saude Impacto climático em doenças tropicais desafia os cientistasRio de Janeiro, Brasil, 28/9/2012 – Chuvas mais intensas, temperatura em elevação e migrações de populações humanas e animais, pela reincidência de secas, incidem na transmissão de doenças tropicais. Estas mudanças, já estudadas pela climatologia, agora são um desafio também para especialistas e autoridades da saúde. O impacto da mudança climática na saúde humana gerou polêmicas entre os especialistas que participaram do XVIII Congresso Mundial de Medicina Tropical e Malária, que aconteceu de 23 a 27 deste mês, no Rio de Janeiro.
De um lado desta controvérsia está o pesquisador Ulisses Confalonieri, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para quem muitas vezes se trata de “simplificações jornalísticas’, pois o assunto é muito complexo. Já o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Carlos Henrique Costa Nery, respondeu à IPS que “não é atrevimento” afirmar que a mudança climática “tem consequências inevitáveis sobre as doenças tropicais”.
Presentes em 49 países, essas enfermidades “representam um inimigo que se aproveita da fragilidade social e econômica”, segundo a Federação Internacional de Medicina Tropical, a SBMT e o Instituto Oswaldo Cruz, organizadores do congresso. Elas são provocadas por vírus, bactérias e parasitas que afetam cerca de um bilhão de pessoas, sobretudo na faixa tropical do planeta, onde se concentram as populações mais vulneráveis dos países em desenvolvimento.
Mas o mapa de doenças tropicais, como malária, mal de Chagas, doença do sono, leishmaniose, esquistossomose e dengue, está começando a mudar. Trata-se de enfermidades transmitidas por vetores como mosquitos, moscas e caracóis, diretamente afetados pelas condições dos biomas que habitam, por sua vez influenciados pelas mudanças de umidade, temperatura e chuvas, explicam os especialistas.
“O aquecimento global está tropicalizando regiões subtropicais, e o aumento da temperatura pode implicar uma explosão de parasitas e insetos vetores que se expandem para América do Norte, Cone Sul da América, Austrália e Nova Zelândia”, explicou Nery. Uma evidência, segundo o presidente da SBMT, seria a presença na Europa da leishmaniose, que afeta seres humanos e cães, uma enfermidade instalada nos países do sul desse continente, mas que poderia se espalhar para o norte e cruzar fronteiras se a temperatura aumentar mais, assegurou.
Ao mesmo tempo, a alteração do clima nos trópicos e seus efeitos na mudança de frequência de inundações e secas “também podem alterar a dinâmica da transmissão de doenças” com o surgimento de vetores que alterem a imunidade e a resistência da população. As inundações, por exemplo, podem favorecer a propagação das doenças transmitidas por insetos, com febre amarela, dengue ou malária. “Isto afeta a ecologia do inseto”, disse Nery.
As secas teriam um impacto mais indireto. Ao restringir os alimentos, a população estaria mais vulnerável a agentes infecciosos como a tuberculose. No nordeste brasileiro e em outras regiões da América Latina e da África as secas também provocam êxodo populacional de áreas rurais para as cidades e com isso se produz uma cadeia de efeitos.
Sem capacidade para receber estes novos contingentes humanos, crescem conglomerados pobres e superpovoados, como as favelas. Já a falta de saneamento básico, o aumento do lixo, a contaminação e a água d ema qualidade aumentam todas as doenças “infecciosas ou não infecciosas”, acrescentou Nery. Para ele, alguns destes problemas ainda são “especulativos”, mas outros já estão “informados”, como no mencionado caso da leishmaniose.
Os especialistas concordam que o fenômeno é difícil de explicar isoladamente. No caso da leishmaniose seria preciso considerar fatores como o grande movimento internacional de veículos de transporte aéreo, terrestre e marítimo, que podem “transportar vetores ou pessoas enfermas”, segundo Nery.
Confalonieri admitiu que muitas doenças tropicais mudaram de comportamento nas últimas décadas. A leishmaniose visceral, também conhecida como kala azar, antes era apenas rural, mas hoje está presente nas cidades, enquanto o mal de Chagas, transmitido fundamentalmente pelo insto barbeiro, hoje também contagia através de alimentos contaminados com esse protozoário. Porém, considera que a formação do mapa se dá por uma situação muito “mais complexa do que parece”.
“É preciso estudar o clima, mas também outros fatores ambientais”, como desmatamento, tratamento do lixo, conversão da vegetação natural, mobilidade da população, fatores socioeconômicos e saneamento, bem como mudanças na produção agrícola e de hábitos alimentares, entre outros, disse Confalonieri.
Para esse cientista da Fiocruz, o desafio atual é identificar se as transformações climatológicas já detectadas efetivamente estão incidindo nas mudanças dos perfis de saúde.
Mas os trabalhos feitos até agora são “isolados” e escassos. Um deles foi encabeçado pelo geógrafo Francisco Mendonça, da Universidade Federal do Paraná, que dividiu em dois aspectos o programa sobre a dengue, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.
O primeiro, basicamente de investigação, considerou que o sul do Brasil é uma região fria em relação aos padrões tropicais, onde o mosquito, que necessita de temperaturas entre 20 e 30 graus, não teria condições de proliferar. A equipe observou que na última década houve na região três epidemias de dengue coincidindo com anos mais quentes. “Isto significa que a dengue pode se expandir mais se a temperatura aumentar”, disse Mendonça à IPS.
Outro aspecto do programa foi a criação de um sistema de alerta de epidemias de dengue, com base nas condições climáticas, especialmente quanto à intermitência e intensidade das chuvas e ao aumento da temperatura.
O sistema de alerta, acessível em um portal governamental, indica quais períodos são mais favoráveis para a reprodução do mosquito e a transmissão do vírus. A partir desses dados, a Secretária de Saúde do Paraná estabelece em que áreas é preciso reforçar a vigilância.
Por sua vez, Confalonieri se prepara para partir, junto com uma equipe de cientistas do Peru, Equador e dos Estados Unidos, para a região amazônica a fim de estudar a incidência da malária em diversos cenários modificados pelo homem, como o uso da terra e a abertura de estradas.

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FONTE : Envolverde/IPS