Avaliação ambiental estratégica
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
1 O Estudo de Impacto Ambiental tem seus limites
O EIA-RIMA – como é chamado o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório simplificado (para melhor compreensão popular) – é ferramenta de avaliação de empreendimentos potencialmente poluentes e de significativa magnitude em relação ao meio impactado. Seu processo de análise crítica, de previsão e prevenção, tem a função de evitar impactos ambientais nocivos e irreversíveis, garantir a participação dos segmentos interessados na obra e permitir a busca de meios de mitigação mais eficazes.
Por sua natureza técnica, o EIA-RIMA não tem eficácia na resolução de conflitos relacionados a políticas, planos, programas e projetos públicos estruturantes. Executado para avaliar impactos de empreendimentos específicos a serem licenciados, o EIA não determina a decisão política, o planejamento territorial, o programa de ações transformadoras do meio e a sequência de decisões executivas inseridas no bojo dos projetos estratégicos de infraestrutura.
A conflituosidade social, econômica e ambiental, imanente à ações estratégicas estruturantes, não é suportada pelo processo de licenciamento instruído com EIA-RIMA. Estradas, hidrelétricas, portos, aterros sanitários, costumam ser o centro de conflitos que transbordam o licenciamento ambiental e desaguam em infinitas disputas judiciais, devido justamente ao equívoco de se buscar a justificação institucional das obras e o equacionamento dos conflitos políticos dentro dos limites técnicos do EIA.
Há um vício de origem: o método de avaliação de impacto ambiental de um EIA pressupõe, como cenário, a decisão governamental de permitir a ação estruturante em causa e admite, como escopo, o objetivo social e econômico estabelecido naquela decisão.
Reza a norma que o EIA-RIMA deve considerar o cenário ambiental e institucional já posto, planos e programas governamentais já estabelecidos e um ordenamento do solo já determinado. Torna-se, portanto, refém de um cenário pré-existente e delimitado.
No caso de projetos de infraestrutura, esse cenário envolve a decisão política pela obra analisada. Não raro, esse conjunto de pressupostos é construído às pressas, ao sabor de interesses de ocasião e concentra os conflitos que resultam em impasses e medidas judiciais.
Com o “já decidido” como porto, passa o EIA a navegar nesse mar de conflitos, contaminado por vetores decisórios que ultrapassam seus limites objetivos, legais e técnicos, de avaliação ambiental.
E não poderia ser diferente.
2 O EIA é um instrumento técnico
O EIA-RIMA não pode propor “alternativas” para políticas governamentais. Essas políticas são definidas, planejadas, autorizadas e concessionadas pelo governo. Em nosso ordenamento constitucional isso é muito claro. Cumpre ao Estado, como expressão da organização política da sociedade, estruturar o desenvolvimento do país de forma social e economicamente justa e ambientalmente adequada. Para esse mister, constituiu um Poder Executivo, comandado por um governo detentor de mandato popular e munido de plano de ação legitimado pelo povo. Constituiu um Poder Legislativo, guardião político da estrutura do Estado e do mandato popular, que produz a Lei e define por meio dela as Políticas Públicas, orçamentos, metas e responsabilidades e constituiu, também, o Judiciário, um Poder técnico – não um poder político, que aplica a lei com justiça, na resolução dos conflitos que se lhe apresentam e tutela a Constituição da República.
O EIA deve analisar e avaliar alternativas locacionais e tecnológicas de um empreendimento proposto, inclusive recomendando sua não implantação. Porém não deve e não pode se confundir com os Poderes do Estado e, portanto, não deve pretender alterar linhas definidas pela política governamental já estatuída ou o planejamento setorial aplicado ao projeto em causa, ainda que seja crítico a ele.
O EIA-RIMA não possui competência política para tal, e, muito menos recebe essa capacidade que ele não tem, da autoridade que emite a licença ambiental.
Na verdade, a implementação de políticas, planos e programas estruturantes deve, necessariamente, incluir o vetor ambiental ainda na fase do planejamento estratégico, na concepção do processo.
Esse exercício de inclusão dos vetores e definição antecipada dos pontos críticos de decisão que deverão nortear as autoridades na fase de implementação das obras, denomina-se Avaliação Ambiental Estratégica, cujo procedimento e foco difere, e muito, do Estudo de Impacto Ambiental.
3 Breve evolução da Avaliação Ambiental Estratégica
Para atender a essa necessidade, nos últimos trinta anos, instrumentos de avaliação ambiental estratégica (AAE) vêm sendo continuamente aprimorados e adotados gradualmente por dezenas de países.
As primeiras linhas da Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, foram criadas nos Estados Unidos, em 1969 com a implantação do NEPA – National Environmental Policy Act, a Política Nacional do Meio Ambiente norte americana, que impôs às agências e departamentos federais, considerar e avaliar os efeitos ambientais das propostas de legislação e outros projetos de grande magnitude.
Era tudo, no entanto, muito vago, tanto que em 1978, quase dez anos depois, o Conselho para a Qualidade Ambiental (USCEQ) dos EUA, baixou regulamento com requisitos específicos para a avaliação de programas governamentais. De fato, alguns estados possuem seus próprios planos, como a Califórnia, mas poucas avaliações foram feitas nos EUA.
Em 1987, a Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, chamada Comissão Brundtland, firmou a Declaração de Tóquio (WCED, 1987), registrando preocupação em considerar a dimensão ecológica nos processos de decisão das políticas públicas.
Em 1989, o Banco Mundial adota uma Diretiva interna (D.O. 4.00) sobre Avaliação de Impacto Ambiental, e recomenda a preparação de avaliações ambientais setoriais e regionais para planos, políticas e programas.
Em 1990, a Comunidade Econômica Europeia lança uma primeira proposta de Diretiva sobre Avaliação Ambiental de PPPs (planos, políticas e programas).
Em 1991 a Convenção de Espoo sobre AIA num Contexto Transfronteiriço, promove a aplicação da Avaliação Ambiental de PPPs na Europa. O Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE – uma organização internacional envolvendo aproximadamente 34 países, incentiva, por sua vez, a adoção da AIA de PPP para programas de assistência.
Em 1992, as Nações Unidas instituem a Agenda 21 (UNCED, 1992), a qual propugna a integração das questões ambientais nos processos de decisão a todos os níveis. A ONU insere na Declaração de Princípios da Conferência do Rio o Princípio 4, que reza que a proteção ambiental deve fazer parte integrante do processo de desenvolvimento, não devendo seguir isolada deste.
No mesmo ano, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, introduz o Levantamento Ambiental 23 como ferramenta de planejamento integrado.
Em 2001, a Comissão Europeia aprova a Diretiva Comunitária 2001/42/CE relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente.
O Protocolo de Kiev, de 2003, no âmbito da UNECE – Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, estatuiu que a análise das consequências ambientais deve açambarcar os projetos oficiais de planos e programas, e estabelece que a AAE seja feita antes das tomadas de decisões.
Em âmbito geral, a maioria dos países da União Europeia segue a Diretiva 2001/42/CE. Alguns países, porém, como França, Reino Unido e Dinamarca, possuem regras próprias. Outros, como a Alemanha, ainda não possuem.
Afora EUA e Europa, é importante destacarmos a experiência canadense e brasileira.
No Canadá, em 1990, foi formado o Conselho Diretivo de Avaliação Ambiental Estratégica, que orientou às autoridades federais que planejassem avaliações ambientais previamente ao início das obras, e, quando concluídas, voltassem aquelas para o Conselho, para aprovação. Em 1999, foi feito um guia para implementação do AAE, analisado pela Agência de Avaliação Ambiental do Canadá, ainda muito pouco utilizado.
No Brasil, a AAE foi regulamentada pelo Estado de São Paulo a partir da Deliberação do CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente, de 29 de dezembro de 1994, que continha minutas de um Projeto de Lei e de um Decreto Estadual, a serem encaminhados ao Governador do Estado, e minutas de duas resoluções para o Secretário de Estado do Meio Ambiente, designando a Comissão de Avaliação Ambiental Estratégica e o procedimento de AAE no âmbito do sistema estadual de meio ambiente.
Fui o presidente dessa Comissão Especial do CONSEMA, que elaborou a deliberação, e pude testemunhar a hesitação do governo em seguir adiante com a legislação proposta – um momento histórico perdido. No entanto, a deliberação foi implementada pela Secretaria de Meio Ambiente, baixada a Resolução SMA 44/95 a qual foi utilizada para avaliar estrategicamente o Programa Integrado de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de São Paulo, o PITU, em 1995 e o RODOANEL Mário Covas, dez anos depois, em 2006.
Iniciativas de AAE também pulularam em vários estados do Brasil, com destaque para Bahia e Mato Grosso do Sul.
4 Caráter público da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)
A AAE estrutura-se com ferramentas de planejamento e gerenciamento dedicados aos tomadores públicos de decisão.
A AAE, portanto, ao contrário do que muito anda se palpitando em nosso país, em especial nas recomendações de promotores de justiça desavisados ou mesmo em alguns estudos de acadêmicos diletantes da causa ambiental, NÃO PODE E NÃO DEVE constituir-se em um apêndice de empreendimentos privados, ainda que de magnitude.
Não se presta a AAE a justificar shoppings centers, estádios de futebol, terminais de aviação executiva, aterros de resíduos industriais desvinculados de resíduos urbanos de interesse público, campus universitários particulares, usinas de cana de açúcar, resorts, etc….
Ao contrário da visão europeia do que seja esse instrumento, muito vinculada ao pequeno tamanho das regiões, povoados envolvidos, distritos, a AAE norte-americana, canadense e brasileira, deve ser focada em programas governamentais e políticas relacionadas a concessões de obras públicas, parcerias público privadas, ou autorizações de atividades públicas (como a disposição de terminais portuários autorizados vistos conjuntamente). A disposição territorial programática de aterros sanitários e estações de transbordo, de estações de tratamento de esgoto e de abastecimento de águas, sistemas de aproveitamento hidrelétrico numa determinada bacia, extração minerária estratégica em zonas críticas, etc.
5 O que a Avaliação Ambiental Estratégica não é
A AAE, não pode ser tratada como um EIA-RIMA com abrangência territorial maior, e nem mesmo seus instrumentos podem se confundir com essa espécie de avaliação de impactos ambientais. O risco que se tem com esse tipo de confusão e gerar maior confusão ainda…
Já tive a oportunidade de ver “avaliações estratégicas” transformadas em “EIÕES” – enormes, extensos e prolixos EIAs, que, justamente por seguirem os padrões de sempre, e, nada reduziram os conflitos…
A AAE, também não substitui o PLANEJAMENTO TERRITORIAL, e muito menos se confunde com o ORDENAMENTO TERRITORIAL. Ou seja, há um desperdício enorme de dinheiro público e energias num processo quase diletante de “Avaliação Ambiental Estratégica do Litoral”, “Avaliação Ambiental Estratégica do Pantanal” … quando inexiste uma política pública de planejamento em curso, um programa específico de infraestrutura ou uma política territorial pretendida.
É preciso ter o que avaliar, para inserção de vetores ambientais. Afinal, do que serve uma avaliação estratégica de um território ou um bioma existente, sem que antes se intente saber o que ali se pretende apor?
6 O que é uma Avaliação Ambiental Estratégica?
A AAE permite a identificação dos pontos críticos de decisão, envolvendo intersecções entre as esferas política, social, ambiental e econômica.
Esse processo de análise comporta a identificação dos diferentes atores envolvidos no processo de decisão, a eleição dos limites de manutenção e melhoria da qualidade ambiental por meio do desenvolvimento de políticas multissetoriais consistentes e fundamentadas, o estabelecimento dos critérios para o gerenciamento ambiental dos projetos, o cenário ambiental em que as ações estruturantes intervirão e o escopo da intervenção pretendida.
O resultado é a definição de um conjunto de objetivos estratégicos com alto grau de controle público. Isso melhora significativamente a capacidade de implementação de políticas, planos, programas de projetos estruturantes de uma maneira cooperativa e proativa. Ao concentrar os pontos críticos de decisão, estabelecendo os fundamentos estratégicos do empreendimento estruturante, a AAE indica os critérios de resolução dos conflitos e promove adespolitização do licenciamento ambiental, visto que as justificativas, requerimentos e impactos dessas políticas serão melhor compreendidas pelas comunidades afetadas e pela sociedade como um todo, antes da eventual análise de projetos em separado, pelo sistema de licenciamento ambiental.
A Avaliação Ambiental Estratégica INSERE o vetor ambiental e ANTECIPA conflitos, IDENTIFICA os pontos críticos de decisão, e, com isso, FUNDAMENTA a decisão por empreender e como empreender o projeto estruturante.
Integram a AAE (obviamente numa escala muitíssimo diferente de uma análise de licença ambiental), a) o inventário integrado do território a ser abrangido pelas medidas estruturantes, b) o cenário socioambiental, político e econômico, com e sem as medidas propostas, c) as políticas, programas e ações setoriais propostas, d) o objetivo estratégico a ser alcançado, e) meios e recursos para implementação, f) os fundamentos para a adoção da decisão, g) a indicação locacional dos projetos físicos a serem licenciados e h) fundamentos para a tecnologia ou tecnologias a serem empregadas na sua implementação.
Como uma ferramenta de inserção do componente ambiental, por óbvio que a AAE pode determinar alteração de macro critérios de implementação e até mesmo a mudança de Política Pública.
Uma vez formulada pelo órgão ou organismos proponentes do projeto estruturante, a AAE acompanhará o processo seguinte, relativo à realização dos empreendimentos vinculados à sua implementação, perfazendo o cenário e o escopo dos mesmos.
7 Conclusão
Há muito ainda que falar sobre esse interessante instrumento de inserção, identificação, definição e fundamentação ambiental no processo decisório de políticas, planos, programas e projetos públicos estruturantes.
Mas, o que importa, sobretudo, é desde logo evitar que a burocracia e a falta de informações sobre AAE interrompam a progressiva introdução dessa ferramenta no cotidiano da combalida administração pública.
* Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado e consultor ambiental é o Editor Chefe do Portal Ambiente Legal
Fonte: Ambiente Legal.
1 O Estudo de Impacto Ambiental tem seus limites
O EIA-RIMA – como é chamado o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório simplificado (para melhor compreensão popular) – é ferramenta de avaliação de empreendimentos potencialmente poluentes e de significativa magnitude em relação ao meio impactado. Seu processo de análise crítica, de previsão e prevenção, tem a função de evitar impactos ambientais nocivos e irreversíveis, garantir a participação dos segmentos interessados na obra e permitir a busca de meios de mitigação mais eficazes.
Por sua natureza técnica, o EIA-RIMA não tem eficácia na resolução de conflitos relacionados a políticas, planos, programas e projetos públicos estruturantes. Executado para avaliar impactos de empreendimentos específicos a serem licenciados, o EIA não determina a decisão política, o planejamento territorial, o programa de ações transformadoras do meio e a sequência de decisões executivas inseridas no bojo dos projetos estratégicos de infraestrutura.
A conflituosidade social, econômica e ambiental, imanente à ações estratégicas estruturantes, não é suportada pelo processo de licenciamento instruído com EIA-RIMA. Estradas, hidrelétricas, portos, aterros sanitários, costumam ser o centro de conflitos que transbordam o licenciamento ambiental e desaguam em infinitas disputas judiciais, devido justamente ao equívoco de se buscar a justificação institucional das obras e o equacionamento dos conflitos políticos dentro dos limites técnicos do EIA.
Há um vício de origem: o método de avaliação de impacto ambiental de um EIA pressupõe, como cenário, a decisão governamental de permitir a ação estruturante em causa e admite, como escopo, o objetivo social e econômico estabelecido naquela decisão.
Reza a norma que o EIA-RIMA deve considerar o cenário ambiental e institucional já posto, planos e programas governamentais já estabelecidos e um ordenamento do solo já determinado. Torna-se, portanto, refém de um cenário pré-existente e delimitado.
No caso de projetos de infraestrutura, esse cenário envolve a decisão política pela obra analisada. Não raro, esse conjunto de pressupostos é construído às pressas, ao sabor de interesses de ocasião e concentra os conflitos que resultam em impasses e medidas judiciais.
Com o “já decidido” como porto, passa o EIA a navegar nesse mar de conflitos, contaminado por vetores decisórios que ultrapassam seus limites objetivos, legais e técnicos, de avaliação ambiental.
E não poderia ser diferente.
2 O EIA é um instrumento técnico
O EIA-RIMA não pode propor “alternativas” para políticas governamentais. Essas políticas são definidas, planejadas, autorizadas e concessionadas pelo governo. Em nosso ordenamento constitucional isso é muito claro. Cumpre ao Estado, como expressão da organização política da sociedade, estruturar o desenvolvimento do país de forma social e economicamente justa e ambientalmente adequada. Para esse mister, constituiu um Poder Executivo, comandado por um governo detentor de mandato popular e munido de plano de ação legitimado pelo povo. Constituiu um Poder Legislativo, guardião político da estrutura do Estado e do mandato popular, que produz a Lei e define por meio dela as Políticas Públicas, orçamentos, metas e responsabilidades e constituiu, também, o Judiciário, um Poder técnico – não um poder político, que aplica a lei com justiça, na resolução dos conflitos que se lhe apresentam e tutela a Constituição da República.
O EIA deve analisar e avaliar alternativas locacionais e tecnológicas de um empreendimento proposto, inclusive recomendando sua não implantação. Porém não deve e não pode se confundir com os Poderes do Estado e, portanto, não deve pretender alterar linhas definidas pela política governamental já estatuída ou o planejamento setorial aplicado ao projeto em causa, ainda que seja crítico a ele.
O EIA-RIMA não possui competência política para tal, e, muito menos recebe essa capacidade que ele não tem, da autoridade que emite a licença ambiental.
Na verdade, a implementação de políticas, planos e programas estruturantes deve, necessariamente, incluir o vetor ambiental ainda na fase do planejamento estratégico, na concepção do processo.
Esse exercício de inclusão dos vetores e definição antecipada dos pontos críticos de decisão que deverão nortear as autoridades na fase de implementação das obras, denomina-se Avaliação Ambiental Estratégica, cujo procedimento e foco difere, e muito, do Estudo de Impacto Ambiental.
3 Breve evolução da Avaliação Ambiental Estratégica
Para atender a essa necessidade, nos últimos trinta anos, instrumentos de avaliação ambiental estratégica (AAE) vêm sendo continuamente aprimorados e adotados gradualmente por dezenas de países.
As primeiras linhas da Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, foram criadas nos Estados Unidos, em 1969 com a implantação do NEPA – National Environmental Policy Act, a Política Nacional do Meio Ambiente norte americana, que impôs às agências e departamentos federais, considerar e avaliar os efeitos ambientais das propostas de legislação e outros projetos de grande magnitude.
Era tudo, no entanto, muito vago, tanto que em 1978, quase dez anos depois, o Conselho para a Qualidade Ambiental (USCEQ) dos EUA, baixou regulamento com requisitos específicos para a avaliação de programas governamentais. De fato, alguns estados possuem seus próprios planos, como a Califórnia, mas poucas avaliações foram feitas nos EUA.
Em 1987, a Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, chamada Comissão Brundtland, firmou a Declaração de Tóquio (WCED, 1987), registrando preocupação em considerar a dimensão ecológica nos processos de decisão das políticas públicas.
Em 1989, o Banco Mundial adota uma Diretiva interna (D.O. 4.00) sobre Avaliação de Impacto Ambiental, e recomenda a preparação de avaliações ambientais setoriais e regionais para planos, políticas e programas.
Em 1990, a Comunidade Econômica Europeia lança uma primeira proposta de Diretiva sobre Avaliação Ambiental de PPPs (planos, políticas e programas).
Em 1991 a Convenção de Espoo sobre AIA num Contexto Transfronteiriço, promove a aplicação da Avaliação Ambiental de PPPs na Europa. O Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE – uma organização internacional envolvendo aproximadamente 34 países, incentiva, por sua vez, a adoção da AIA de PPP para programas de assistência.
Em 1992, as Nações Unidas instituem a Agenda 21 (UNCED, 1992), a qual propugna a integração das questões ambientais nos processos de decisão a todos os níveis. A ONU insere na Declaração de Princípios da Conferência do Rio o Princípio 4, que reza que a proteção ambiental deve fazer parte integrante do processo de desenvolvimento, não devendo seguir isolada deste.
No mesmo ano, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, introduz o Levantamento Ambiental 23 como ferramenta de planejamento integrado.
Em 2001, a Comissão Europeia aprova a Diretiva Comunitária 2001/42/CE relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente.
O Protocolo de Kiev, de 2003, no âmbito da UNECE – Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, estatuiu que a análise das consequências ambientais deve açambarcar os projetos oficiais de planos e programas, e estabelece que a AAE seja feita antes das tomadas de decisões.
Em âmbito geral, a maioria dos países da União Europeia segue a Diretiva 2001/42/CE. Alguns países, porém, como França, Reino Unido e Dinamarca, possuem regras próprias. Outros, como a Alemanha, ainda não possuem.
Afora EUA e Europa, é importante destacarmos a experiência canadense e brasileira.
No Canadá, em 1990, foi formado o Conselho Diretivo de Avaliação Ambiental Estratégica, que orientou às autoridades federais que planejassem avaliações ambientais previamente ao início das obras, e, quando concluídas, voltassem aquelas para o Conselho, para aprovação. Em 1999, foi feito um guia para implementação do AAE, analisado pela Agência de Avaliação Ambiental do Canadá, ainda muito pouco utilizado.
No Brasil, a AAE foi regulamentada pelo Estado de São Paulo a partir da Deliberação do CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente, de 29 de dezembro de 1994, que continha minutas de um Projeto de Lei e de um Decreto Estadual, a serem encaminhados ao Governador do Estado, e minutas de duas resoluções para o Secretário de Estado do Meio Ambiente, designando a Comissão de Avaliação Ambiental Estratégica e o procedimento de AAE no âmbito do sistema estadual de meio ambiente.
Fui o presidente dessa Comissão Especial do CONSEMA, que elaborou a deliberação, e pude testemunhar a hesitação do governo em seguir adiante com a legislação proposta – um momento histórico perdido. No entanto, a deliberação foi implementada pela Secretaria de Meio Ambiente, baixada a Resolução SMA 44/95 a qual foi utilizada para avaliar estrategicamente o Programa Integrado de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de São Paulo, o PITU, em 1995 e o RODOANEL Mário Covas, dez anos depois, em 2006.
Iniciativas de AAE também pulularam em vários estados do Brasil, com destaque para Bahia e Mato Grosso do Sul.
4 Caráter público da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)
A AAE estrutura-se com ferramentas de planejamento e gerenciamento dedicados aos tomadores públicos de decisão.
A AAE, portanto, ao contrário do que muito anda se palpitando em nosso país, em especial nas recomendações de promotores de justiça desavisados ou mesmo em alguns estudos de acadêmicos diletantes da causa ambiental, NÃO PODE E NÃO DEVE constituir-se em um apêndice de empreendimentos privados, ainda que de magnitude.
Não se presta a AAE a justificar shoppings centers, estádios de futebol, terminais de aviação executiva, aterros de resíduos industriais desvinculados de resíduos urbanos de interesse público, campus universitários particulares, usinas de cana de açúcar, resorts, etc….
Ao contrário da visão europeia do que seja esse instrumento, muito vinculada ao pequeno tamanho das regiões, povoados envolvidos, distritos, a AAE norte-americana, canadense e brasileira, deve ser focada em programas governamentais e políticas relacionadas a concessões de obras públicas, parcerias público privadas, ou autorizações de atividades públicas (como a disposição de terminais portuários autorizados vistos conjuntamente). A disposição territorial programática de aterros sanitários e estações de transbordo, de estações de tratamento de esgoto e de abastecimento de águas, sistemas de aproveitamento hidrelétrico numa determinada bacia, extração minerária estratégica em zonas críticas, etc.
5 O que a Avaliação Ambiental Estratégica não é
A AAE, não pode ser tratada como um EIA-RIMA com abrangência territorial maior, e nem mesmo seus instrumentos podem se confundir com essa espécie de avaliação de impactos ambientais. O risco que se tem com esse tipo de confusão e gerar maior confusão ainda…
Já tive a oportunidade de ver “avaliações estratégicas” transformadas em “EIÕES” – enormes, extensos e prolixos EIAs, que, justamente por seguirem os padrões de sempre, e, nada reduziram os conflitos…
A AAE, também não substitui o PLANEJAMENTO TERRITORIAL, e muito menos se confunde com o ORDENAMENTO TERRITORIAL. Ou seja, há um desperdício enorme de dinheiro público e energias num processo quase diletante de “Avaliação Ambiental Estratégica do Litoral”, “Avaliação Ambiental Estratégica do Pantanal” … quando inexiste uma política pública de planejamento em curso, um programa específico de infraestrutura ou uma política territorial pretendida.
É preciso ter o que avaliar, para inserção de vetores ambientais. Afinal, do que serve uma avaliação estratégica de um território ou um bioma existente, sem que antes se intente saber o que ali se pretende apor?
6 O que é uma Avaliação Ambiental Estratégica?
A AAE permite a identificação dos pontos críticos de decisão, envolvendo intersecções entre as esferas política, social, ambiental e econômica.
Esse processo de análise comporta a identificação dos diferentes atores envolvidos no processo de decisão, a eleição dos limites de manutenção e melhoria da qualidade ambiental por meio do desenvolvimento de políticas multissetoriais consistentes e fundamentadas, o estabelecimento dos critérios para o gerenciamento ambiental dos projetos, o cenário ambiental em que as ações estruturantes intervirão e o escopo da intervenção pretendida.
O resultado é a definição de um conjunto de objetivos estratégicos com alto grau de controle público. Isso melhora significativamente a capacidade de implementação de políticas, planos, programas de projetos estruturantes de uma maneira cooperativa e proativa. Ao concentrar os pontos críticos de decisão, estabelecendo os fundamentos estratégicos do empreendimento estruturante, a AAE indica os critérios de resolução dos conflitos e promove adespolitização do licenciamento ambiental, visto que as justificativas, requerimentos e impactos dessas políticas serão melhor compreendidas pelas comunidades afetadas e pela sociedade como um todo, antes da eventual análise de projetos em separado, pelo sistema de licenciamento ambiental.
A Avaliação Ambiental Estratégica INSERE o vetor ambiental e ANTECIPA conflitos, IDENTIFICA os pontos críticos de decisão, e, com isso, FUNDAMENTA a decisão por empreender e como empreender o projeto estruturante.
Integram a AAE (obviamente numa escala muitíssimo diferente de uma análise de licença ambiental), a) o inventário integrado do território a ser abrangido pelas medidas estruturantes, b) o cenário socioambiental, político e econômico, com e sem as medidas propostas, c) as políticas, programas e ações setoriais propostas, d) o objetivo estratégico a ser alcançado, e) meios e recursos para implementação, f) os fundamentos para a adoção da decisão, g) a indicação locacional dos projetos físicos a serem licenciados e h) fundamentos para a tecnologia ou tecnologias a serem empregadas na sua implementação.
Como uma ferramenta de inserção do componente ambiental, por óbvio que a AAE pode determinar alteração de macro critérios de implementação e até mesmo a mudança de Política Pública.
Uma vez formulada pelo órgão ou organismos proponentes do projeto estruturante, a AAE acompanhará o processo seguinte, relativo à realização dos empreendimentos vinculados à sua implementação, perfazendo o cenário e o escopo dos mesmos.
7 Conclusão
Há muito ainda que falar sobre esse interessante instrumento de inserção, identificação, definição e fundamentação ambiental no processo decisório de políticas, planos, programas e projetos públicos estruturantes.
Mas, o que importa, sobretudo, é desde logo evitar que a burocracia e a falta de informações sobre AAE interrompam a progressiva introdução dessa ferramenta no cotidiano da combalida administração pública.
* Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado e consultor ambiental é o Editor Chefe do Portal Ambiente Legal
Fonte: Ambiente Legal.
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