Revista ‘Economist’ explica por que o Brasil corre o risco de ter um retorno pífio sobre o seu investimento energético de US$ 14 bilhões.
O maior canteiro de obras no Brasil encontra-se 3 mil km ao norte de São Paulo e Rio, no estado do Pará, nas profundezas da bacia amazônica. Cerca de 20 mil operários estão trabalhando contra o relógio em Belo Monte, no rio Xingu, a maior usina hidrelétrica em construção em qualquer lugar do mundo. Quando concluída, a sua capacidade de 11.233 MW a tornará a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas das Três Gargantas, na China e de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai.
Tudo sobre Belo Monte é descomunal, desde o orçamento (28,9 bilhões de reais) à terraplanagem (um Canal do Panamá de terra e rocha está sendo escavado), à controvérsia em torno do projeto. Em 2008, durante uma audiência pública em Altamira, cidade mais próxima ao local da futura hidrelétrica, um engenheiro do governo foi ferido com um facão. Em 2010 ordens judiciais ameaçaram parar o leilão do projeto. Os participantes do setor privado haviam desistido da empreitada uma semana antes. Quando funcionários da Norte Energia, o consórcio vencedor composto por empresas estatais e fundos de pensão, saiu da sala do leilão, foram recebidos por manifestantes com três toneladas de esterco de porco.
Desde então, a construção foi interrompida duas vezes por ações judiciais. Na maioria das vezes ambientalistas e índios são responsáveis pelos protestos. Xingu Vivo, um grupo anti-Belo Monte, exibe cartas de simpatizantes de todo o mundo em seu escritório de Altamira. James Cameron, cineasta de Hollywood, já entrou na conversa e comparou os construtores envolvidos no projeto aos vilões de “Avatar”, um de seus grandes sucessos de bilheteria.
Mas, ao visitar as obras de Belo Monte hoje, percebe-se que o projeto parece algo inevitável e muito menos prejudicial ao meio-ambiente do que alguns de seus adversários gostariam de admitir.
A Norte Energia contratou um segundo consórcio formado pelas grandes empresas de construção do país e espera terminar o trabalho até 2019. Protegido por uma barragem temporária, que retém o fluxo do rio, os trabalhadores estão cavando um canal de 20 km para levar a água do rio para o local da usina principal, onde dezenas de escavadeiras estão cavando através de 70 metros de rocha.
Potencial inexplorado
O Brasil já gera 80% de sua eletricidade a partir de usinas hidrelétricas, muito mais do que qualquer outro país. Mas dois terços do seu potencial hídrico segue inexplorado. O problema é que a maior parte deste potencial encontra-se em rios intocados na bacia amazônica. De 48 barragens planejadas, 30 estão na floresta (veja o mapa ao lado). Eles incluem Jirau, que está quase concluído, e Santo Antônio, ambas no rio Madeira, que irá acrescentar 6.600 MW de capacidade de geração. Mas é Belo Monte, o gigante entre eles, que se tornou o principal alvo dos ativistas anti-barragens.
Os oponentes dizem que as barragens só parecem mais baratas porque o impacto sobre a população local é subestimado e o valor de outros usos para os rios, como a pesca, o transporte e a biodiversidade não é levado em conta. Eles reconhecem que a energia hidrelétrica é de baixo carbono, mas temem que os reservatórios em regiões tropicais podem liberar grandes quantidades de metano, um gás de efeito estufa muito mais poderoso.
No século 20, milhares de barragens foram construídas ao redor do mundo. Alguns foram verdadeiros desastres: Balbina, perto de Manaus, construída em 1980, inundou 2,400 km quadrados de floresta e oferece uma capacidade pífia de 250 MW. Seu vasto reservatório estagnado torna a barragem uma “fábrica de metano”, diz Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, um órgão do governo, em Manaus. Proporcional à energia que produz, Balbina emite muito mais gases de efeito estufa do que qualquer usina a carvão, até mesmo as mais ineficientes.
Mas muitas barragens valeram a pena (embora famílias prejudicadas raramente recebam uma compensação justa). Itaipu, construída na década de 1970 pelo governo militar do Brasil, destruiu algumas das cachoeiras mais belas do mundo, inundou 1.350 quilômetros quadrados e deslocou 10 mil famílias, mas atualmente fornece 17% da energia elétrica no Brasil e 73% do Paraguai. É altamente eficiente, produzindo mais energia do que a hidrelétrica das Três Gargantas, apesar de ser menor.
Do potencial hidrelétrico inexplorado do Brasil de cerca de 180 mil MW, cerca de 80 mil MW encontra-se em regiões protegidas, principalmente territórios indígenas, para os quais não existem planos de desenvolvimento. O governo pretende explorar a maioria dos restantes 100 mil MW até 2030, diz Ventura. Mas vai minimizar os custos sociais e ambientais, ele insiste. As novas barragens irão usar o método “fio d’água”, evitando grandes reservatórios e contando com o fluxo natural da água para alimentar as turbinas. E eles prometem não inundar novas reservas indígenas.
Essa abordagem está sendo pioneira em Belo Monte. Na década de 1970 o governo militar sonhava com uma sequência de cinco barragens e grandes reservatórios no Xingu, o que teria gerado 20 mil MW, deslocando dezenas de milhares de pessoas e inundando 18 mil quilômetros quadrados, incluindo reservas indígenas. Ao todo, o governo militar planejava inundar 2% da floresta para reservatórios.
Com a democracia restaurada, o governo ordenou uma reavaliação. O novo plano para o Xingu envolve apenas um complexo de barragens, na Volta Grande, onde o rio desce 93 metros em 140 quilômetros, uma grande queda para a Amazônia. Em vez de partir de um reservatório, a maior parte da água para acionar as turbinas virá através da canalização de parte do fluxo do rio que atravessará Pimental até chegar a estação geradora principal.
Isso adicionou mais de 2 bilhões de reais ao custo do projeto, mas evitará inundações de terras indígenas. Belo Monte irá inundar apenas cerca de 500 quilômetros quadrados, principalmente no canal, de acordo com Henrique di Lello Filho, do consórcio de construção. Esta área já foi amplamente desmatada pela construção da rodovia Transamazônica na década de 1970. As emissões de metano devem ser pequenas. Apenas 200 índios serão diretamente afetados pela perda de áreas de pesca.
A Norte Energia destinou 3,9 bilhões de reais para indenizações de mitigação e compensação. Os construtores terão de construir escadas para a passagem de peixes, uma grua para barcos conseguirem navegar o rio, casas para 8 mil famílias (incluindo 700 que vivem em palafitas propensas a inundações, ou cabanas de madeira sobre palafitas à beira dos rios, em Altamira), escolas e centros de saúde, ligações de esgoto e muito mais.
Para os ativistas em Altamira e alguns índios locais, isso não é suficiente. Eles desdenham do impacto do projeto na vida da cidade, onde a população inchou para 100 mil, o aumento dos aluguéis e a nova pressão sobre os serviços de saúde e escolas. Xingu Vivo afirma que a barragem de Pimental transformou o rio abaixo em poças de peixes mortos e diz que nem a grua nem a escada para peixes irão funcionar.
A maioria dos manifestantes indígenas vive em aldeias distantes vários dias do projeto da usina e não serão diretamente afetados por Belo Monte. Mas eles dizem que se sentem ameaçados pelo projeto. Questionado se qualquer projeto hidrelétrico no Xingu poderia ser aceitável, Juma Xipaia, que agora vive em Altamira, respondeu: “Não. É impossível. Para nós, a água é tudo”. No entanto, uma pesquisa recente com 1.222 índios de 20 tribos em todo o país constatou que a maioria quer as mesmas coisas que os outros brasileiros: melhores cuidados de saúde e educação, saneamento e eletricidade, mais renda e empregos.
O desafio legal dos manifestantes quanto a Belo Monte se baseia na alegação de que eles não foram devidamente consultados antes do início das obras, algo que o governo nega.
Entre 2007 e 2010 houve quatro audiências públicas e 12 consultas públicas sobre Belo Monte, bem como oficinas explicativas e 30 visitas a aldeias indígenas.
Hidrelétricas a fio d’água (sem grandes reservatórios para armazenar água) tem um impacto ambiental muito menor do que as usinas com grandes reservatórios, mas também são bem menos eficazes. Belo Monte é um exemplo extremo disso. O fluxo altamente sazonal do Xingu significa que Belo Monte irá produzir apenas 4.500 MW em média, ou apenas 40% de sua capacidade. Nos dois meses mais secos a hidrelétrica mal vai produzir 1.000 MW.
Como a proliferação de projetos a fio d’água, a geração ficará cada vez mais à mercê das chuvas. Depois de sucessivos anos de seca, entre 2001 e 2002, os brasileiros viveram um grande racionamento, abalando fortemente a economia do país. Para evitar a repetição, o governo encomendou usinas de energia térmica, abastecidas com petróleo, carvão e gás. As usinas térmicas hoje representam um sexto do total da capacidade de geração do Brasil, e fornecem cerca de um décimo de sua eletricidade.
Mas o aumento da demanda e a diminuição da porcentagem de hidrelétricas com grandes reservatórios significam que térmicas não são mais suficientes. No ano passado, a falta de chuva fez com que os reservatórios do Brasil atingissem apenas 30,5% da sua capacidade, menor até do que às vésperas do racionamento. Este ano, as chuvas foram mais abundantes, e ainda assim o operador nacional da rede elétrica manteve as usinas térmicas funcionando durante toda a estação chuvosa. Isso custa caro: plantas destinadas à utilização irregular geralmente são ineficientes, e a compra de combustível a curto prazo é cara. Mas os reservatórios precisam ser mantidos tão cheios quanto possível para a Copa de 2014. A repetição do racionamento nesse período seria uma humilhação nacional.
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FONTE : * Publicado originalmente na revista The Economist e retirado do site Opinião e Notícia.
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