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terça-feira, 25 de setembro de 2012

O modelo extrativista primário-exportador e a sangria da Amazônia


Agronegócio x Floresta
Agronegócio x Floresta

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
Sumário:
Modelo extrativista primário-exportador exige o sacrifício da Amazônia
Brasil vive nova “corrida do ouro”
Rio Xingu torna-se porta de entrada para megaprojetos
Indígenas e ribeirinhos do Xingu poderão estar seriamente ameaçados
Expansão do capitalismo pressiona terras indígenas
América Latina. O boom da mineração no cerne dos conflitos
Romper o “círculo de giz” economicista
Eis a análise.
Modelo extrativista primário-exportador exige o sacrifício da Amazônia
Um novo megaprojeto ronda a Amazônia. O bilionário projeto de um grupo canadense que quer explorar ouro no Xingu. O maior e mais ousado projeto de mineração de ouro pós Serra Pelada em território brasileiro, será instalado no mesmo lugar em que está sendo construída a usina hidrelétrica de Belo Monte. Não se trata de casualidade, o mega empreendimento necessitará de energia produzida pela usina.
O projeto avança às escondidas. Sem quase nenhum debate público, está prestes a obter licença do governo do Pará. O governo federal ciente dos impactos do megaprojeto no mesmo espaço físico em que está sendo construída Belo Monte dá sinais de preocupação. As comunidades ribeirinhas e indígenas da região do Xingu já manifestam sua preocupação e indignação com mais uma ameaça ao seu território e ao ecossistema local.
O tamanho do projeto de mineração, origem, significado, características e consequências são descritas na sequência. Vale destacar que se trata de mais uma ameaça ao maior território de biodiversidade planetária: a Amazônia.
A pressão pela liberação da mineração na Amazônia, inclusive em territórios indígenas, insere-se em mais um capítulo que revela a voracidade do capital pelos recursos naturais ainda não explorados. A interpretação do significado desse megaprojeto não pode ser desconectado de outros acontecimentos que envolvem a região amazônica.
O gigantesco projeto de mineração deve ser interpretado e compreendido no contexto da dinâmica da expansão do capitalismo de caráter extrativista primário-exportador que chegou com força à Amazônia nas duas últimas décadas. A construção da usina de Belo Monte no Xingu, das usinas no Madeira, do Complexo Tapajós, a flexibilização do Código Florestal, a portaria 303 da AGU, a PEC 215, a aprovação das Medidas Provisórias 452 e 558, assim como asfaltamento da BR-319 e o crescimento da agropecuária na região fazem parte de “um mesmo pacote”.
A Amazônia transformou-se na última fronteira de expansão do capitalismo brasileiro associado ao capital transnacional. A cobiça pelo território está associada ao seu potencial depositário de fantásticos recursos naturais. As “iniciativas” acima listadas inserem-se na dinâmica que vem transformando a região amazônica numa plataforma de exportação. A ausência de restrições a essa lógica deve-se a “opção” por um modelo dependente da balança comercial ancorada na produção de commodities. A elevação do PIB brasileiro e a balança comercial superavitária exigem o sacrifício da Amazônia.
Bens comuns são transformados em mercadorias e apropriados privadamente. Benefícios privados, prejuízos públicos. No futuro restarão as crateras a céu aberto, testemunhas da desmedida do capital.
Brasil vive nova “corrida do ouro”
“O Brasil vive uma nova ‘corrida do ouro’, silenciosa e oculta da opinião pública, mas intensa ao ponto de fazer a atividade mineradora saltar de modestos 1,6 % para expressivos 4,1% do PIB em só dez anos”. A espantosa constatação é da Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente no Governo Lula.
O cenário desta nova corrida por minérios não é mais o Brasil “velho”, litorâneo, mas a Amazônia, o novo El Dorado, a última fronteira do capitalismo. É para essa região, distante dos olhos e do coração da maioria dos brasileiros, que se voltam as atenções das grandes corporações extrativistas. Por quê? Porque, de novo segundo a Marina Silva, “tudo indica que o conhecimento do potencial mineral só é segredo para a população; os ‘investidores’ têm o mapa da mina há tempos”.
Há diversos movimentos (quase sempre subterrâneos para quem está do lado de cá) indicando que há algo de novo no front. Entretanto, não se trata de movimentos isolados, mas muito bem orquestrados, envolvendo os interesses das grandes mineradoras de capital transnacional e do Estado, contra os interesses dos povos indígenas e ribeirinhos e à custa da degradação ambiental. O “interesse nacional” está acima dos interesses particulares, o que neste caso significa corroborar o modelo neodesenvolvimentista que vem sendo implantado em nosso país nos últimos anos.
Basta destacar alguns pontos, além daquele já apontado no começo deste tópico, deste imenso iceberg mineral, para ilustrar a “revolução silenciosa” que está em andamento. A produção mineral só do Estado do Pará passou em apenas uma década de quase 4 bilhões de reais para 25 bilhões de reais, em 2011. Inúmeras frentes de extrativismo mineral surgiram na Amazônia apenas na última década, como mostra artigo de Julianna Malerba, da FASE, do Rio de Janeiro. Minas de minério de ferro, manganês, cobre, níquel, caulim e bauxita, matéria prima para a produção de alumínio, são exploradas por empresas como a Alcoa, Albrás, Alumar e Vale. Praticamente toda a produção é exportada.
Particularmente na região da Volta Grande do Xingu, onde está sendo instalada a hidrelétrica de Belo Monte e um megaprojeto de mineração de ouro, existem 489 processos protocolados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), sendo 228 para a extração de ouro. Do total de solicitações de pesquisa e lavra na área, 39 estão em nome da Belo Sun Mineração, sendo que 22 já possuem autorização de pesquisa e os outros 17 ainda aguardam aval para estudos.
A pesquisadora Telma Monteiro, traz ainda outro dado igualmente sugestivo em termos do potencial mineral existente na Amazônia: “são mais de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra que estão em processo de aprovação no DNPM”.
Rio Xingu torna-se porta de entrada para megaprojetos
Quem acreditava que tudo se resumiria à construção de uma das maiores e polêmicas geradoras de energia do mundo, a de Belo Monte, no rio Xingu, encravada em plena selva amazônica? Quem imaginava que mais ninguém se interessaria por aquela região rica em ouro? Na verdade, Belo Monte apenas fez foi escancarar a região para outros projetos igualmente (ou até mais) impactantes social e ambientalmente. A bem da verdade, se a situação com a construção de Belo Monte já é dramática, como analisamos diversas vezes, com o que está por vir perde-se totalmente o controle e pode-se estar diante do começo do fim da região amazônica.
Mal o canteiro de obras de Belo Monte estava instalado, a empresa canadense Belo Sun Mining, companhia sediada em Toronto, iniciou um ambicioso projeto que poderá ser o “maior programa de exploração de ouro do Brasil”.
A Belo Sun Mineração, subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao grupo canadense Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo, pretende investir US$ 1,076 bilhão na extração e beneficiamento de ouro na região da Volta Grande do Xingu.
A concessão durará 12 anos e a empresa estima extrair 4.684 quilos de ouro por ano, o que significa um faturamento anual de R$ 538,6 milhões, conforme cotação atual do metal feita pela BM & FBovespa. As previsões, no entanto, são de que a exploração se possa dar por até 20 anos. Pelos cálculos da Belo Sun, haverá a geração de 2.100 empregos próprios e terceirizados diretos no pico das obras e outros 600 indiretos, principalmente nas cidades próximas ao projeto, como Altamira e Senador José Porfírio.
A Belo Sun Mineração tem projeto de instalação na chamada Volta Grande do Xingu, mesma área onde está sendo construída a usina de Belo Monte. É preciso recordar que os construtores da Belo Monte vão praticamente secar esse trecho do rio de mais de 100 quilômetros com o desvio das suas águas. É na proximidade do barramento principal, no sítio Pimentel, que a Belo Sun está se instalando, exatamente para se aproveitar do fato de que a Volta Grande ficará seca por meses a fio devido ao desvio das águas.
Esse detalhe não passou despercebido à empresa, pois, embora tenha informado nos estudos ambientais que se trata de explorar uma jazida próxima à superfície, com extração a céu aberto, ela está de olho também na existência de um potencial de alta qualidade em profundidade de pelo menos 200 metros ou 300 metros abaixo da superfície.
A mina, de acordo com o projeto, seria instalada a menos de 20 quilômetros da barragem de Belo Monte e a 16 quilômetros da TI Arara da Volta Grande, na área diretamente impactada pela usina. Além disso e embora seja localizada à margem do leito do rio, a exploração da jazida não deverá avançar sobre o mesmo, argumenta Hélio Diniz, vice-presidente de exploração da Belo Sun no Brasil.
De acordo com informações da própria mineradora, o foco principal da Belo Sun é explorar a mineração numa área que é 100% de sua propriedade e que tem ouro estimado em aproximadamente 2,85 milhões de onças. Além disso, afirma controlar os direitos de mineração e exploração de 130,541 hectares (1.305 km2). Como ela obteve essas terras precisa ser averiguado.
Além da área do Xingu, a Belo Sun analisa explorações nas proximidades do rio Tapajós, também no Pará, e no Tocantins.
O cronograma da exploração já está detalhado e sendo executado. No dia 13 de setembro foi realizada a primeira audiência pública sobre o projeto no município de Senador José Porfírio, onde será explorada a jazida. Uma segunda está marcada para o dia 25 de outubro no mesmo município. Uma terceira deverá acontecer em Altamira, por onde será feito o acesso à mina e cidade que também deverá atrair uma parcela da migração esperada pela mineradora.
O cronograma da Belo Sun prevê a obtenção da licença prévia do empreendimento até o fim deste ano. A licença de instalação, que permite o avanço inicial da obra, é aguardada para o primeiro semestre do ano que vem, com início do empreendimento a partir de junho de 2013. A exploração efetiva do ouro começaria no primeiro trimestre de 2015, quando sai a licença de operação. Coincidentemente é também quando começa a operar a usina de Belo Monte.
Indígenas e ribeirinhos do Xingu poderão estar seriamente ameaçados
O impacto social da instalação da mineradora na Volta Grande do Xingu poderá ser profundo e irreversível para os indígenas e ribeirinhos que habitam a região. A mina ficará muito próxima de Belo Monte e mais ainda da Terra Indígena Arara da Volta Redonda, na área diretamente impactada pela usina. Assim mesmo, na audiência pública de 13 de setembro, os representantes da empresa sequer mencionaram impactos ambientais e, especificamente, sobre os indígenas. “Não há, por exemplo, uma análise do que poderá ocorrer com as populações indígenas e ribeirinhas com o eventual vazamento de rejeitos tóxicos num rio já com água com a qualidade comprometida. E nem o efeito que a operação da mina poderá ter sobre a segurança da barragem de Belo Monte”, analisa o Instituto Socioambiental (ISA).
Deve-se recordar aqui que a hidrelétrica de Belo Monte se vê envolvida há décadas em discussões infindáveis sobre os reflexos que a usina trará às terras e vidas indígenas, tendo realizado dezenas de audiências públicas sobre os assuntos nos últimos anos.
A leviandade do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado pela empresa chamou a atenção do Ministério Público Federal. A procuradora do MPF no Pará Thais Santi chegou a dizer ao final da audiência que não reconhecia a legitimidade daquele encontro. “Eu não posso considerar isso uma audiência pública, porque as respostas que a gente teve aqui não são conclusivas. Continuo aguardando que essa audiência seja continuada, não apenas nas comunidades, mas também em Altamira, com participação da universidade, pois existem muitas questões a serem tratadas. Como jurista, eu não tenho condições de dar um parecer hoje e dizer que saio daqui tranquila com relação a essa obra”, disse Santi.
A mineração vai viabilizar o acesso a regiões bastante preservadas, como a TI destinada a índios isolados Ituna-Itatá, vizinha à TI Trincheira Bacajá, dos Xikrin, que faz fronteira com algumas áreas pleiteadas pela Belo Sun para mineração.
A TI Arara da Volta Grande, dos índios Arara, também faz fronteira com algumas áreas requisitadas pela empresa canadense, mas assim como a TI Paquiçamba, do povo Juruna, só é mencionada como área de influência indireta do empreendimento. Nenhum dos povos da região foi consultado sobre a instalação da mineradora e tampouco foram avaliados os impactos eventuais sobre eles.
Aqui emerge outro problema. Todo o processo de licenciamento ambiental está sendo conduzido pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMA) e não pelo IBAMA. E a pergunta é justamente essa: por que esse licenciamento escapou da análise dos técnicos do Ibama? Um ensaio de resposta pode ser encontrado no fato de que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não reconhece que o empreendimento pode impactar Terras Indígenas.
Qual é a alegação, tanto da empresa como do próprio governo, para isso? “Não há nenhum problema de [o empreendimento] ser próximo a áreas que fazem fronteira com Terras Indígenas. O que não pode é ser dentro da reserva indígena”, afirma a assessoria de imprensa do DNPM, que autorizou a pesquisa da área pela Belo Sun.
“O mesmo argumento usado para Belo Monte está sendo utilizado agora, o de que a obra não impacta a terra indígena porque não está dentro dela. Como é possível afirmar que não há impacto sobre a vida dos índios da Volta Grande com a diminuição de 80% da vazão do Rio Xingu e a subsequente instalação da maior mineração de ouro do País na mesma região?”, indaga Raul do Valle.
Soma-se a isso o fato de que a região ainda conta com a presença de indígenas em isolamento voluntário, o que foi reconhecido inclusive pelo Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte. Em Parecer Técnico, a Funai fez referência aos impactos que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário, observando que a ação de grileiros e invasores vai ameaçar sua integridade física e cultural.
O parecer da Funai, observa a Telma Monteiro, ainda alerta para o fato de que o desvio das águas e a redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande pode gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório vai criar aumento populacional na região e provocar pressão sobre os recursos naturais; essa pressão levará às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário.
Expansão do capitalismo pressiona terras indígenas
Ao ter presente os interesses do grande capital na região, entende-se que a pressão que os povos indígenas e ribeirinhos sofrem de todos os lados faz parte de uma estratégia mais ampla e articulada. A Amazônia transformou-se na nova (e última!) fronteira do capitalismo, que se expande em diversas frentes: agronegócio, extração florestal e mineral, energia. A vinda a público do avanço do projeto de exploração de ouro pela Belo Sun Mineração nada mais representa que a articulação deste setor com o de energia.
Há mais de uma década vêm sendo desenvolvidos estudos de viabilidade mineral na região da Volta Grande do Xingu. Entretanto, só agora com a construção de Belo Monte uma empresa da envergadura da Belo Sun busca autorização para se instalar na região. E isso, embora a empresa não o reconheça explicitamente, se deve fundamentalmente à energia produzida por Belo Monte. Os processos de beneficiamento mineral são intensivos no consumo de energia. “Para produzir 432 mil toneladas de alumínio a Albrás, instalada em Barcarena, consumiu a mesma quantidade de energia elétrica das duas maiores cidades da Amazônia, Belém e Manaus. A empresa responde por 1,5% do consumo de eletricidade do Brasil com seus quase 200 milhões de habitantes. A energia de Tucuruí, que entrou em operação na década de 1980, ainda hoje é consumida prioritariamente pela Albrás e pela Alumar, em São Luiz, no Maranhão. E ambas pagam tarifas subsidiadas, diga-se de passagem”, escreve Julianna Malerba.
Outro indício dessa vinculação diz respeito à entrada da Vale, em abril de 2011, no consórcio responsável pela construção de Belo Monte, ele que tem seu ramo principal de atividade no setor da mineração. “E mostra que – como afirma a Malerba –, não por acaso, as novas fronteiras de produção de energia e de exploração mineral avançam de mãos dadas sobre os mesmos espaços”.
Tanto a produção hidroelétrica como a mineração são expansivas. Estes setores requerem cada vez mais territórios. Em estes sendo restritos ou em posse de povos indígenas, dá-se a inevitável pressão sobre as terras indígenas protegidas por lei. A ofensiva se dá fundamentalmente em duas direções: Primeira, ignorar tratar-se de terras indígenas ou de proximidade a elas, como vem acontecendo tanto como a Belo Monte como com a Belo Sun Mineração; segunda, proceder a desregulamentações. Em ambas, o Estado tem participação fundamental.
As iniciativas legais da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 215/2000, e a Portaria 303 da AGU vão contra os direitos dos povos indígenas e ribeirinhos, ameaçam a soberania sobre as suas terras, além de serem antiambientais. A Portaria 303 é publicada três anos depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que homologou a demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol em área contínua, para regulamentar a atuação de advogados e procuradores em processos judiciais que envolvem áreas indígenas em todo o país. Na prática, a portaria coloca em vigor as 19 condicionantes pelo STF para demarcação e direito de uso de terras indígenas na época do julgamento. Entre os pontos polêmicos da portaria, estão a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas e a garantia de participação de estados e municípios em todas as etapas do processo de demarcação.
A Portaria 303 proíbe a comercialização ou arrendamento de qualquer parte de terra indígena que possa restringir o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas, veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico pelos índios e impede a cobrança, pelos índios, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
Entretanto, há uma condicionante, a de número 17, muito preocupante. A portaria também confirma o entendimento do STF de que os direitos dos índios sobre as terras não se sobrepõem aos interesses da política de defesa nacional, ficando garantida a entrada e instalação de bases, unidades e postos militares no interior das reservas. A expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas e de “riquezas de cunho estratégico para o país” também não dependerão de consentimento das comunidades que vivem nas TIs afetadas, de acordo com as regras. Ou seja, se colocada em prática, significa porteira aberta para os interesses do agronegócio e das mineradoras, como no caso da Belo Sun Mineração.
Tão prejudicial quanto essas é a Medida Provisório 558, aprovado no Senado no final de maio deste ano. Ela redefine os limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari; das Florestas Nacionais de Itaituba I, Itaituba II, do Crepori e do Tapajós; e da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós. As razões alegadas seriam a regularização fundiária e a destinação de terras para o alagamento por usinas hidrelétricas.
Outra frente de atenção e preocupação são o Projeto de Lei da Mineração, o Marco Regulatório e a reforma do Código da Mineração, sobre o que pouco se discute. Está tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1610/96 que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas. Em 2011, o Ministério de Minas e Energia resolveu lançar a discussão do novo Marco Legal da mineração brasileira. Um dos objetivos propostos para o novo Marco Legal é o fortalecimento do Estado para ter soberania sobre os recursos minerais. Também o Código de Mineração, que é de 1967, recebeu propostas do Executivo que serão examinadas pelo Congresso Nacional a partir deste mês. A principal mudança será que o governo passará a leiloar o direito de exploração que, atualmente, é conferido por ordem de chegada.
Sem, evidentemente, falar da (triste) reforma do Código Florestal.
América Latina. O boom da mineração no cerne dos conflitos
A pressão sobre os recursos naturais não são uma particularidade do Brasil. Em todo o continente latino-americano assiste-se a projetos – muitos deles de mineração – que pressionam verdadeiros santuários ecológicos.
Com maior ou menor intensidade em toda a América Latina, movimentos indígenas, camponeses e organizações socioambientais estão se posicionando e se mobilizando contra a execução de megaprojetos – rodovias, hidrelétricas, expansão do agronegócio, mineração, petróleo. No cerne da tensão entre os movimentos sociais e os governos progressistas na América Latina encontra-se a agenda ambiental.
A esquerda latino-americana é cada vez menos “vermelha” e cada vez mais “marrom”, afirma o sociólogo uruguaio Eduardo Gudynas. Segundo ele, está ficando cada vez mais claro que os governos progressistas ou da nova esquerda se apoiam na exploração de commodities para alimentar o crescimento econômico. Tornamo-nos provedores de matérias primas para a globalização, diz ele.
Rompe-se o diálogo com o movimento verde e a esquerda de vermelha se transforma em marrom, destaca o sociólogo. O vermelho, cor símbolo da luta socialista, subordina-se à lógica do grande capital e, assumindo o modelo extrativista – primário exportador – provoca grandes impactos ambientais. O marrom é uma referência às crateras a céu aberto provocado pelos megaprojetos em curso em todo o continente.
O modelo extrativista patrocinado pelos governos de esquerda e, também, pelos de direita na América Latina é definido pelo escritor Raúl Zibechi como “apropriação dos bens comuns, direta ou indiretamente, para transformá-los em mercadorias”. O sociólogo venezuelano Edgardo Lander, comenta que “a principal fonte das contradições internas e das decepções com relação aos governos progressistas e de esquerda é que parecem, de fato, dar por óbvio que não há nenhum outro caminho possível senão o de um sistema baseado no crescimento econômico”.
Em praticamente todos os países da região, desde o México até o Chile, comunidades tradicionais e camponesas estão se levantando contra grandes projetos de desenvolvimento e de extração natural que, pegando carona no boom econômico da América Latina e nos altos preços das commodities, estão promovendo uma nova febre do ouro em paisagens tão distintas como o deserto mexicano e a floresta amazônica, comenta o escritor Tadeu Breda.
A obsessão pelo crescimento, a aposta em megaprojetos e a flexibilização do aparato normativo que protege o meio ambiente está no cerne das tensões sociais que se assiste em todo o continente. Tome-se como exemplo o que vem acontecendo no Equador, no Peru e na Bolívia, mas também com grau diferenciado na Argentina, na Colômbia e na Venezuela. Marchas, protestos, ocupações e mobilizações fazem parte do cenário da luta social na América Latina nos últimos anos e, na maior parte delas, o arranque das mobilizações são os conflitos ambientais ancorados na mineração.
A mineração apresenta uma particularidade: o Canadá tem atualmente 1.246 projetos de mineração ativos na América Latina, o que representa cerca de 80% das companhias mineradoras presentes na região e que contam com o incentivo do governo local. E a Belo Sun Mineradora é… canadense!
Romper o “círculo de giz” economicista
Os conflitos ambientais revelam que os governos provenientes de partidos de esquerda ou, ao menos, em oposição à tradicional direita têm se mostrados incapazes de superarem o “círculo de giz” do velho desenvolvimentismo economicista. Nesse “velho modelo”, tributário da Revolução Industrial, os recursos naturais devem ser sacrificados no altar do produtivismo em nome do crescimento econômico e da “distribuição de renda”.
Em tempos, porém, de crise ecológica e mudanças climáticas fica a pergunta se esse modelo já não teria se esgotado. A questão fulcral, agora, diz respeito ao esgotamento do modelo de desenvolvimento criado e incrementado na sociedade industrial baseado em uma visão linear, progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no consumo desenfreado a sua mola propulsora. Há uma crença no crescimento econômico e sua linearidade. A crise ambiental e a mudança climática, entretanto, estão aí para indicar o fracasso dessa perspectiva.
O liberalismo econômico assim como o marxismo se assentam nas mesmas bases. Ambos são resultantes da modernidade. Bebem na fonte da racionalidade técnico-instrumental. Marxismo e liberalismo repousam sobre a noção de um progresso infinito. Subjaz a crença de que os recursos naturais seriam sempre abundantes e infinitos. Não haveria porque se preocupar com a possibilidade de que algum dia haveria falta dos recursos naturais (petróleo, carvão, aço, água, florestas, energia)… para alimentar a “máquina” do progresso humano.
Essa visão de sociedade engendrada pela modernidade e constitutiva à teoria marxiana – compreensível ao momento em que Marx escreve, o advento da Revolução Industrial – precisa ser complexificada. Aqui reside, por exemplo, a dificuldade da esquerda brasileira e latino-americana.
Permanecer e insistir num modelo destruidor da natureza – como o da mineração no Xingu – pode se revelar um profundo erro. O ganho imediato poderá se transformar numa perda irreversível no futuro, inclusive econômica. Mais do que nunca, a célebre afirmação do índio Chefe Sioux ublak em 1855 revela-se profética: “Quando a última árvore for cortada, quando o último rio for poluído, quando o último peixe for pescado, aí sim eles verão que dinheiro não se come”.

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FONTE : (Ecodebate, 25/09/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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