Quem reclama do calor achava o quê? Que séculos de industrialização e exploração de recursos naturais terminariam numa boa?
Vamos copiar por alguns instantes as folhas e telas cotidianas no uso excessivo do padrão Guinness – o livro, não a cerveja – de aferir catástrofes mediante recordes históricos.
Em cidades brasileiras, pessoas se queixam do calor, inédito em 70 anos. No hemisfério norte, veículos e pessoas escorregam em nevascas sem precedentes em duas décadas. O mesmo para seca no nordeste brasileiro. Da Califórnia à Austrália, passando por terras lusitanas, ardem florestas. Em outras regiões, mares, rios e lagoas transbordam os limites.
Achavam o quê? Não pegaria nada? Séculos fazendo industrialização e tecnologia deitarem e rolarem sobre clima e recursos naturais para tudo terminar numa boa?
Sim, a resposta castiga o homem, culpado pelo aquecimento global conforme relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), de setembro de 2013.
Centenas de Summits a que serviram? Faltaram manifestações? De Cohn-Bendit a Capilé em um capítulo?
Relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), apresentado na última reunião de Davos, Suíça, alerta para o fato de que se não tratarmos direito a expansão agropecuária chegaremos ao emblemático ano 2050 pela bola sete. Até lá serão degradados 849 milhões de hectares de terras, um Brasil.
E a quem caberá impedir a tragédia? Ora bolas, aos que restaram. Para os burocratas da ONU, denodo, espírito humanitário e áreas agricultáveis ainda estão disponíveis nas América Latina, Ásia e África Subsaariana. Desde que seus povos se comportem sustentavelmente.
Ainda que cavalinho na chuva não pegue resfriado, creio melhor poupá-lo.
Mudanças climáticas, usos de solos e águas, preservação de biomas e produção de alimentos, frequentam a mesma face da moeda. Na outra face está o motor que faz a roda girar no sentido contrário. O capitalismo.
O Pnuma, em certos aspectos, carrega nos tons cinzentos. Ao extrapolar para 2050 a expansão da área de cultivo do período 1961/2007, que foi de 11%, toma tendência que já não se repete. O crescimento da produção vem ocorrendo com incorporação de tecnologia e aumento de produtividade.
Não que isso prove o alto grau de conscientização do planeta. Os onze bilhões de dólares de agrotóxicos vendidos no Brasil, em 2013, justificam ceticismo.
Caso é que sem retorno financeiro a agropecuária não vai ou segue lenta. Acomoda-se em áreas já consolidadas com infraestrutura e tecnologia. Expansão custa caro. Áreas agricultáveis tiveram alta valorização em todas as regiões do planeta.
A gula dos desenvolvidos, incluída a China, olha na direção de terras africanas, asiáticas e latinas. Por enquanto, não pensa em plantio, mas na especulação com ativos imobiliários e conquistas hegemônicas futuras.
O crescimento acelerado da agropecuária não é necessário nem traria grandes benefícios a quem precisa. Um ou outro especulador de Bolsa poderia sair ganhando.
O dedicado ativista poderá perguntar: e o quase bilhão de famintos que existe no planeta? A produção atual é suficiente para todos, apenas mal distribuída e um terço dela engolida no ralo do desperdício.
Enquanto não se mostrar que atividades benéficas à vida no planeta o são também para o bolso de quem produz alimentos, ficaremos na mesma. Poucos serão capazes de abrir mão de ganância e imediatismo pelo bem de quem virá.
Não acreditam? Olhem para trás. A consolidação do plantio direto sobre palha no Brasil só veio quando o agricultor entendeu nele um manejo lucrativo. O mesmo ocorre com a substituição parcial do uso de agrotóxicos por materiais orgânicos e biológicos. Estes reduzem os custos.
As vantagens da integração lavoura, pasto, floresta ficarão evidentes quando o agropecuarista calcular a fortuna que é recuperar áreas degradadas ou o patrimônio que se perde deixando-as assim.
Vira, mexe e rebola volta-se à necessidade de produzir na terra de forma sustentável, termo que de tão desgastado ficou com a cara de “bonzinho assim”. Se quisermos produção agropecuária sustentável, o fetiche capitalista precisará entrar em cena.
Dizem ser ele o melhor sistema. Pode ser. Mas não esperem encontrar muitos “bonzinhos assim” indo contra a sua lógica.
* Rui Daher é colunista da Carta Capital.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)
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