assim como da pressão que a sociedade civil exercerá sobre os governos, já que a implementação da CITES, um tratado compulsório, passa longe do desejado por muitos especialistas.
“A grande verdade é que a conservação da natureza é ‘diplomacia ornamental’; os governos fazem proselitismo na mídia e em reuniões, mas no mundo real as espécies ameaçadas continuam indo para o buraco”, lamentou José Truda Palazzo Jr, diretor do escritório brasileiro do Centro de Conservação Cetácea (CCC) e fundador da ONG Divers for Sharks.
“Se houvesse efetiva implementação da CITES e a adoção de medidas domésticas legais para proibir esse comércio de espécies ameaçadas, não haveria o menor sentido em ficar fazendo ‘declarações’ midiáticas sem força nenhuma”, completou.
Tanto Rice, da EIA, quanto Broad, da TRAFFIC, ressaltaram que o desafio agora é traduzir a declaração em ações.
Rice incitou os delegados da conferência a voltarem para casa e agilizarem reuniões com representantes da polícia e alfandegários para mobilizar imediatamente a comunidade que faz cumprir a lei.
Ela também ponderou que a EIA “gostaria que [a declaração] tivesse ido além e – especificamente em relação ao marfim e aos tigres – fechasse os mercados domésticos legais”.
Desastre
Durante a conferência, a WCS divulgou números assustadores: a chacina dos elefantes já eliminou 65% desses animais das florestas nos últimos 12 anos – espécies distintas dos elefantes das savanas. Caçadores mataram 9% da população mundial anualmente, ou 60 animais por dia.
No caso dos rinocerontes, a caça aumentou 5.000% entre 2007 e 2012, com um sendo morto a cada dez horas. O chifre desse animal vale atualmente mais que diamante. Em 2013, o rinocentro negro ocidental foi declarado extinto e todas as outras espécies podem desaparecer nos próximos anos.
Para os tigres, a situação é tão séria quanto, com três das nove espécies extintas e apenas 3,5 mil indivíduos vivendo na natureza. A vida daqueles que protegem esses animais também está em perigo. Mais de mil guarda-parques foram mortos na última década, informa o governo britânico.
Frentes de ação
Nesta semana, o presidente norte-americano Barack Obama anunciou uma estratégia sem precedentes, convocando dezenas de agências federais a combater o tráfico da vida selvagem como prioridade. A nova estratégia também terá como foco a redução da demanda por partes de animais e uma moratória quase integral ao comércio de marfim (Leia mais no Mongabay.com).
Os Estados Unidos são o segundo maior destino do tráfico ilegal de animais, logo atrás da China.
Outros países também estão agindo individualmente. Recentemente a França destruiu toneladas de marfim provenientes do comércio ilegal.
A declaração assinada em Londres também reconhece o papel importante de outras frentes de ação, como as ações da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, que declarou três de março como Dia Mundial da Vida Selvagem.
O texto lembra que a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES) teve decisões importantes em suas últimas reuniões relacionadas a elefantes, rinocerontes e grandes felinos.
“Nos comprometemos novamente a implementar integral e efetivamente as resoluções e decisões relevantes da CITES e a tomar mais atitudes para erradicar o comércio ilegal da vida selvagem dentro do quadro da CITES”, diz a declaração.
O documento ainda cita acordos como o Plano de Ação para o Elefante Africano, a Declaração para os Tigres de St. Petersburgo, o Programa Global para a Recuperação dos Tigres, além de outros.
No início de 2015, Botswana, na África, será a sede da próxima conferência de alto nível para revisar os avanços dos países signatários da declaração.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)
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